Não deverá ser surpresa para ninguém que os hábitos e costumes no Japão são extremamente diferentes dos ocidentais, nomeadamente dos latinos. Também é sabido que a sociedade japonesa é cheia de formalidades e regras de etiqueta muito próprias.
Para vos ajudar um pouco nisto, enumeramos agora alguns aspetos que deverão ter em atenção na ida para o Japão e na interacção com os seus habitantes nativos. Não que seja preciso fazer uma cábula para terem sempre convosco quando viajarem, mas ter algumas destas ideias em conta pode ajudar-vos durante a vossa estadia, especialmente se esta for de longa duração!
Manter uma distância socialmente aceitável
Está bastante presente a ideia (algo errada, pela minha experiência) de que os japoneses são frios. Isto pode dever-se ao facto de que, ao contrário do que acontece pelas nossas bandas, o espaço físico das pessoas é extremamente respeitado. As pessoas cumprimentam-se, como já devem calcular, com acenos ou vénias (dependendo do grau de familiaridade com a pessoa). Mesmo entre amigos próximos, não se vêem abraços nem manifestações físicas de afeto, e é mesmo raro ver casais de mão dada.
Assim sendo, existem algumas posturas que podemos adotar para passar um pouco mais despercebidos ou não causar incómodos. Por exemplo, evitar olhar fixamente nos olhos das pessoas, especialmente se forem mais velhas, pois pode ser considerado desrespeitoso. Evitar expressões faciais e corporais exageradas também se aconselha (por exemplo, gesticular, tão comum entre os portugueses e sul-europeus, é visto com bastante estranheza). À partida pode parecer que só podemos estar quietos e mudos, mas em muitas situações o que basta é um aceno de cabeça e um pequeno sorriso, e sobretudo respeitar o espaço pessoal das pessoas com quem interagimos. O que nos leva ao tópico seguinte…
Vénias
Algo aparentemente simples, mas na verdade existem muitas variações e subtilezas que, como é típico do Japão, dependem da situação em que devem ser feitas. Fazem-se vénias não apenas quando se cumprimenta e se despede de alguém, mas também como forma de agradecer ou pedir desculpa, apenas para mencionar as situações mais corriqueiras.
O site Tofugu fez um artigo bastante detalhado sobre este tema que inclui explicações, desenhos e vídeos ilustrativos dos diversos tipos de vénias que são usados no Japão. Desde simples acenos de cabeça até vénias sentadas, ângulos e posição das mãos, este artigo explica muito bem que vénia é usada em determinada situação e como a fazer corretamente. Embora não seja esperado que um estrangeiro saiba todos os pormenores, fazer a vénia apropriada ao contexto é algo que surpreende positivamente os japoneses.
Usar pauzinhos corretamente
Como se comer com pauzinhos (em japonês hashi, ou ohashi) não fosse um desafio suficiente para muitos ocidentais, existem ainda uma série de regras de boas maneiras para quando os usamos! Alguns “crimes” mais cometidos pelos estrangeiros são:
- Esfregar os pauzinhos depois de os partir. Nunca, nunca façam isto! Na sociedade japonesa, os hashi são um instrumento diário que merece respeito, e esfregá-los pode dar a ideia de que os consideram coisas baratas e sem valor.
- Comer directamente do prato comum. Em muitos restaurantes (como os Izakaya), a comida é servida em pratos de grupo (excepto, por exemplo, o arroz e a sopa miso), dos quais cada pessoa retira o que quiser comer para o seu prato individual. Também andar com os pauzinhos no ar por cima de cada prato enquanto se escolhe o que se quer tirar é considerado um sinal de gula.
- Colocar os hashi na comida. Quando não estamos a utilizar os hashi, estes devem ser colocados no seu suporte (se não houver nenhum, podem fazer um suporte “desenrasca” usando o papel em que vêm os pauzinhos). Os hashi nunca devem ser espetados no arroz, pois isso só é feito em rituais fúnebres. Ter os pauzinhos cruzados também é algo só feito nestas instâncias, pelo que eles devem estar sempre colocados no suporte, encostados um ao outro.
