Preâmbulo:
É absurdo pensar que já passou um ano desde a horrível tragédia que se abateu sobre a Kyoto Animation. Naturalmente, é impossível de esquecer aquele incêndio letal, num sitio de criação “tão puro” quanto os estúdios da KyoAni.
Vários artigos sariam ontem (18 de julho) pela Internet relembrando o que aconteceu, mas queria muito partilhar este.
O artigo que se segue é o relatório por parte de Daryl Harding do lindo e emocional Kyoto Animation Memorial que tomou lugar em novembro do ano passado. Vou tentar a tradução mais fiel daquilo que ele escreveu, sobretudo porque o Daryl esteve presente no memorial e quero que as suas palavras cheguem até todos vós.
Obrigado KyoAni.
E obrigado ao Daryl Harding pelo seu artigo!
Kyoto Animation – “Revisita” o Memorial 1 Ano após a Tragédia
The Love That Binds Us: A Report from the Kyoto Animation Memorial Service
A 18 de julho de 2019, o adorado estúdio de animação Kyoto Animation foi atacado por um incendiário. O ataque levou à maior perda de vidas humanas desde a Segunda Guerra Mundial, com 36 membros do staff da Kyoto Animation a perecerem nos dias e meses que sucederam o acidente. Entre as causalidades encontram-se o realizador Yasuhiro Takemoto, o lendário animador Yoshiji Kigami e o designer de personagens Shouko Ikeda. Estas pessoas – assim como todos na KyoAni – fizeram da Terra um lugar melhor ao criarem tais anime como The Melancholy of Haruhi Suzumiya, Hibike! Euphonium, Munto, Free! e, o meu favorito pessoal, K-ON!. Estes, assim como o seu catálogo completo de incríveis obras, tocaram os corações de muitos.
Incêndio na Kyoto Animation! [Atualizado – 27/07/2019]
Incêncio Kyoto Animation – Número de Vítimas sobe para 36
Assisto a séries produzidas pela Kyoto Animation desde que comecei a ser um fã de anime. O meu primeiro anime semanal foi a complexa/confusa segunda temporada de Haruhi Suzumiya, da qual eu ainda acredito que o arc Endless Eight foi um golpe de génio. Indirectamente, a Kyoto Animation ajudou-me a aprender quem eu era e ajudou-me a chegar onde estou hoje. A minha paixão e respeito pelo estúdio e pelas pessoas que lá trabalham é imenso.
Morando em Tokyo, foi difícil para mim deslocar-me a Kyoto para apresentar o meu respeito àqueles que eu admirei e, até agora [novembro 2019] não tinha tido a oportunidade. Foi saltei sobre esta chance e viajar para oeste e ir à The ceremony of Farewell and Taking over the Will (the Kyoto Animation Memorial), na Miyako Messe em Kyoto, a 3 e 4 de novembro. Não apenas para cobrir o evento, mas também para dar os meus sentimentos, ter closure (desfecho) e contar a minha história.
Depois de sair do Shinkansen na Estação de Kyoto, senti-me como se o meu corpo estivesse a fazer de tudo para não me dirigir à Miyako Messe. Primeiro, necessitava de comida, usar a casa de banho, tomar um café, talvez sentar-me por 5 minutos – apesar de ter estado sentado durante 2 horas no comboio. Parecia que uma barreira estava à minha frente e que eu precisava de a atravessar. Forcei e dirigi-me à Estação de Higashiyama.
Apesar de tecnicamente “fora” na Estação de Kyoto, ainda dava a sensação de ser uma extensão de Tokyo. É um edifício de aspecto moderno, mas com um logótipo da JR de cor diferente. Mas, após abandonar a Estação de Higashiyama, foi transportado para o Kyoto que se vê no Instagram: casa Machiya alinhadas nas ruas, pessoas em kimono e, graças ao outono, as folhas vermelhas das árvores. Kyoto é como um mundo diferente fora da zona de central de negócios.
Eu não estou tão familiarizado com o layout da área de Higashiyama como estou com Gion ou Uji. Como nunca antes havia ido à Miyako Mess, estava preocupado sobre como me orientar. Contudo, a cidade estava preparada para alguém na minha posição: havia um discreto sinal a mostrar para onde me dirigir para o memorial assim que passei os portões da estação.
Segui o trilho de sinais em direcção à Miyako Messe, mas de casa vez que passava por um, não conseguia deixar de sentir o meu coração a afundar-se cada vez mais no meu peito. O meu corpo queria novamente fugir. A minha mente sabia o que vinha a seguir, a avassaladora emoção que iria sentir – a mesma que senti ao ter que escrever outro artigo de notícias sobre o ataque. Mas, prossegui, em parte graças a ter conhecido um adorável casal inglês que também estava a caminho da Miyako Messe, e em parte devido à bela paisagem, a qual estava de cores mudas devido ao tempo – certamente a reflectir o estado de espírito de Kyoto naquele dia.
