Quase 40 horas depois, jogadas muito espaçadamente ao longo de dois meses, aqui estou para vos dar a conhecer um must-play e a minha experiência com ele.
Nota #1: Não joguei na altura de lançamento, portanto a opinião está livre dos potenciais “óculos de nostalgia”.
Nota #2: O jogo está disponível para o Game Boy Advance (versão que joguei) e na consola virtual da Wii U.
Ainda vale a pena Jogar Golden Sun? – Análise
Golden Sun foi desenvolvido pela Camelot Software Planning (que esteve envolvida nas franquias de Mario Tennis, Mario Golf e Shining Force, apenas para nomear algumas) em parceria com a Nintendo. Lançado em 2001, para o Game Boy Advance, marca o primeiro título numa série de jogos criados pela parceria, que nos permite aventurar pelo mundo de Weyard.
Um grupo organizado de “adepts”, pessoas com aptidão para manipulação de Psynergy (energia psíquica), tem o objectivo de libertar um destrutivo poder conhecido por Alquimia. Esta temida energia fora outrora o catalisador do desenvolvimento das civilizações e da formação do próprio mundo de Weyard. O uso descontrolado, porém, foi génese de conflitos entre nações, levando ao consenso de a selar. Para tal, foram criadas quatro chaves e guardadas em Mt. Aleph, local onde reside o grupo inicial de protagonistas: Isaac, Garet, Jenna e Kraden.
Na tentativa de defenderem as chaves, Jenna e Kraden são raptados, Isaac e Garet são completamente derrotados e os antagonistas atingem o pretendido: a recuperação das chaves e a libertação inicial da Alquimia. Apesar de novos, e com pouco treino, Isaac e Garet partem numa jornada pelo mundo desconhecido, com objectivo de impedir que a Alquimia regresse por completo e para resgatar os amigos das forças do mal.
História – Faltou-lhe qualquer coisa
Golden Sun apresenta-nos uma longa introdução narrativa, aproximadamente uma horita de literatura no melhor dos sentidos. Explica-nos todos os conceitos de energia, de magia, de toda a mecânica que a suporta, dos inimigos e motivações, dos anciões de cada aldeia e os segredos que guardam, etc. Este investimento no setup narrativo, do qual gostei muito, levou-me a acreditar que estaria perante um épico envolvimento com tudo o que nos foi mostrado.
E até certo ponto acontece. A história incide nas consequências provocadas pela libertação da Alquimia. No arc da floresta, por exemplo, estamos perante um ecossistema que entrou em colapso, e que está a afectar fauna, flora e a humanidade em seu redor. É o melhor exemplar do bom desenvolvimento que devia estar presente em todas as vilas.
Senti que o sofrimento da floresta era uma consequência real e que estava a fazer algo para reverter os efeitos nefastos dos eventos que os protagonistas foram incapazes de impedir no passado. Este arc prova que a escrita podia ter sido melhor, com menos “filler” e mais tempo passado na linha principal da história.
É certo que os objetivos permanecem: temos de reverter os efeitos da Alquimia manifestados em cada vila, temos de encontrar os vilões, recuperar as chaves e resgatar os nossos amigos. Mas ora não acontecem na maior parte do tempo, ora acontecem de modo tão superficial que não me senti verdadeiramente envolvido na maior parte dos arcs. Andamos de vila em vila à procura de pistas e raramente temos um contacto interessante com tudo o que nos é mostrado. Quando chegamos a uma vila, dizem o que já nos foi dito na anterior “Épa!… quase que os apanhavam, acabaram mesmo agora de passar por aqui“. É possível que a expectativa que me criaram no início do jogo, que foi sendo defraudada de vila em vila, não me permita ver a qualidade narrativa tal como ela é.
Fiquei a sentir que estive 75% do jogo a fazer sidequests. Posso estar muito enganado, mas havia muito suminho e potencial narrativo que foi deixado por explorar.
Ou seja, e para arrumar este segmento, apesar do desenvolvimento frágil, a história é boa. Deixa a desejar devido ao imenso potencial, mas a partir de certo ponto já não conseguia parar e deixar aquelas personagens a meio do caminho. O que por si só demonstra que, apesar de não me ter envolvido como gostaria com a narrativa, as personagens, os seus objectivos, e os pontuais bons arcs, foram aspectos suficientes para me manter ancorado ao mundo e à aventura.
Jogabilidade – O Ouro de Golden Sun!
Nas primeiras horas de jogo estava longe de imaginar que iria escrever isto: o gameplay é delicioso!
Este foi o meu primeiro contacto com um sistema de combate, num RPG por turnos, em que as HP (Health Bars) dos inimigos não estão visíveis. No início isto fez-me imensa confusão. Para quem passou parte da vida a jogar Pokémon ou Final Fantasy, a visibilidade destas barras são um pilar da estratégia de combate. Chegou a irritar-me, confesso. A memória muscular estava treinada para criar estratégias com base na vida do inimigo, não o poder fazer foi como se estivesse a lutar vendado.
Em Pokémon, por exemplo, muitas vezes adaptei a minha estratégia por saber que o inimigo estava nas últimas. Bastava usar um ataque fraquinho, poupando assim os restantes que poderia necessitar mais à frente. Não havendo barra, esta abordagem deixa de ser possível. Temos que nos gerir de forma completamente diferente.
Ao longo do jogo acabei por apreciar e me apaixonar seriamente por esta mecânica, ao ponto de que fico com vontade de ter a opção de a desligar em alguns jogos. É muito desafiante e torna tudo mais real.
