Com o kpop a ficar cada vez mais conhecido a nível mundial, estão a surgir grupos mais diversificados na indústria musical Coreana. Um exemplo são as “crianças idols”, um termo que se refere a jovens cantores com idades compreendidas entre os 9 e os 14 anos. Tal como os grupos mais velhos, crianças ídolo como “Little Cheer Girl” e “Vitamin” vestem-se a rigor, colocam maquilhagem e dançam de uma forma não tão poderosa, mas igualmente elegante. Os temas das suas canções são aparentemente a única diferença – estas jovens estrelas cantam acerca do seu primeiro amor ou do stress em estudar e cativar seguidores da mesma idade.
“Eu consigo identificar-me com as suas letras porque partilhamos as mesmas preocupações, como ficar stressado com a escola”, conta a Ha Yae-rin, de 12 anos, ao The Korea Times. “Os cantores são da minha idade, por isso sinto-me mais próxima deles e gostaria de poder ser um membro (do grupo).”
Cerca de 300 a 500 crianças na Coreia inscreveram-se numa audição para se tornarem membros das “Little Cheer Girl”, de acordo com Kim Tai-bum, CEO da Rainbow Company, representante do grupo.
Objetificação e comercialização de crianças?
Mas nem toda a gente gosta desta ascensão das crianças ídolo. Ao contrário dos atores infantis, estes jovens cantores provocaram debate desde o começo por serem “demasiado parecidos” com as estrelas mais velhas e muitos afirmam que as suas atividades musicais comercializam a imagem e promovem a objetificação das crianças. Embora os criadores destes pequenos artistas, como Kim, insistam que o objetivo ao lançar estes grupos seria ensinar os mais novos a enfrentar desafios e a seguir os seus sonhos, as preocupações continuam a crescer.
“É bastante perturbador ver esta objetificação de pequenos rapazes e raparigas”, afirma Lee Hyo-in, uma professora do ensino básico na casa dos 20 anos. “Preocupa-me que crianças que tenham acesso a este tipo de conteúdo com crianças idols, subconscientemente comecem a acreditar que a pedofilia não é algo problemático.”
O crítico de cultura pop Kim Hern-sik também apontou que os jovens ídolos podem vir a ser vítimas de crimes sexuais. “Comparando com outros países, a Coreia tem tendência a dar menos importância aos assuntos associados com comercialização e objetificação de crianças”, contou Kim ao The Korea Times. “Algumas pessoas aproveitam-se disso para racionalizar o seu comportamento sexual impróprio em relação a crianças.”
Acrescentou ainda: “O país precisa de regulamentações adequadas para proteger este talento mais jovem. Neste momento, deveriam focar-se apenas na presença em redes sociais, em vez de procurarem aparecer no pequeno ecrã.”
Lookism1?
Kwak Keum-joo, professora de Psicologia da Universidade Nacional de Seoul, tocou no assunto do “lookism”.
“As crianças idol promovem o “lookism” especialmente junto dos fãs mais jovens”, disse. “Pessoas – especialmente adultos – sentem-se desconfortáveis ao ver crianças a usar maquilhagem, porque perdem a sua aparência infantil.”
O crítico Kim elaborou neste ponto ao dizer: “Os pais estão particularmente ansiosos porque sabem como os ídolos são influentes para os seus filhos. Embora existam valores mais cruciais na vida, o “lookism” pode levar a que as crianças pensem que a aparência física é de primordial importância.”
Kim Tai-bum disse que não pode negar que o “lookism” é inerente aos jovens ídolos, mas acrescentou que a empresa se tem esforçado para os conduzir na direção certa, incutindo valores apropriados nas crianças.
Falta de educação apropriada?
As necessidades psicológicas e educativas das jovens estrelas são outro ponto importante.
A Rainbow Company organiza sessões regulares de aconselhamento com os membros do grupo e os seus pais, “para manter o equilíbrio entre escola, família e a vida de idol das crianças.” Estas sessões centram-se na sua saúde mental e futura carreira profissional, entre outros assuntos.”
O CEO afirmou ainda que a empresa agenda aulas de dança e canto apenas duas vezes por semana e programa maiores eventos principalmente aos fins-de-semana, de forma a não perturbar a vida escolar dos membros.
Mas estas afirmações foram pouco para aliviar todas as preocupações.