Não dava para falhar onde o memorial estava a ser realizado. Estavam lá tantos polícias, guarda-costas e ajudantes, que faziam parecer como que a Comiket tivesse falta de pessoal. Completamente compreensível, dado o iminente receio de uma cópia do ataque. Assim que entrei, fui dirigido a uma pequena área onde a minha mochila foi pormenorizadamente verificada. Apesar de ter ouvido que de manhã haveria muito movimento, havia apenas um pequeno mas estável fluxo de pessoas a entrar quando lá estava, o que fez com que entrasse rapidamente.
No interior da Miyako Messe não eram permitidas fotos, com a Kyoto Animation a afirmar explicitamente no site do memorial, e sinais dentro do centro, que as autoridades tirariam as câmaras e apagariam as fotos. Geralmente, existe um ar de boa educação com regras assim no Japão, mas a Kyoto Animation foi bastante directa neste assunto. Ainda assim, o estúdio providenciou fotos de dentro do salão no seu website, as quais serão usadas para referência neste relatório.
O salão principal – o qual no passado foi o local de muitos eventos KyoAni e Do Fan Days, e supostamente também o seria este ano antes do ataque – era tão grande, que em boa verdade intimidava. De um lado, à medida que se entrava, viam-se tributos à Kyoto Animation de fãs por todo o mundo. Se mandaram alguma coisa para o estúdio via um canal oficial, ou para o estúdio directamente, existe a séria possibilidade de estar ali. Foi assoberbante ver o que parecia ser um interminável mar de tributos. Tristemente, não conseguir chegar perto o suficiente, já que todo o roteiro era muito coordenado. Posso imaginar que os tributos doados sejam colocados nalguma espécie de museu ou memorial no futuro.
Via site do memorial da Kyoto Animation
De colunas de som ouviam-se, baixinho, instrumentais de canções do passado da Kyoto Animation, baixo o suficiente ao ponto de não me distraírem dos meus pensamentos e emoções, mas alto o suficiente para serem ouvidos. Enquanto lá estava ouvi música de Clannad e Liz and the Blue Bird. Outros com quem falei ouviram de Koe no Katachi e Hibike! Euphonium. Dava a sensação de que a música foi cuidadosamente escolhida de forma a não dominar o ambiente, mas para ser usada enquanto um tributo àqueles que partiram e ao seu papel em dar forma àquelas séries.
Nesta altura, eu estava a soluçar. Não consegui evitar. Desde os tributos, à musica, à vénia de cada ajudante à medida que se circulava pelos salões. Era tudo muito surreal.
Via site do memorial da Kyoto Animation
No lado oposto aos tributos, na outra ponta do salão estava o altar. Rodeando o brilhante sinal branco, estava uma floresta de flores. Tinha 30 metros de largura e estava coberto de lírios, cosmos e crisântemos. Em frente o altar, alinhavam grupos de dês para rezar por aqueles que partiram. Para mim, no entanto, foi tipo uma névoa. Tudo o que tinha a passar-me pela cabeça eram cenas de obras que amava, especialmente, e por alguma razão, do episódio 13 de Kobayashi’s Dragon Maid e de The Disappearance of Haruhi Suzumiya, ambos com realização e storyboards pelo falecido Yasuhiro Takemoto.
Após o que pareceu uma eternidade, foi orientado para fora do salão e para um vestíbulo. Com pessoas simplesmente sentadas, a chorar e a reunir os seus pensamentos, dava mesmo a sensação de um local comunal de luto. Enquanto estrangeiro, com os meus olhos inchados e bochechas vermelhas, dava nas vistas e atraí a atenção de algumas pessoas que também precisavam de sanar.
Conversei com alguém que viajou de Niigata para o memorial. Ele era um fã da Kyoto Animation desde Full Metal Panic! Fumoffu e hava visto todas as séries alguma vez produzidas pelo estúdio, sendo a sua favorita Hibike! Euphonium. Para ele, a Kyoto Animation representava o coração da indústria da animação e criou a melhor arte que o Japão tem para oferecer. Ambos concordámos que os nossos corações doíam por estarmos ali, com uma dor que não ia embora. O membro do staff que ele mais admirava era o falecido Shouko Ikeda.
