Passado quase um ano desde que fiz a primeira parte desta rubrica, decidi ganhar coragem e realizar a segunda parte. Entusiasmados? Espero que sim, porque eu adoro este tipo de artigos!
Não esquecendo que apesar do título, e como já bem expliquei na primeira parte desta rubrica, a religião predominante no Japão não é o Cristianismo, então tentarei fazer um contraponto entre os significados na cultura ocidental e no Japão.
Porém, acredito que para nós seja “engraçado” ver o anime por essa perspetiva, apesar de Death Note realmente deixar em dúvida algumas vezes (por exemplo, quando o L seca os pés ao Light no episódio 25).
Sem mais demoras, vamos lá!
Simbologia Death Note – A Influência Cristã?! Parte 2
A Dualidade do Vermelho e do Azul
Death Note sempre brincou muito com as cores vermelho e azul, atribuindo a cada lado uma delas. Light era colorido a vermelho e L a azul. No entanto, no início também o Kira vestiu a cor azul… Mas porquê?
Ora, no Ocidente a cor vermelha é associada (entre muitos outros significados!) ao amor, paixão, luxúria, raiva, perigo, malícia, ira, stress, ação… Ou seja, para além da associação ao amor e à paixão, o vermelho também se encontra ligado ao mal.
Interessante que no Cristianismo, esta cor tem um significado muito próprio: a cor do sangue de Cristo, que pode ser vista como salvação (Mateus 26:28 – Novo Testamento), mas também pode ser vista como o “pecado“. Se lermos Isaías 1:18 (Antigo Testamento) veremos o seguinte:
“Venham, vamos refletir juntos”, diz o Senhor. “Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão”.
Já no Japão, o vermelho é associado ao sol. Caso se pergunte a crianças japonesas qual a cor do sol, a maioria dirá vermelho. Vermelho e Branco são utilizados juntos em eventos e ocasiões que representem felicidade e alegria, como casamentos e aniversários. A cor vermelha na cultura japonesa denota força, paixão, auto-sacrifício e sangue. É a cor que “faz com que o sangue flua”, como a cor de um recém-nascido (curiosidade: “aka” – vermelho; “akachan” – bebé, infantil, pueril). O uso de arroz com feijão vermelho é servido em ocasiões prósperas e auspiciosas, enfatizando o simbolismo do vermelho.
No anime, Light, ou melhor, Kira é sempre representado pela cor vermelha. É verdade que o anime foi feito para o público japonês, mas tendo em atenção as informações supra…
Será mais lógico incluir a representação do Kira no simbolismo ocidental ou no simbolismo japonês? Poderá o homem da morte estar ligado à cor da vida?
Para ajudar a responder a isto, falta-nos verificar a simbologia da cor azul, atribuída ao personagem L.
No Ocidente, estas duas cores primárias possuem significados completamente opostos. Ao pensarmos nesta cor vem-nos à mente o céu e o mar de imediato e, devido a isso, a simbologia do azul liga-nos ao seguinte: liberdade, imaginação, inspiração, confiança, lealdade, sabedoria, estabilidade, fé, inteligência…
No que tange ao Cristianismo, a cor azul está associada ao céu, ao paraíso, a Deus, à palavra de Deus ou ao seu poder de cura. Vejamos, por exemplo, a Virgem Maria/Nossa Senhora: qual a cor do seu manto? Azul, claro. Leiamos agora Mateus 9:20-21 (Novo Testamento):
Nisso uma mulher que havia doze anos vinha sofrendo de uma hemorragia, chegou por trás dele e tocou na borda do seu manto. Pois dizia a si mesma: “Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada”.
E ficou!
Do outro lado do mundo, no país do sol nascente, a nova folhagem da primavera é chamada de shinryoku (literalmente: “novo verde”) ou aoba (literalmente: “folhas azuis“). Assim, o azul está ligado à juventude, à novidade ou mesmo imaturidade. Por outro lado, esta cor também simboliza a frieza, a passividade e a fidelidade e é ainda uma cor popular na roupa de trabalhadores de escritório ou de estudantes universitários quando vão a entrevistas de emprego.
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Depois de toda esta dissertação, faz mais sentido ler estes dois personagens à luz da simbologia ocidental e mesmo cristã do que à luz do simbolismo japonês. Porque digo isto?
Light inicialmente encontrava-se colorido a azul porque não estava (ainda) corrompido pelo “mal”. Após a chegada do Ryuk, Light tornou-se no Kira e passou a ser colorido a vermelho, uma personificação do “pecado”. Por outro lado, L sempre teve debaixo de um “manto azul”, interpretando o papel da “justiça”, aquele em que todos confiavam para libertá-los/serem curados. L era o salvador daquele mundo que, “ironicamente”, também acabou por falecer.