Outro elemento pelo qual ganhei grande estima foram os Djinns, que são pequenos bichinhos com imensa psynergy e afinidade a um elemento natural. Dois aspectos muito vantajosos quando coordenados com determinados personagens. Existem 28 Djinns espalhados pelo mundo e, se os descobrirem (só consegui 12), podem adicioná-los à equipa e invocá-los em combate.
Durante muito tempo não percebi como funcionavam, nem como os podia integrar na estratégia. O jogo também não faz questão de explicar e deixa essa tarefa com o jogador. No boss final, imaginem, ainda estava a descobrir mecânicas dos Djinn. Que me valeram a vitória, caso contrário esta análise estaria longe de ver a luz do dia.
O facto de termos que recorrer ao sistema de magia, fora de combates, de modo a progredir no jogo, é outro grande ponto a favor. Muito semelhante ao uso dos HM em Pokémon, com muito melhor proveito, pelo menos até onde joguei (terceira geração).
Gosto, também, de como o jogo nos coloca no papel do protagonista. Somos novatos em tudo, não percebemos de combate, de psynergy, de djinns, de nada. Somos empurrados para o mundo e não existem tutoriais. Aparece eventualmente um par de personagens que tem o papel de nos ensinar umas coisinhas, mas é muito leve. E ainda bem. Vamos aprendendo com a aventura. O último combate sabe mesmo a um teste final, se não usarmos tudo o que devíamos ter aprendido, seremos severamente penalizados.
Em penúltimo, dois apontamentos que não me agradaram no gameplay, mais especificamente na estrutura do jogo:
- Os puzzles – com estes tenho uma relação de amor-ódio. Há de tudo. Existem puzzles bons que são raros, puzzles fáceis que são os mais frequentes e puzzles que servem apenas para gastar tempo e que existem mais vezes que o desejável;
- Acessos – existem portas e caminhos escondidos que não lembram a ninguém. Há locais que só são descobertos por mero acaso, ou tentativa erro. Claro que existem muitos que temos de pensar e outros que temos de estar muito atentos a todos os pormenores. Mas existem uns mesmo irritantes que é puro acaso.
Por último, duas observações neutras:
- As lutas contra os Boss, no caso de morrerem, são bastante penalizadoras. Não porque existem graves consequências se perdermos. Quando acontece simplesmente somos recambiados para a última vila e temos que pagar uns trocos ao healer residente para que nos ressuscite a equipa. Mas sim porque existe uma cascata de diálogo que precede a luta, às vezes de 5 a 10 minutos, ou até mais. Por outras palavras, tenham gravado previamente, tenham voltado lá depois de morrerem, terão de levar sempre com os diálogos. Por isso, pensem muito bem antes se a equipa está pronta para defrontar o Boss;
- A progressão do jogo depende imenso da vossa atenção aos pormenores presentes em todo o lado. Têm de dialogar com toda a gente nas vilas e arredores, sendo que algumas vezes a progressão do jogo está presente num inesperado NPC. Além disso, se não o fizerem, vão perder items e Djinns que são cruciais nas batalhas mais difíceis.
Juízo Final – Ainda vale a pena Jogar Golden Sun?
A idade e sobretudo a experiência, têm-me entregue a uma condição chata: sobrevalorização narrativa. Quando uma série, anime, filme ou jogo não contam uma boa história, por muita qualidade que exista em tudo que a rodeia, interfere mais do que gostaria no meu entretenimento e imersão. Isto aconteceu-me levemente em Golden Sun. No entanto, e felizmente, não com gravidade suficiente para desistir dele. Afinal se investi 40h…
Continuo fascinado com uma boa parte da banda sonora, com toda a estética e técnicas visuais, com a quantidade de conteúdo e com o absurdo nível de detalhe gráfico que foram capazes de inserir num cartucho tão pequeno, numa época em que as memórias eram extremamente limitadas. Que optimização de código e sprites incrível.
Para transportar isto para o contexto actual, o que The Last of Us foi para a PlayStation 3, sinto que Golden Sun foi para o GameBoy Advance. Ambos puxaram as respectivas consolas ao limite e ultrapassaram as expectativas do que se considerava possível. Tenho pena que este jogo não tenha feito parte da minha vida na altura do seu lançamento.
Olhem para todas estas animações, efeitos e mudanças de ângulos. Parece um jogo da geração seguinte.
Existe uma certa infâmia a penumbrar os videojogos de consolas portáteis, principalmente das mais antigas. Aproveito esta retrospectiva para te aconselhar a deixar de lado esse preconceito e aproveitar o que de melhor cada consola tem para oferecer. Este jogo é um must-play para os fãs de RPG, tem aqui muita coisa que presta homenagem e inova os títulos que o antecederam e outra tanta que certamente foi pescada pelos jogos do género que o sucederam.
Não tencionava jogar tão cedo a sequela. Mas… raios que esta gente sabe fazer um epílogo. Fiquei com muita vontade de soprar no cartucho de Golden Sun: The Lost Age e começar a jogar o resto da aventura.
Análises
Ainda vale a pena Jogar Golden Sun?
Golden Sun está no limiar do vigésimo aniversário e em momento algum me fez sentir a idade. A aventura pelo mundo de Weyard permanece uma experiência deliciosa, com um sistema de combate inovador e muito desafiante. Recomendação máxima para os fãs de RPG, tanto para iniciantes como para experientes no género.
Os Pros
- Sistema de Combate desafiante
- Integração da Magia fora dos Combates
- Produção visual (ambiente, animações, efeitos, design) muito à frente do seu tempo
Os Contras
- Puzzles fáceis ou aborrecidos
- Falta de desenvolvimento narrativo