Kwon Mi-yeon, uma mulher na casa dos 20 anos que trabalha numa empresa de marketing, disse: “As crianças idol estão a treinar e a atuar numa altura em que é importante desenvolver as suas habilidades sociais e identidade própria. Sofrendo com uma agenda comparativamente agitada e comentários online maliciosos, sentirão facilmente stress numa idade tão jovem.”
Kwak disse: “Já os ídolos kpop mais velhos se vêem frequentemente sob sofrimento psicológico. Não tiveram tempo nem oportunidade de receber educação adequada ao crescimento, já que geralmente se tornam trainees bastante cedo.”
No entanto, como a procura por crianças ídolo tem tendência a crescer – o número de pessoas a desejar tornar-se uma estrela desde tenra idade tem aumentado após uma onda de celebridades coreanas terem alcançado o estrelato internacional – Kwak ofereceu o seguinte conselho: “Vai ser certamente mais stressante para as crianças superarem adversidades quando o seu auge acabar num futuro próximo. Portanto, necessitam de ajuda psicológica adequada por adultos desde o início.”
O crítico Kim alertou que as crianças idol podem perder a sua identidade e independência porque precisam de seguir as orientações da sua agência. Acrescentou ainda: “Os adolescentes devem ter tempo suficiente para a auto-introspeção, mas se começarem uma carreira prematuramente, podem ser facilmente explorados por adultos que dão prioridade ao lucro em detrimento do bem-estar das crianças. Portanto, não acho que os jovens devam pôr de lado os estudos e possíveis carreiras profissionais enquanto trabalham (nesta indústria).”
Estes grupos têm tendência a durar?
São já vários os grupos formados por jovens cantores, oriundos tanto de pequenas como grandes agências. Um dos exemplos são os BOY-STORY, grupo c-pop, formado pela Tencent Music Entertainment e pela JYPE China, subsidiária da agência JYP Entertainment. Este grupo é formado por seis membros: Hanyu, Zihao, Xin Long, Zeyu, Ming Rui e Shuyang, sendo o mais velho nascido em 2004 e o mais novo em 2007.
O grupo formou-se a partir do projecto Real!Project, em 2017, e as promoções começaram de forma oficial no dia 21 de Setembro de 2018. Lançaram entretanto dois álbuns, “Enough”, em 2018, e “I=U=WE : Xu” este ano. Um dos seus singles mais famosos é Too Busy, onde contaram com a participação de Jackson Wang, do grupo kpop GOT7.
Os BOY-STORY têm dado pequenos grandes passos na indústria, estando em destaque a sua performance na Kcon Thailand em 2019, cantando duas músicas originais (Too Busy e Enough) e tendo um special stage (cover da Hard Carry dos GOT7) no palco principal, fazendo ainda uma cover da District 9 dos Stray Kids no segmento Digital Studio da M2. Fora das suas promoções oficiais, os rapazes focam-se em covers e buskings e gravam vários conteúdos para os seus fãs.
No entanto, nem todas as crianças idols tiveram a mesma sorte. Vários outros grupos, incluindo as Little Cheer Girl retratadas neste artigo, sofrem com falta de promoções e até mesmo com várias desistências ao longo do tempo, especialmente em grupos femininos, tendo alguns até dado disband.
O grupo PRITTI, por exemplo, formado em 2015 pela agência IN Entertainment com o single “Kids Revolution”, perdeu quatro membros ao longo dos anos, sendo agora constituído por três membros do lineup original (Sojung, Sarang e Yoonji) e quatro novas adições, uma delas em 2017 (Jinseul) e as restantes três já em julho deste ano (Yeryang, Chaeryun e Jiyoung). Embora continuem ativas, lançando frequentemente dance covers e tutoriais, o seu último comeback oficial, “Like a Star”, remonta a 2017. O vídeo mais recente é a dance cover das GFriend, Mago, e as meninas são bastante elogiadas pelas suas skills de dança.
https://www.youtube.com/watch?v=L1D-4nywmTw
É também bastante comum que membros dos kid groups sejam ativos como atores ou modelos, e que sejam de outras nacionalidades, incluindo japonesa e chinesa (China e Taiwan). Mas qualquer que seja a sua origem ou idade, não podemos negar o talento destes pequenos artistas e a sua vontade de crescer, aprender e quem sabe vir a trabalhar de forma mais ativa nesta indústria tão competitiva.
1 Lookism: podendo ser traduzido como visualismo, é potencialmente uma nova forma de racismo do século XXI, uma atitude de repulsa face a pessoas tidas como pouco atraentes fisicamente.
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Fonte: The Korea Times, Kpop Profiles #1/ #2 / #3