Título: Hai to Gensou no Grimgar
Adaptação: Light Novel
Produtora: A-1 Pictures
Géneros: Aventura, Ação, Drama, Fantasia
Ficha Técnica: Disponível
Se por ventura ainda não viram o anime e estão aqui para tirar as dúvidas, sugiro que leiam as primeira impressões de antemão. Se já o fizeram e mesmo assim as dúvidas não foram completamente lavadas, estão no local certo. Ainda assim, e de forma a pouparem tempo, aconselho que passem diretamente para os seguintes temas da análise:
- O Peso de cada Batalha;
- Falta de Harmonia da Produção Técnica;
- Juízo Final;
Se por outro lado já viram o anime, sugiro que procedam com a leitura completa.
Hai to Gensou no Grimgar | Críticas negativas sem fundamento
O contratempo maioritário que levou Grimgar a ser visto com uma percepção errada, mesmo antes de atingir os nossos pequenos ecrãs, divide-se em dois aspetos: marketing e premissa. Apesar de à primeira vista parecem duas coisas distintas, encontram-se diretamente ligadas uma à outra, pois o marketing realizado foi exclusivamente focado na sua premissa. Para já é muito cedo afirmar que foi um erro desenvolver Grimgar a partir de um conceito tão (re)usado, porém não é nada cedo para criticar a publicidade negativa que o assolou. Porque, inevitavelmente, esta foi a razão maioritária pela qual Grimgar acabou por ser chutado para canto.
Desde o momento do seu anúncio, até ao momento da sua estreia, o rótulo colocado em Grimgar era algo nas linhas do: mais um anime de aventura, onde ficam presos num videojogo. Isto, por um lado, chamou todos os famintos pelo sucessor espiritual de Sword Art Online. A expectativas começaram a crescer, todas direcionadas para os elementos base, sobre a possibilidade de muita ação com elementos MMORPG por todo lado. Após dois episódios, o público começou a perceber que este era um título completamente diferente do que se esperava. E quando Grimgar se mostrou como produto distinto, uma boa parte nem se deu ao trabalho de o entender. Muitos até continuaram a ver mas, claro, prosseguiram com as críticas narrativas completamente desconexas. É importante perceber que criticar Grimgar pela falta de ação, ou por “não se passar nada”, é algo semelhante a criticar um Slice of Life por não ter uma essência mais frenética.
– Ausência de Progressão Narrativa + Ritmo Lento –
Custa um pouco processar que o facto de Grimgar possuir ritmo lento é razão para avaliação negativa. Não sabia que o lado positivo da moeda era ritmo rápido. Mas, antes de mergulhar-mos sobre o ritmo lento e o quanto isso beneficiou a narrativa, vamos falar das razões que colocam a premissa no lugar do réu.
Grimgar inicia a história com as personagens a acordar neste mundo de fantasia, provenientes do mundo real e sem memória do mesmo. A partir daqui, são obrigadas a criar equipas de sobrevivência. Esta é a base da narrativa, contudo a progressão dela é nula. Tudo o que se conhece sobre este conceito nasce e morre no primeiro episódio. Porque Grimgar não é sobre sufoco nem sobre a luta pelo regresso ao mundo original, uma vez que eles nem sequer têm memória dele. Daí a premissa ser largada, e o objetivo do desenvolvimento ser a difícil viagem e adaptação pelo novo mundo que lhes foi submetido.
A história não é conduzida pelo conceito narrativo, mas sim pelas personagens, o que deu origem ao ritmo lento. E é, precisamente neste ponto, que se abandona por completo a ideia de progressão narrativa e se mergulha no aspeto de desenvoltura lenta. O foco encontra-se nas personagens, na caracterização e desenvolvimento das mesmas. Na evolução deste conjunto de humanos, que está a aprender a viver naquele mundo, a aprender a conviver uns com os outros, enquanto enfrentam todas as adversidades de um mundo pouco amigável. Portanto, o que vai ser decisivo para a vossa apreciação sobre Grimgar encontra-se no gosto que têm por pormenores de construção narrativa, responsáveis por temperar criativamente determinados sabores já conhecidos.
