A Warner Bros e a Netflix voltaram a unir forças. Desta vez, para dar forma a uma adaptação real de “Bleach”, obra original de Tite Kubo. Depois do recente live action de Fullmetal Alchemist, agora foi a vez deste shounen que tanto deu que falar nos últimos 15 anos.
Com os fãs do Anime e do Manga cada vez mais de “pé atrás” em relação a este tipo de projetos, Bleach não foi capaz de quebrar essa intranquilidade. Embora também não tenha contribuído para ela, pelo menos na minha opinião.
A história do live action de Bleach
A história deste live action incide na primeira parte da criação de Tite Kubo. Nomeadamente, nos primeiros tempos de convivência entre Ichigo Kurosaki e Rukia Kuchiki, após a Shinigami (aka Soul Reaper) transmitir os seus poderes para o rapaz, num momento de grande aflição.
Na verdade, este acontecimento torna-se o gatilho que leva Ichigo (Sota Fukushi) a ter um conhecimento mais aprofundado da Soul Society, dos Shinigamis, dos Hollows, e do mundo espiritual em geral. Note-se que todos estes são termos que passam ao lado da maioria dos humanos.
Quem conhece a obra sabe o que vem a seguir. Os interessados podem encontrar uma introdução mais detalhada na minha análise ao anime, também publicada neste espaço. Mas ainda sobre esta adaptação real, de frisar que foi satisfatoriamente fiel à original nos conteúdos abordados, o que não deixa de ser um ponto positivo.
A adaptação do elenco
A meu ver, a análise das personagens que compõem este live action deve ser feita de dois pontos de vista. Um primeiro, e menos importante, que diz respeito ao visual do elenco. E um segundo, mais significativo, relacionado com a personalidade, os gestos e os comportamentos das personagens que os vários autores vestem a pele.
O visual das personagens
Na parte visual, esta adaptação pende para os dois lados. Ichigo Kurosaki, Byakuya Kuchiki (representado por Takamasa Ishihara, mais conhecido pelo seu nome artístico: Miyavi) e o Grand Fisher são exemplos de bom trabalho. A qualidade do processo, acicatada pela exigência de cada personagem, apresenta-se em sentido crescente da ordem de menção deste trio! O Grand Fisher superou com distinção todas as expectativas.
Do outro lado da moeda, podemos encontrar personagens como Orihime Inoue (Erina Mano), Rukia Kuchiki, e até ambas as irmãs de Ichigo. Quando as personagens têm adereços que se sobressaem, torna-se mais fácil identificá-las logo na primeira aparição. Quando não existe essa possibilidade, o que se requer é um trabalho extra da produção na procura por pequenos sinais e posturas das personagens para que o espectador logo as identifique. Equipas de produção deste nível têm essa obrigação. Nas personagens mencionadas, isso torna-se muito complicado. De facto, verifica-se uma grande dificuldade em fazer a ligação com os seus homónimos do anime.
A profundidade adaptativa das personagens
Para mim, o ponto mais baixo deste live action de Bleach. Ainda outro dia, em conversa com amigos, falava na importância de uma obra ser capaz de cativar o espectador. Há obras que têm vários defeitos e pontos fracos, mas que ao mesmo tempo têm outros que funcionam como isco para o espectador. Isto é, que são capazes de o manter colado ao ecrã, por mais que estejam à vista os pontos menos bons da produção. Ou seja, temos consciência dos defeitos, mas continuamos interessados.
No caso de uma adaptação live action, que logo à partida tem um grande nível de exigência, uma das maneiras de agradar o espectador pode passar pelo sentimento de nostalgia que este desenvolveu no passado com parte das personagens. O problema é que este elenco não tem essa força. A maioria dos atores não consegue cativar e o efeito saudoso passa-nos ao lado. Eu comecei a ver o filme em modo zen e assim acabei. As oscilações do meu estado de espírito foram muito reduzidas. Faltou química e ligação entre o elenco, havendo apenas uma excepção, que felizmente foi no plano principal e da qual falarei já de seguida.
A relação entre Ichigo Kurosaki e Rukia Kuchiki
A meu ver, um aspeto bem trabalhado. Rukia (Hana Sugisaki) surgiu do nada na vida de Ichigo. Contudo, após o incidente que marca o arranque da longa-metragem, os dois passam mais tempo em contacto. Uma amizade que, aos olhos dos novos adeptos de Bleach, poderia ser apenas por força dos acontecimentos prévios.
