Apesar da ficção histórica nunca ter sido um género dominante tem persistido ao longos dos tempos. Nos dias de hoje raramente se passa uma temporada sem que hajam novas interpretações de figuras como Oda Nobunaga e Date Masamune da era Sengoku, embora a fonte de temáticas e de personagens nas quais se podem basear seja muito maior que isso.
Alguns animes tentam chegar o mais perto possível da verdadeira História ainda que possuam elementos ficcionais (como por exemplo Zipang e Night Raid 1931), enquanto que outros apenas usam pequenos detalhes reais e produzem coisas mais surreais com eles. Deste último caso temos, do ano 2016, dois títulos proeminentes: Schwarzes Marken da temporada de inverno, onde se pode verificar um visual bastante realista dos anos 80, na Alemanha de Leste, alocado numa narrativa sobre mechas que lutam contra insectos alienígenas; e o anime da temporada do outono, Izetta: The Last Witch que, apesar da forte mudança de nomes, decorre claramente durante a 2º Guerra Mundial, na Europa. (Apesar de Izetta: The Last Witch apresentar uma grande fidelidade Histórica possui também uma grande mudança: no anime a Alemanha continuou como um império, após a 1ª Guerra Mundial, em vez de se tornar um país democrático e eventualmente fascista.)
Tendo isto em conta, que mais títulos existirão que retratem elementos históricos? A seleção que se segue foi realizada por Theron Martin, através dos 600 animes da enciclopédia ANN que se enquadram na temática.
Ficção Histórica em Anime – A fusão entre ficção e factos
Le Chevalier D’Eon
Le Chevalier D’Eon oferece-nos uma interpretação bastante interessante da História francesa, nos anos que antecederam a revolução. A interpretação é, ao mesmo tempo, criativa e fiel, sendo que o elemento mais divergente se encontra no facto de, no anime, trocarem os sexos de determinadas personagens.
A história desta série, de 2006-2007, reconta de forma exuberante a história de d’Eon de Beaumont: um espião e diplomata francês, célebre não só por ser um dos melhores espadachins daqueles tempos mas também pela ambiguidade em relação à sua identidade sexual que, por sua vez, nasceu do facto dele próprio insistir que na verdade era uma mulher, e que não se passava apenas por uma. (Provou, às portas da morte, ser um homem, mas era tão famoso pela sua ambiguidade sexual que a Beaumont Society – o grupo de maior suporte da comunidade transgénero do Reino Unido – foi nomeada em sua homenagem.)
Na história real, Lia de Beaumont foi um nome que d’Eon usou para se infiltrar como mulher na corte da Imperatriz Elizabeth da Rússia, mas nesta versão é a sua irmã mais velha – uma espia que morreu durante uma missão secreta para o Rei Louis XV. A ambiguidade sexual de d’Eon é explicada, no anime, pela possessão do espírito de Lia que ocasionalmente se apodera do seu corpo de modo a obter vingança, até que ele começa a ficar com dúvidas acerca da sua identidade… Ao longo desta versão, d’Eon encontra várias figuras históricas, participa em numerosas atividades nas quais a sua versão do mundo real também esteve, incluindo as visitas à Rússia, à Inglaterra e também no seu envolvimento com a organização de espiões de Louis XV: Le Secret du Roi.
Mesmo quando a série se desvia de alguns detalhes, continua a basear-se fortemente em factos reais do tempo em questão. A cena que envolve um baile de máscaras com a temática de “troca de sexos”, na corte Russa, é um exemplo disso.
A principal diferença é que o d’Eon da realidade não tinha que lidar com poetas mágicos nem com as suas criações macabras.
Otogizoushi
Este anime de 26 episódios, estreado em 2004, é outro caso onde foi alocado o “gender-bending” numa ficção histórica (a narrativa desenrola-se durante a conturbada Era Heian). O enredo reimagina o guerreiro e governador, Minamoto no Raiko, como Hikaru – a sua irmã mais nova – que se faz passar por ele, de modo a preservar o nome da família, após a sua morte. A tradicional e famosa cosmologia esotérica japonesa (onmyoji), Abe no Semei, está bem demarcada na narrativa, assim como estão os subordinados de Kintaro: Watanabe no Tsune, Usui Sadamitsu, e Urabe no Suetake (que é uma mulher na história, enquanto que na vida real era um homem). À medida que o enredo nos conta detalhes acerca dos feitos de Raiko, as lendas vão-se misturando com a verdadeira história e, ao mesmo tempo, mergulha-nos num enredo que envolve esquemas para a destruição da capital do império Heian-kyo usando um certo misticismo. Mesmo assim a primeira arc oferece-nos uma representação impressionante das roupas, hábitos de higiene, e comportamentos que eram expectáveis daquela Era demonstrada no anime. Se quiserem outra perspetiva, deste mesmo período de tempo e destas personagens, vejam também a OVA Kaidohmaru, de 2001.