Ou seja Grimgar opta por, em primeiro lugar, passar tempo com as personagens principais e, talvez, numa sequela se venha a descobrir o mistério por detrás da premissa. Deste modo poderá surgir um significado bem maior do que se estivéssemos perante personagens sub-desenvolvidas. Portanto, dependendo de como voltarem para abordar o conceito inicial poderá dar origem a algo positivo ou negativo, ficando por enquanto num nível neutro.
– Caracterização e Desenvolvimento de Personagens –
Se não existe um desenvolvimento rápido, se a ação é rara, e se não existe sequer um mínimo de progressão narrativa, então resta-nos as personagens. E Grimgar é completamente dependente delas. Nas minhas primeiras impressões decalquei o facto de à primeira vista apresentar personagens genéricas, sem nunca descredibilizar o facto destas sofrerem de amnésia. Porque este pormenor não é uma desculpa, mas sim uma realidade.
No início o diálogo é estranho, não que se encontre mal concebido, mas senti-mo-lo deslocado. Conforme vamos conhecendo as personagens, e conforme elas se dão a conhecer, as interações iniciais que pareciam estranhas, vão fazendo cada vez mais sentido. É como vermos dois estranhos a conversar e apanharmos a conversa a meio. Vamos achar, inevitavelmente, estranho e deslocado. Exactamente porque não os conhecemos. Conforme vamos consumindo os episódios, as dúvidas das suas personalidades vão desvanecendo, até que chegamos a um ponto que já os sentimos como verdadeiros humanos. Além da evolução individual onde cada personagem teve as suas pequenas escadas e objetivos pessoais de forma calma e passada, temos a evolução como grupo. Ou seja, o desenvolvimento individual vai afectando e criando um processo de causa->efeito na dinâmica de equipa/família.
Em suma, no que diz respeito à coluna vertebral desta narrativa posso afirmar que, as suas ações, os seus diálogos e as suas interações foram todas muito bem tratadas, conferindo a Grimgar a essência necessária para funcionar.
– O Peso de Cada Batalha –
A humanização realista das personagens, como já disse, conferiu a Grimgar parte das armas cruciais para conseguir transmitir as temáticas abordadas. É através dela que vivemos a serenidade daquele mundo de fantasia; que sentimos o sufoco das adversidades com consequências sem retorno; que sentimos o fácil desentendimento entre diferentes personalidades; que sentimos a enorme diferença que existe entre o que é pensado e o que é dito. E que, depois da resolução, nos faz apreciar de novo as pequenas coisas que as amenas aragens de Grimgar têm para oferecer. Esta é uma das grandes razões pelas quais as batalhas de Grimgar são raras – carga emocional. Todas as batalhas são a resolução definitiva de uma evolução gradual, construída por um conjunto de desejos, discussões, mágoas, medos e adversidades.
Não obstante, bagagem emocional numa batalha sem uma boa apresentação acaba por se desfazer. Aqui a animação e a coreografia são fundamentais. Os primeiros comentários que li de opiniões do público sobre o assunto, criticam as coreografias de batalha e os seus movimentos desleixados. Porém, não consigo concordar. A animação é fluída demais para ser um problema artístico. Os movimentos são desleixados, e muitos deles completamente desnecessários, mas tudo isto serve para dar ênfase e peso ao facto de eles não saberem lutar.
Nenhum deles sabe o que é manejar uma espada, ou atirar uma flecha. A forma como as coreografias estão feitas, só enaltecem a realidade da situação. Se de momento possuem uma opinião menos boa sobre este parâmetro, revejam, pois isto é algo que está presente desde o primeiro segundo. Reparem nos pormenores dos dedos da mão a abrir e fechar para voltar a segurar na espada firmemente. Reparem na forma como uma das personagens puxa as calças para cima para ganhar movimento antes de atacar. Reparem na forma como o peso diferente de cada espada influencia o tipo de movimento que cada personagem tem.
