A propósito da publicação nacional de um dos shonen mais populares do momento, My Hero Academia, entrámos em contacto com André Pinto Teixeira, actual responsável pela tradução de MHA e de Assassination Classroom (ambos editados pela DEVIR Portugal), para saber mais sobre a pessoa por trás deste trabalho. Aproveitámos o momento para falar um pouco sobre a arte de traduzir, do panorama nacional e internacional, das particularidades inerentes ao processo de tradução de um manga, entre outros temas.
A entrevista está dividida em duas secções. A primeira é composta pelas perguntas elaboradas pelo ptAnime, a segunda pelas perguntas submetidas pelos nossos leitores.
Antes de avançar, quero aproveitar para agradecer ao André pelo tempo disponibilizado e pelas respostas detalhadas que nos forneceu.
O meu nome é André Pinto Teixeira, tenho 27 anos e sou de Lisboa. Interesso-me pela Ásia desde de que me lembro. O elemento que despertou a minha atenção para as culturas asiáticas foram os caracteres chineses, que mais tarde vim a estudar. Licenciei-me em Estudos Asiáticos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Mais tarde, fiz um mestrado em Estudos Socio-Culturais Contemporâneos na Universidade de Niigata, no Japão.
Vivi em três cidades japonesas: Tóquio, Niigata e Funabashi (Chiba). Para além do Japão e da sua cultura, interesso-me por música, literatura e línguas. Os meus mangakas favoritos são Urasawa Naoki, Takahashi Rumiko e Urushibara Yuki. Actualmente, para além da tradução freelance, também dou aulas de Japonês online.
Entrevista ao Tradutor de My Hero Academia
ptAnime: Qual o nível necessário, em japonês, para traduzir em Portugal ou no Japão (para empresas japonesas)?
André Teixeira: Há várias áreas de tradução: literária, técnica, interpretação (simultânea e consecutiva), legal… todas elas requerem não só um domínio avançado da língua de partida como da língua de chegada, que, idealmente, será a língua materna do tradutor.
ptAnime: Quais os maiores obstáculos de ser tradutor em Portugal?
André Teixeira: Tal como em outras áreas que envolvem ser-se freelance, a precariedade. No caso da língua japonesa, é um nicho muito limitado, pelo que não é realista, no momento actual, crer que se poderá sobreviver exclusivamente da tradução Japonês-Português.
ptAnime: Existe liberdade para escolher que obra traduzir?
André Teixeira: Cada um traduz o que quer, agora se há uma editora interessada em publicar ou não é outra história. Eu posso muito bem aceder ao Aozora Bunko, um banco de textos japoneses cujo copyright já expirou, e traduzir um romance de que gostei. Contudo, a decisão de publicar ou não ficará ao critério de cada editora.
ptAnime: Quais os títulos que mais gostaste de traduzir e os que menos gostaste? Porquê?
André Teixeira: O que menos gostei de traduzir foi o Assassination Classroom 6 pois foi o primeiro que traduzi para a Devir. Apanhei a série a meio, o que se provou bastante difícil no início. Demorou alguns volumes até ter conseguido encontrar a minha voz de tradutor refletida na série. O que gostei mais foi também de AC, neste caso o volume 16, pelos desenvolvimentos fulcrais que apresenta. Fiquei muito satisfeito com o resultado final.
ptAnime: Enquanto tradutor e fã de manga, já te pediram sugestões de obras a potencialmente licenciar?
André Teixeira: Já, embora eu confesse que há fãs do género muito mais dedicados e por dentro do meio do que eu. Actualmente leio mais literatura japonesa do que manga. Obviamente, continuo a gostar de ler banda desenhada japonesa, mas não sou a pessoa mais informada sobre o último lançamento ou o que aconteceu no último capítulo daquela série obscura.
ptAnime: Que diferenças sentes entre traduzir “My Hero Academia” e “Assassination Classroom”?
André Teixeira: Muitas, a começar pelo espaço. O AC tem balões em japonês muito menos preenchidos do que MHA, pelo que a própria velocidade de tradução varia. Um volume de AC costuma levar-me menos uma semana do que um de MHA.
ptAnime: Num manga, as personagens são caracterizadas pelas suas acções mas também pelos seus diálogos, ou seja, pela forma como falam. Nesse sentido o tradutor tem um papel importantíssimo em primeiro na interpretação da sua caracterização original e posteriormente em preservar essa caracterização no momento da tradução. A escolha de uma palavra mais “cara” para uma personagem que não a usaria no original, por exemplo, poderá levar a uma interpretação completamente diferente por parte do público português. É algo a que dás muita atenção? Como fazes essa gestão?