Felizmente, e para fazer jus à obra original, essa relação é intensificada de uma maneira cómica, positiva, e de certa forma subtil. Falo do treino de Ichigo para se tornar um verdadeiro Shinigami. O tempo de filme dedicado ao seu treino torna-se a base e a lógica dos sentimentos despoletados por estes dois mais à frente, da capacidade de combate de Ichigo, e traz também para o ecrã real os famosos desenhos de Rukia que, para quem desconhece, trata-se de uma componente cómica e inconfundível de Bleach.
Combates de baixo e alto nível
Mais do que na questão do elenco, é na parte da ação que este live-action me faz repetir uma frase que começa a cansar. Quero dizer: Bleach deixou-me agradavelmente surpreendido em partes que não esperava, e nas que tinha expectativas mais elevadas a correspondência já não foi a mesma.
As cenas que envolvem o Grand Fisher e que culminam na sua luta contra Ichigo e companhia superaram as melhores expectativas que poderia ter. Por seu lado, o duelo entre Ichigo e Renji defraudou. Não só por aquilo que a luta com o Grand Fisher apresentou, mas por parecer uma luta demasiado mecânica quando em cena estavam dois humanos (ainda que Shinigamis). Além disso, aquele pára-arranca em vários momentos do duelo não terá sido a melhor escolha.
A discrição dos ambientes e da banda sonora
Ao ter o “nosso mundo” como pano de fundo da sua primeira parte da história, os ambientes passam muito despercebidos ao longo de todo o filme, até porque a atenção quando é roubada incide apenas sobre os “invasores”. Ou seja, sobre os Hollows e os Shinigamis (Soul Reapers).
Na mesma linha surge a banda sonora, que quando é chamada a intervir é agradável e ajustada, mas fica-se por aí. De referir que as oportunidades para esta componente brilhar também não são muitas.
Ainda que ligeiramente off–topic para esta secção sem grandes exigências adaptativas, destaque positivo para os efeitos visuais do início do filme dedicados à apresentação das personagens.
Conclusão
Em suma, e ao contrário de muitas outras tentativas de trazer outros mangas para o ecrã real, este live action dirigido por Shinsuke Sato não é difícil de digerir. No entanto, oscila demasiado nos patamares de qualidade dos aspetos mais importantes da produção, ainda que a vantagem esteja do lado elogioso.
Nas personagens, apesar de algumas estarem distantes das originais ou passarem quase invisíveis, as importantes como Ichigo, Rukia, e até mesmo Uryu Ishida (Ryo Yoshizawa), merecem a distinção positiva. Os outros Soul Reapers nem tanto.
Já nos combates, o grande desafio adaptativo dos Hollows foi mais do que superado. A fazer a ponte entre tudo isto está a dupla Ichigo Kurosaki e Rukia Kuchiki, que teve a atenção essencial para dar a consistência necessária ao filme aos olhos de fãs e não fãs.
Aliás, numa altura em que surgem os boatos de uma trilogia, a satisfação (sem entusiasmo) por este projeto poderá ser determinante para que os seus espectadores acompanhem os próximos capítulos. Até lá, existe margem para os seus responsáveis corrigirem e aperfeiçoarem o que este deixou a desejar, apesar de terem outros desafios pela frente.
Concluindo, este live action de Bleach tem valor suficiente para que os fãs e os que desconhecem a obra original de Tite Kubo acreditem numa sequela de mais valor. Principalmente se for tido em conta que assim foi com Rurouni Kenshin, num passado recente. A franquia teve um primeiro live-action q.b. que depois embalou para outros dois trabalhos que foram dos melhores até à data neste tipo de adaptação.
Com curiosidade e alguma apreensão, aguardo o bilhete para a visita à Soul Society!
Bleach Live Action – Trailer
Análises
Bleach Live Action
Embora repleto de altos e baixos, este live action de Bleach demonstra uma grande preocupação por parte dos seus responsáveis em adaptar a história original com a calma necessária. Embora o resultado final esteja longe de ser soberbo, o filme ultrapassa os requisitos mínimos e poderá tornar-se um suporte sólido para conduzir as sequelas ao sucesso.
Os Pros
- Adaptação fiel da história
- O Grand Fisher está fantástico
- A ligação criada entre Rukia e Ichigo
- A representação de Sota Fukushi (Ichigo Kurosaki)
Os Contras
- Várias personagens (na maioria secundárias) cuja adaptação dos seus homónimos deixou a desejar
- Ausência de cenas capazes de suscitarem verdadeiro interesse no espectador e de lhe provocarem adrenalina
- O duelo entre Ichigo e Renji Abarai (falta de ritmo e muito mecânico)