Hakuōki
Os Shinsengumi eram uma força especial, da polícia, leal ao Shogunato, que existiram durante os anos turbulentos de 1964-69, a Era onde o Shogunato iniciou um conflito ativo, contra a corte imperial, pela luta da liderança do Japão. Apesar de serem referidos, por alguns historiadores, como um esquadrão da morte, os Shinsengumi foram retratados de uma forma romantizada ao longo dos anos, inclusive nas várias adaptações anime. Provavelmente a mais interessante é a franquia Hakuouki, uma coleção de três temporadas, uma série OVA, e dois filmes (assim como uma série de curtas-metragens).
A narrativa conta-nos as atividades, historicamente documentadas, dos Shinsengumi enquanto ajudam Chizuru – uma rapariga disfarçada como um jovem rapaz – à procura do seu pai desaparecido. A atenção dada ao detalhe na interpretação histórica dos eventos é deveras impressionante, e a atividade de alguns dos membros dos Shinsegumi, após as suas mortes, é explicada dum modo bastante interessante transformando-os em criaturas semelhantes a vampiros.
Asura
Distanciando-se dos outros animes aqui citados é o anime mais obscuro da lista, e foi o único que até aos dias de hoje não foi publicado oficialmente no ocidente. O início deste filme, de 2009, localiza-se temporalmente nos finais de 1477, como se pode constatar pela sua sequência de abertura, onde é retratado o incêndio devastador de Kyoto. Este foi o fim da guerra de Onin, uma guerra civil que iniciou o período Sengoku do Japão.
Porém, em vez de se aprofundar nesse tema, o filme foca-se num rapaz abandonado que faz os possíveis para sobreviver num tempo e num lugar onde a fome e os desastres naturais devastaram a população local. Neste não existem figuras históricas ou outros eventos específicos. Ainda assim, provavelmente, não existe outro anime que se aproxime de um modo tão fiel dos acontecimentos acima mencionados.
Nota: Apesar de conter boas animações, este filme é extremamente cruel, gráfico e tem uma história muito crua, por isso preparem-se bem antes de o ver.
Croisée in a Foreign Labyrinth – The Animation
Se Asura é o título mais sombrio desta lista, então este anime de 2011 é exatamente o oposto. Trata-se de um conto bonito inocente, sobre uma rapariga japonesa de estatura baixa que parte numa viagem até Paris, em 1890. Não há figuras historicamente famosas aqui, mas o cenário parisiense é meticulosamente recriado (tirando algumas liberdades que são tomadas), e o enredo fundamenta a premissa com base no facto de França ter namorado, naquela altura, com alguns aspetos culturais japoneses. É por esta razão que a jovem Yune encontra uma rapariga que se dedica ao estudo da cultura japonesa (Japanophile), que até naquela altura era algo raro de se encontrar. A maior parte da história desenrola-se como um conto do dia a dia, e mesmo que o excesso de fofura não funcione para ti, a sua riqueza em pormenores – como por exemplo as diferenças culturais entre o oriente e o ocidente naquele tempo, o propósito dos armants (o equivalente masculino a amantes) na cultura parisiense, e a ascensão da cultura cinematográfica – podem ainda deixar-te fascinado.
Barefoot Gen
Nem mesmo o amplamente elogiado Grave of the Fireflies consegue transmitir uma ideia tão realista, sobre crianças em tempo de guerra, como este filme semi-autobiográfico, de 1983. No reino da “ficção histórica que desejavas que fosse apenas ficção” este é intocável. Retrata, com detalhe realisticamente doloroso, a bomba atómica de Hiroshima e as suas consequências. Trata-se de material chocante, e independente da tua tolerância para visualizar este tipo de material gráfico, pode tornar-se bastante difícil de ver. É fascinante por duas razões: retrata com a maior fidelidade possível sem amenizar seja o que for, e não faz julgamentos de moralidade sobre o acontecimento, abordando antes as razões pelas quais não deverá acontecer de novo.
O filme Barefoot Gen 2, a sequela de 1986, continua a história três anos depois. É também, em termos qualitativos, o melhor dos dois filmes.
Entre outros títulos que foram seriamente considerados estão:
- Maria the Virgin Witch – possivelmente o filme que retrata com mais precisão a guerra medieval que ocorreu na Europa naquela altura;
- Doomed Megalopis – por retratar, dum modo um pouco sobrenatural, o grande terramoto de Kanto de 1923;
- Taishō Baseball Girls – por retratar a sociedade japonesa dos anos 20 do século XX;
- Sengoku Basara – pelo seu retrato de figuras e eventos cruciais do período Sengoku;
- Millenium Actress – por retratar diferentes períodos de tempo, através das memórias duma atriz, à medida que vai envelhecendo;
- Baccano! – pela sua iteração frenética à época dos gangsters, máfia e da Lei Seca dos Estados Unidos da América;
Existem muitos outros títulos a ter em consideração, se tiveres mais sugestões dentro desta temática deixa-as na secção dos comentários!
Fonte: Anime News Network