No âmbito do Iberanime, surgiu-nos a oportunidade de entrevistar a Desenhista Nuei Neko, uma das melhores ilustradoras do estilo manga em Portugal. De 22 anos, Diana Ferreira, de nome artístico “Nuei”, atenciosamente nos respondeu a algumas questões sobre o mundo do desenho manga português bem como os seus projectos a longo e curto prazo.
PA: Olá, Diana. Em nome do ptAnime, agradeço a tua disponibilidade para nos esclareceres algumas duvidas relativamente ao mundo do manga português.
DF: Muito obrigada ptAnime.
PA: Podemos te considerar uma pioneira nesta área, quando começou o interesse por esta arte ainda tão pouco explorada em Portugal?
DF: Sempre gostei bastante de desenhar, mas foi só aos 15 anos que me rendi ao estilo manga. Na altura, quase nem se ouvia falar de convenções ou “meets“, e havia uma porção muito pequena de pessoas que sabia que anime não se limitava a “desenhos animados de crianças” e “hentais”. Confesso que tive de vencer o meu próprio preconceito para com o anime, recomeçar a ver todos os épicos da minha infância que estava mortinha por rever e mais todas as novidades que entretanto apareceram.
PA: O teu desenho é muito baseado no traço japonês, sempre foi assim?
DF: Não. Apesar dos meus desenhos animados preferidos terem sido sempre anime (Pokémon, Sailor Moon, Samurai X, etc) nunca me ocorreu em criança desenhar num estilo tão complicado. Só depois de me voltar a apaixonar por anime na minha adolescência é que isso se começou a reflectir nos meus rabiscos no canto do caderno, e só aí fui procurando melhorar os meus desenhos cada vez mais, até conhecer a arte digital aos 20 anos.
PA: Tens algum ídolo ou baseaste-te em algum ilustrador? Quais são as tuas influências?
DF: Inicialmente inspirei-me bastante na arte do Daisuke Moriyama (Chrno Crusade), mas pouco depois de entrar para o deviantART conheci o Reduice (também conhecido por Redjuice999 ou Shiru), designer de personagens de Guilty Crown e Beatless, e ilustrador dos Supercell (compositores de World is Mine, Love is War, Melt, etc). Não foi amor à primeira vista, mas quando dei por mim, já estava completamente apaixonada pelo estilo Redjuice!
PA: Vejo que é uma grande inspiração para ti. Revês-te de alguma maneira nesse artista?
DF: De uma certa forma sim! Por coincidência, o Redjuice também teve um início de carreira mais tardio que o normal, e também estudou e trabalhou numa área científica antes de se tornar artista profissional. Espero muito sinceramente também vir a largar a Medicina Dentária um dia e tornar-me ilustradora a tempo inteiro!
PA: Porquê algo tão antagónico como Medicina Dentária e não algo ligado às Artes?
DF: Em tempos, já quis seguir exclusivamente as áreas médicas, por isso foi impossível que os meus pais aceitassem uma mudança tão radical. Acabei também por me sentir desmotivada por não acreditar nas minhas próprias capacidades e não cheguei a candidatar-me a uma faculdade artística. Apesar de ainda não fazer um ordenado com os meus desenhos, penso que faria uma opção completamente diferente se fosse hoje.
PA: Medicina Dentária da Universidade do Porto é um curso muito exigente e que consome muito tempo. Como consegues conciliar a tua vida académica com a tua vida artística?
DF: Quando entrei para dentária pensei que não fosse possível continuar a desenhar e estudar decentemente ao mesmo tempo. Mas com o passar do tempo fui-me apercebendo que eu não ia simplesmente conseguir parar de desenhar! Cortei então nas telenovelas, nos filmes de sábado à tarde, e em grande parte dos jogos. Continuo a ter dificuldade em arranjar tempo para dormir perto das datas dos eventos, mas sinto-me bastante mais realizada agora que me vi livre de coisas supérfluas e tenho um melhor aproveitamento do tempo.
PA: Quais são as tuas ambições ao nível do desenho e o que pretendes fazer num futuro próximo?
DF: Tal como a maioria dos ilustradores que conheço, quero muito fazer um manga que já tenho na cabeça há anos, mas com a faculdade não será possível trabalhar a um ritmo bom o suficiente para já. Fora disso, estou a trabalhar em algumas doujins e visual novels yaoi e de terror. O meu objectivo a curto prazo seria entrar para artbooks e para o ranking do Pixiv.
PA: Qual a tua opinião em relação á indústria de desenho em Portugal?
DF: A industria de desenho manga em Portugal começa agora a dar os primeiros passos. Já temos alguns ilustradores bastante bons, mas as empresas tendem a não apresentar o devido respeito pelos artistas. Espero que isto comece a mudar brevemente, pois temos muito potencial desaproveitado por ignorância e outros tipos de motivos.
PA: Achas que há uma boa aceitação por parte do público português em relação aos seus artistas?
DF: Hoje em dia já começa a ser mais fácil ser artista em Portugal, mas ainda há pouco tempo atrás havia o mito de que a arte digital era “batota” e “anime era fácil de desenhar”, ignorando completamente os métodos complexos usados pelos artistas digitais e os anos de aprendizagem necessários. Ainda se vê muita gente a fazer chacota dos artistas, ou a justificar porque é que pessoa X ou Y desenha melhor que o resto, mas estamos todos a lutar bastante por sermos compreendidos e respeitados, educando o público em workshops e partilhando os nossos métodos de trabalho. Esperamos também estar a ajudar muitos futuros artistas a “desabrochar” com estas actividades!
PA: Trabalhas sempre sozinha ou em parceria? Como é que vocês desenhistas se conhecem e trocam ideias?
DF: A grande maioria dos artistas que conheço encontrei-os pelo deviantART ou em convenções. No meu caso em particular, acabei por me juntar a um grupo de artistas muito bons que utilizam o Skype para comunicar todos os dias, e a partilha de ideias tem sido, sem dúvida, um factor chave no meu desenvolvimento artístico! Existem também alguns grupos de Facebook para o fazer.
PA: Só pela Internet? É uma interacção saudável ou há muita rivalidade?
DF: Não só pela Internet! Vamos tendo alguns encontros com o pessoal mais próximo ao longo do ano e, sempre que possível, viajamos até onde for necessário para nos encontrarmos com quem vive mais longe. Sinto que a rivalidade também tem vindo a diminuir um pouco, à medida que nos vamos conhecendo melhor uns aos outros. Afinal, todos estamos a lutar por um objectivo comum e começamos a perceber que é mais fácil quando estamos unidos!
PA: Costumas ir a convenções de manga e anime como visitante ou como artista?
DF: Antes dos meus 20 anos, sempre fui a convenções como visitante, até porque o próprio conceito de “artista manga” em Portugal ainda estava longe de ter expressão no nosso país. Há um ano atrás participei pela primeira vez no Iberanime como artista, e desde aí fui ao de Lisboa e novamente ao do Porto nas mesmas condições. Também já cheguei a participar em outras convenções como júri de concursos de desenho.
PA: Finalmente, como é que podemos encontrar o teu trabalho?
DF: Pela minha conta deviantART, pelo Pixiv e também tenho uma conta no Youtube, onde posto vídeos dos meus desenhos a serem feitos e alguns tutoriais.
PA: Obrigada desde já pelo teu tempo e disponibilidade.
DF: De nada, obrigada eu.