Ao falar com outros, o consenso geral era que ninguém conseguia entender como uma tragédia assim poderia ter acontecido. Uma pessoas comentou que era “impensável”. Lemos o postal e mensagens do presidente da Kyoto Animation, Hideaki Hatta, e do estúdio e que foram dadas às pessoas que marcaram presença no serviço.
Postal dado no memorial da Kyoto Animation.
No postal pode ler-se:
A gentis mensagens e apoio vindas de todo o mundo chegaram a todo o nosso staff, e têm sido uma grande ajuda para que nós possamos seguir novamente em frente.
Perdemos muitos dos nossos amigos e colegas com futuros brilhantes e ficámos com muitos profundamente feridos. A nossa dor não vai embora, mas o amor e paixão pelas nossas obras e o respirar de certeza que existia aqui, estão firmemente gravados em nós e continuarão a viver.
Os sentimentos de todos vós, os sentimentos confiados pelos nossos amigos e colegas, os sentimentos para o nosso futuro
– Iremos conectar esses sentimentos e combinar estas emoções e vamos seguir em frente.
Continuaremos a criar animações para todo o mundo, que ajudem as pessoas a ter sonhos, esperanças e impressioná-las.
Por favor olhem por nós enquanto fazemos os nossos avanços.
– Kyoto Animation Co., Ltd.
Conversar com outros e partilhar o nosso amor pela Kyoto Animation e as memórias do que cada série significou para nós, ajudou verdadeiramente no processo de cura. O memorial foi uma forma de toda a gente seguir em frente após a tragédia. Ser capaz de dizer adeus, especialmente desta forma, ajudou-me realmente a aceitar as minhas emoções. O serviço memorial quebrou-me e aquelas pessoas no vestíbulo ajudaram-me a recuperar, tal como a Kyoto Animation me ajudou ao longo dos anos quando estava a passar por um período complicado. Uma das minhas melhores memórias foi fazer maratona de Clannad e Clannad After Story enquanto estava a recuperar de uma gripe nos tempos de liceu. Embora saiba que a medicação ajudou, a jornada emocional da história quebrou-me e voltou a montar-me para ser uma pessoa melhor.
No dia seguinte tentei ir ao Estúdio 1. Havia ido ao edifício em março, então tinha a sensação de que precisava de o ver para ajudar na recuperação. Após cobrir a história durante os últimos meses, para aceitar a situação, senti que precisava de ver o edifício com os meus próprios olhos.
A estação de Rokujizo, a mais próxima do estúdio, ainda tinha anúncios para o KyoAni e Do Shop perto do Kohata Studio com uma imagem de Natsuki Nakagawa e Yuuko Yoshikawa de Hibike! Euphonium. Outros recortes de Natsuki e Yuuko, usados para uma colaboração da Keihan Railway com Hibike! Euphonium, estavam erguidos mesmo antes dos portões da estação. Mas, a acompanhar os recortes estava uma nota da Kyoto Animation, em japonês e inglês, que dizia para as pessoas serem o mais respeitadoras possível na vizinhança que rodeia o estúdio.
Não dá para chegar perto do estúdio mesmo que se quisesse tentar. Tal como no memorial no dia anterior, guarda-costas encontravam-se em cada esquina até ao Estúdio 1. Assim que passei o Cafe Lapin, um pequeno e doce café baseado em Alice no País das Maravilhas frequentado pelo staff da Kyoto Animation, o guarda-costas na rua ficou atento e observou-me. Não consigo imaginar pelo que a vizinhança havia passado durante os últimos três meses, para ter que viver assim. Eles devem estar mesmo cansados de tudo isto. Não consigo não ficar triste por um bairro que me recebeu há apenas alguns meses atrás. Decidi não prosseguir.
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Mas consegui ver o estúdio a partir de um parque de estacionamento vazio nas redondezas. Após haver sido “reerguido” no dia prévio, ver os restos carbonizados do estúdio onde tantas obras maravilhosas foram criadas, não invocou uma emoção tão grande quanto a que eu esperava. Depois do memorial, o peso da tristeza que sentia quando pensava na Kyoto Animation, havia sido levantado. Tinha finalmente consigo a closure (desfecho) que precisava.
Este fim de semana tem sido um dos momentos mais difíceis da minha vida, mas ser capaz de passar por esta terrível tragédia e dizer adeus àqueles que respeitei por mais de uma década, ajudou-me a seguir em frente.
Obrigado por tudo Kyoto Animation, quando quer que estejas pronta, toda a gente aguarda pelo teu próximo trabalho.
Este foi o sentido relato por parte do Daryl. Que dizer não é?
E vocês que memórias têm com as obras deste maravilhoso estúdio? Digam-nos nos comentários.
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Fonte: Daryl Harding (via Crunchyroll)