O peso de cada batalha é, portanto, o principal responsável por entregar a experiência gratificante ao espectador que degustou e digeriu todos os pormenores que a escrita de Grimgar tem para oferecer.
– Falta de Harmonia da Produção Técnica –
Apesar da produção ter sido realizada na A-1 Pictures, nela estiveram envolvidos (literalmente) dezenas de estúdios. Esta informação não é sinónimo de incoerência visual e sonora, pois temos exemplos como God Eater que funcionaram muito bem com este sistema. Não obstante, para funcionar, é essencial a existência de paixão e profissionalismo sobre o produto que estão a trabalhar, ou as incoerências serão uma inevitabilidade. E bem, paixão e profissionalismo não são propriamente vocábulos que façam parte dos recursos da A-1 Pictures. Portanto, tendo em conta as condições em que foi produzido, é admirável que tenha conseguido de alguma forma nascer com tanta saúde.
Deixando de lado o que já foi apontado nas minhas primeiras impressões e ao longo desta análise, vou focar-me no que ficou por abordar. Um dos pormenores técnicos com maior fidelidade é o voice acting. Parte do bom tratamento das personagens é proveniente da escrita, mas a grande interpretação fornecida pela vozes deu ainda mais dimensão às mesmas. Porém é muitas vezes perdida pela terrível sincronização com a animação, onde chegamos ao ponto de vermos várias situações onde as vozes estão com uma interpretação, e as caras das personagens encontram-se simplesmente apáticas.
Existem ainda inúmeros momentos com cortes de edição que falham em entregar uma sequência de imagens fluída, que possuem erros inacreditáveis de continuidade visual, como por exemplo, personagens que existem num plano, e no seguinte desaparecem, e depois voltam ao anterior e a personagem já existe de novo. Além disto existem ainda manobras claras de poupar dinheiro, como personagens estáticas a andar, e momentos com frames parados em pontos cruciais. Isto acontece com tanta frequência que não sei se estavam a poupar tempo/dinheiro, ou se realmente acharam que aquela abordagem executaria uma intensidade superior.
Portanto a grande qualidade e coesão que se fez sentir nos dois primeiros episódios, vai-se perdendo ao longo da temporada. Através desta tremenda falta de harmonia entre departamentos, a imersão de certos momentos é perdida, e o potencial dramático de muitos deles nem chega a atingir o máximo possível.
Hai to Gensou no Grimgar | Juízo Final
Talvez a minha análise a Grimgar esteja desenvolvida de uma forma que leve o leitor a pensar que estamos perante uma obra de arte. “Caramba, só coisas boas, tirando ali a falta de harmonia Grimgar nem tremeu”.
Não, este título não é uma obra de arte, nem sequer é algo puramente original. Foquei-me essencialmente em expor o menos visível que, por coincidência ou não, foi o melhor de Grimgar. O mau já toda gente viu, já toda gente conhece. Grimgar ou foi visto e largado, ou passou completamente ao lado. Entre ser obstruído por Erased, e ostracizado pelo rótulo A-1 Pictures, este título nem chegou a ter uma oportunidade de ser conhecido pelo que realmente é. Tenho plena consciência que a primeira camada transpira clichés e que essa é a razão para afastar o consumidor mais compulsivo. E isto é certo, se gostas de narrativas com desenvolvimento rápido, onde a história e ação são o foco, não estás enganado, Grimgar não é mesmo para ti.
Em suma, este título falha na construção e desenvolvimento do mundo, tem falhas conceptuais, tem personagens que ficaram por caracterizar e desenvolver de uma forma melhor, tem um fan-service inicial desnecessário, e tem claros problemas de harmonia técnica. Assim sendo e tendo em conta tudo o que já foi mencionado, funciona apenas para o público que se interessa nos pormenores narrativos e visuais, que dão génese a uma escrita fresca sobre um tema completamente saturado.
Análises
Hai to Gensou no Grimgar
Uma maravilhosa aventura, com alguns problemas.
Os Pros
- Realidade das sequências de ação
- Abordagem temática e personagens
Os Contras
- Harmonia entre aspetos técnicos
- Consistência do departamento técnico