André Teixeira: Aqui entramos num dos aspectos fulcrais da tradução literária, que é a capacidade de veicular diferentes vozes e nuances de personalidade através da palavra traduzida. Sem manter um certo grau de coerência nas falas dos personagens perde-se o ambiente que o autor tentou criar na obra original. Faço todos os possíveis para que os personagens falem da maneira que imagino na minha mente, pelo que privilegio a linguagem coloquial nos diálogos. Leitores mais atentos poderão ter notado que, no volume 5 de MHA, a Uraraka sai-se com uma expressão à moda do Norte. Esta foi uma escolha arriscada mas perfeitamente legítima, tendo em conta que a Uraraka é originalmente da região de Kansai, cuja principal cidade é Osaka e, por vezes, sai-se com dizeres e vocabulário característicos da sua região. Optei por fazer uma correspondência Osaka-Porto, não fossem ambas as segundas maiores cidades dos seus respectivos países e ambas caracterizadas por sotaques próprios e de que os seus habitantes manifestam enorme orgulho.
ptAnime: Consideras possível um dia haver tradução de light novels em Portugal?
André Teixeira: É possível, mas, inicialmente, seria provavelmente um nicho pouco rentável, pelo que dependeria exclusivamente do entusiasmo e dedicação de quem quisesse trazer esse tipo de textos para Portugal em tradução directa. Com o advento da internet, parece-me mais provável do que, digamos, há uma ou duas décadas.
ptAnime: Que conselhos deixas aos tradutores que gostariam de traduzir manga em Portugal?
André Teixeira: Estudem muito Japonês, estejam abertos a vários tipos de conteúdos, desde entretenimento popular a formas mais eruditas de cultura, como a literatura ou o cinema de autor, por exemplo. Quantas mais referências culturais e vocabulário tiverem, mais bem equipados estarão para fazer justiça às obras ou textos que traduzirem.
Perguntas dos leitores
@maria_catarina8: Como aprendeste japonês?
André Teixeira: Quando era pequeno, o meu tio ofereceu-me um manual de conversação, a partir do qual estudei os silabários Hiragana e Katakana. No entanto, foi só na Universidade que comecei o estudo formal da língua. Estudei Japonês dois anos na FLUL, um ano no curso de japonês da professora Yosoi Toda e um ano em intercâmbio na Universidade de Waseda (Tóquio). Depois, prossegui o estudo autónomo, tendo ingressado num mestrado na Universidade de Niigata. O programa era exclusivamente em japonês, tendo escrito a minha tese também nesse idioma, o que se revelou um desafio hercúleo.
@pedro_pessoaaa: Qual é a tua preferida: Momo ou Uraraka? No futuro vais traduzir mais manga? Já sabes quais?
André Teixeira: Pessoalmente, acho a Uraraka fofíssima, pelo que é a minha favorita. O meu personagem favorito da série é o Bakugou. Desde que me deixem, desejo continuar a traduzir outras séries. Não tenho nenhuma proposta concreta neste momento. Se pudesse escolher, traduziria a série Monster de Urasawa Naoki ou Oyasumi Pun Pun.
@bruno_senpai98: Os manga são traduzidos a partir da edição original, ou a partir da edição inglesa?
André Teixeira: Esta é uma pergunta importantíssima, pois muitas pessoas não sabem a resposta. A DEVIR promove a máxima qualidade das obras que publica, o que passa por garantir traduções directas do Japonês para o Português. Conheço algumas das tradutoras que colaboram com a DEVIR na tradução de outras séries, e todas elas têm muitos anos de experiência a aprender japonês e até de vivência no Japão. Ao contrário da norma no meio editorial português, que edita autores como Murakami Haruki traduzidos a partir do Inglês ou outras línguas europeias, a DEVIR prima pela qualidade e fidelidade ao original.
@rubenteles_cosplay / @quelsoares13: Quais as maiores dificuldades que encontras numa tradução de manga?
André Teixeira: Pessoalmente, diria que são os ideofones. Além de onomatopeias, que representam sons acústicos, o japonês possui ideofones, que são sons que representam estados de espírito, ambientes, etc. Estes nem sempre têm correspondência em Português, pelo que tenho de usar a imaginação.
@lebremangos: Antes de mais nada, parabéns ao que eu considero o melhor tradutor da editora pelo trabalho realizado até agora. Como está a ser a adaptação a este novo normal em tempos de pandemia? E como surgiu a oportunidade de traduzir “My Hero”?
André Teixeira: A pandemia tem sido uma inconveniência em vários sentidos, especialmente no que concerne a atrasos no campo editorial. Felizmente, não sofri nenhum impacto ao nível de saúde na minha família, e isso é o que mais importa. A proposta para ficar a cargo de MHA veio em sequência do trabalho que já havia realizado com a tradução dos volumes 6, 8 – actual de Assassination Classroom. Uma vez que já era colaborador, foi mais fácil os responsáveis da DEVIR delegarem-me essa tarefa, que considerei uma enorme honra, até porque o meu irmão, que também gosta de cultura japonesa, já era fã da série antes de eu a começar a traduzir.
Como o André mencionou no início da entrevista, está de momento a dar aulas de japonês online. Se estiverem interessados podem contactá-lo através do seguinte e-mail: [email protected]
Podes ler aqui todas as entrevistas ptAnime, bem como todas as entrevistas traduzidas:
Se estiverem interessados em adquirir os volumes do manga no nosso belo Português, relembro que a DEVIR está a editar o manga em Portugal e podem ADQUIRIR OS VOLUMES através da Loja ptAnime!