- Passar comida de pauzinhos em pauzinhos. Para servir comida para outra pessoa, esta coloca-se diretamente no prato da pessoa servida. Quando não houver um par de hashi extra na mesa para este efeito, podemos usar o nosso próprio, desde que os viremos ao contrário (ou seja, pegar na comida que estamos a dar com a extremidade que não esteve na nossa boca). Uma vez mais, nos rituais fúnebres japoneses, depois da cremação, os ossos da pessoa falecida são passados entre os familiares, usando pauzinhos específicos, para serem colocados numa urna. Fazer tal coisa com a comida é um grande tabu no Japão.
Sorver noodles
No Japão, não há qualquer problema em sorver noodles de forma bem audível! Um restaurante de ramen não o é verdadeiramente se os clientes não estiverem a saborear a sua comida ruidosamente. Sorver noodles é sinal de satisfação e de que se está a apreciar a comida. Diz-se também que entrar ar na nossa boca enquanto comemos noodles potencia o seu sabor, ao mesmo tempo que os arrefece.
Mas claro, como em tudo na vida, e especialmente no Japão, há uma maneira correta de fazer as coisas! Comer a fazer barulho só porque sim não vale: o barulho surge naturalmente ao comer o ramen (ou outro tipo de noodle) do modo como ele é suposto ser apreciado. No vídeo abaixo podem ver alguns conselhos de um profissional da área:
https://www.youtube.com/watch?v=Z9MiW4m7Hog&ab_channel=ZAGAT
“Gaijin card” – o que é?
Qualquer estrangeiro que tenha vivido, por muito ou pouco tempo, no Japão sabe o que é o chamado gaijin card e até já o pode ter usado, muitas vezes inconscientemente. Não se trata do cartão já mencionado cartão de residente, mas sim de usarmos o nosso estatuto de “estrangeiro” para nos safarmos de inconveniências ou manipularmos situações para proveito próprio.
Muitas vezes isto é completamente inofensivo, como sermos “desculpados” por não fazermos a vénia correta para determinada situação, usarmos uma palavra ou estrutura gramatical menos apropriada (a língua japonesa tem diversos níveis de formalidade, consoante a pessoa com quem se fala), ou então fazer uma reserva num Izakaya com um nome estrangeiro e não japonês, pois assim é quase garantido de que nos será dada uma sala privada no estabelecimento. Contudo, outras vezes pode passar por exigir que se seja atendido de modo especial nos Correios, por exemplo. Pode aplicar-se ainda em alturas em que se deixa outra pessoa fazer todo o trabalho por nós com a desculpa de que não falamos bem japonês.
Confesso que em certas situações, quando fui alvo de alguma discriminação (felizmente muitíssimo poucas), a minha vontade era, à boa maneira de uma “tuga” da Margem Sul com veia nortenha num acesso de frustração, armar um escândalo até que a situação se resolvesse. No entanto, o que fiz foi respirar fundo, dormir no assunto e voltar a tentar noutra altura. Resultou 100% das vezes.
Claro está que o gaijin card pode ser aplicado a qualquer estrangeiro em qualquer país. Mas no caso do Japão em particular, onde as pessoas têm o receio de “perder a face”, ou seja, de dizer ou fazer algo que possa ser considerado errado e causar dissabores a outras pessoas, é bastante fácil tirar proveito do estatuto de estrangeiro. Resumindo, há certas alturas em que sermos estrangeiros nos torna a vida facilitada, mas se usarmos sempre essa desculpa para que tudo nos corra bem, especialmente se estivermos no Japão por um período longo, essa atitude fará com que nunca nos adaptemos. Além de que, se estivermos sempre à espera que façam tudo por nós, não há maneira de crescermos.
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