Para finalizar, e porque este artigo já está a ficar extenso, achei por bem explorar melhor a cena do episódio 25 (que falei em cima), na qual o L seca os pés ao Light.
O Ritual da Última Ceia
Neste ponto, irei focar-me apenas na parte religiosa do ato, uma vez que não descobri nenhuma informação sobre a sua ligação ao Japão. Deste modo, considero que esta cena esteja apenas ligada ao Cristianismo. É esta a vossa opinião? Confiram comigo!
No Antigo Testamento, o ato de lavar os pés estava ligado a um sinal de hospitalidade para com os visitantes. Este gesto pode ser identificado em vários versículos, por exemplo, Génesis 18:4, Génesis 19:2, Génesis 24:32, Génesis 43:24 e I Samuel 25:41.
Já no Novo Testamento, existe um relato na Bíblia sobre a lavagem dos pés a santos, em I Timóteo 5:10, que liga o gesto à submissão ou humildade.
E, na Última Ceia, Cristo lava os pés aos apóstolos antes da sua crucificação (este ato está descrito no relato de João 13:1-17).
Aqui teremos que fazer um exercício de “imaginação” para encaixar as coisas em Death Note, mas que a mim me pareceram possivelmente lógicas:
Se o ato de lavar os pés tem um significado de humildade, submissão, serventia ou respeito, tal significa que Jesus ao lavar os pés aos seus apóstolos quis colocar-se nessa posição para com os seus discípulos. No entanto, este não foi apenas o seu propósito; Jesus sabia que tinha um traidor entre os seus e afirmou o mesmo no relato de João já mencionado.
Em Death Note temos algo bastante parecido se virmos da forma correta.
L não lava os pés a Light como eu tenho lido em vários sites. Na verdade, no episódio 25, L seca e massaja os pés de Light, que o faz por iniciativa própria.
Mesmo que a intenção fosse realmente realizar uma “Última Ceia – Estilo Death Note”, a verdade é que não faria muito sentido o L começar a lavar os pés do Light só porque sim.
Então qual a forma mais eficaz de usar a simbologia do “Lava pés” que ocorreu com Jesus?
Fácil! Colocam-se os dois personagens debaixo de uma grande tempestade e já temos aqui o fator principal: a presença de água. Uma vez que a tempestade era realmente enorme, tanto L como o Light ficaram encharcados dos pés à cabeça.
A partir daí torna-se mais simples seguir a linha narrativa a que se tinham proposto: a posição de humildade e respeito de L perante (neste caso) Kira.
Quem viu Death Note (e eu já vi 2 vezes e meia) apercebe-se desde o início que o L sempre soube que Light era o Kira, apenas não tinha provas suficientes para o acusar. Mas a verdade é que ele sabia e morreu a saber isso.
Se o ato de lavar (ou secar) os pés a alguém é considerado como um ato de respeito e/ou até de inferioridade para com a outra pessoa…
Não estaria o L a dizer a Kira que o respeita como génio e a assumir a sua derrota?
Ademais, e para realmente finalizar, tal como Jesus, o L também sempre soube que o Light era o traidor no meio dos seus discípulos (no meio da sua equipa de investigação).
Tal como Judas, também Kira “entregou” o L ao inimigo para que este fosse morto. Tal como Judas, também Light acaba por morrer em consequência dos seus atos (embora de formas distintas).
Tudo isto que acabei de relatar é o que, na minha opinião, liga a obra Death Note à simbologia Cristã. Qual a vossa opinião sobre o assunto?
E assim terminamos mais um artigo de Simbologia Death Note – A Influência Cristã?!. Gostariam de ver uma parte 3?
Podem ler a primeira parte deste artigo no link abaixo:
>> Simbologia Death Note – A Influência Cristã?! Parte 1! <<
Este artigo é original e foi realizado com base nas minhas pesquisas, senso comum e opinião. Podem ver as referências nos links que forem encontrando ao longo do texto. Face à parte religiosa, decidi incluir partes do Antigo e do Novo Testamento, porque um existe em função do outro e, na verdade quando se fala de arte, pode ter sido usado uma mistura dos dois, como pode nem sequer ter-se utilizado a Bíblia e a religião Cristã em primeira linha.
Caso tenham mais informações ou eu tenha escrito algo de forma errónea, por favor, digam-me nos comentários!