Nos últimos tempos, não tenho acompanhado qualquer produção anime das novas temporadas, há excepção de sequelas de franquias com as quais me envolvi. Assim, no que diz respeito à temporada do inverno de 2020, tornei-me espectador nos courts de voleibol de Haikyuu!! To the Top e presença nas salas competitivas de Karuta em Chihayafuru 3.
Este artigo é sobre Haikyuu e os desportos mencionados são bem distintos a olho nu. No entanto, estranhamente, tenho a sensação que se tivesse olhos vendados não seria capaz de distinguir as diferenças entre estes dois projectos. Ambos chegaram a este Inverno com uma reputação sólida. Ambos já estavam num patamar muito elevado e, quando assim é, a grande dificuldade é manter-se no mesmo nível, pois as expectativas são muito fáceis de defraudar.
Como disse há algumas semanas atrás, a meu ver, Chihayafuru superou este obstáculo com distinção. Hoje, apraz-me dizer que Haikyuu, talvez numa situação um pouco mais complicada, por vir de uma terceira temporada alucinante, conseguiu fazer o mesmo.
Um novo ciclo, longe da competição!
Depois do duelo entre Karasuno e Shiratorizawa na terceira temporada, a história tinha obrigatoriamente de reiniciar o ciclo dos acontecimentos. Ou isso, ou enviar os “Corvos” para casa logo na primeira ronda dos nacionais de voleibol. As personagens tinham necessariamente de evoluir para alimentarem a esperança de chegar longe no “Torneio da Primavera”. A deles, e a do espectador!
Acontece que este tipo de abordagem não agrada a qualquer fã. Especialmente aquele que quer consumir mais e mais entretenimento, de forma incontrolável, incapaz de apreciar o que está no ecrã a cada momento. Pois bem, a meu ver, são estas mudanças de velocidade na trama, quando bem orientadas, que fazem toda a diferença.
Primeiro, porque aumentam a excitação e a adrenalina do espectador quando as suas personagens favoritas regressam aos courts. Devido à ausência, estes momentos tornam-se ainda mais aguardados, seja pelos duelos, seja para ver em acção os resultados dos treinos. Segundo, porque fazem parte da marca Haikyuu, que sempre procurou essa aproximação com o real.
Por outras palavras, se não existisse este trabalho árduo de treino e dedicação que antecede a competição, perdia-se a consistência narrativa.
Um treino original e apelativo … como sempre!
Na teoria, a palavra “ciclo” é facilmente associada, ou confundida, com o termo “repetição”. A ligação entre ambas é forte, porém, em termos prácticos, as coisas podem ser bem diferentes. Neste último campo, a originalidade conta muito, e Haikyuu volta a não passar despercebido, pelos melhores motivos.
Em Haikyuu To the Top, os campos de treino recebem muita atenção, como já aconteceu em temporadas anteriores. Sem entrar em spoilers, de salientar que estes são “estágios de treino” bem diferentes dos que outrora assistimos. É difícil dizer se para melhor, pois o importante é mesmo o efeito “novidade” espalhado por toda a parte.
Nomeadamente, na aprendizagem e desenvolvimento de novas capacidades no jogo individual dos atletas; na introdução a novas personagens, que prometem dar que falar daqui em diante; na inserção de um ambiente de selecção nacional de voleibol, que deixa novos voos em perspectiva nesta criação de Haruichi Furudate.
Por estes motivos, e mais alguns, o reiniciar de um ciclo que tantas vezes acontece em franquias long run e que, aí sim, são enfadonhos em várias situações, está longe de o ser em Haikyuu. A isto eu chamo reinventar o processo com mestria, de forma a não desmotivar o espectador.
Uma barreira ao consumismo!
Não deixa de ser curioso que, já em análises anteriores a Haikyuu, o fio de escrita levou-me para assuntos além produção. Desta vez não foi diferente. Assim, sem previsão, o meu alvo tornou-se o consumismo.
De facto, esta é uma história imprópria para quem tem mais olhos que barriga. Já depois do que disse em cima, a confirmação surge quando dou por mim a analisar a evolução das equipas de voleibol, com Karasuno em evidência. Uma evolução que ocorre a três passos:
- nos campos de treino;
- no regresso após os campos de treino, quando os jogadores tentam ajustar as suas novas capacidades individuais ao jogo colectivo da equipa que representam;
- como resultado dos pontos anteriores, a comunicação entre os vários atletas intensifica-se, pois só assim é possível ajustarem os seus novos talentos às habilidades dos seus companheiros. Isto claro, para além de precisarem da boca para narrarem as suas aventuras aos colegas.
Ora, numa série “consumista”, tudo isto seria ofuscado e desvalorizado. Em Haikyuu!! To the Top, sem qualquer tipo de receio, torna-se o “prato principal”, que está longe de originar reviravoltas no estômago.
Pormenores? Pormaiores!
Em suma, esta é uma série que tem de ser “degustada” pela fase do ciclo narrativo em que se encontra e pela forma como faz esse trabalho. Se em cima já elogiei fortemente a componente do treino, que ocupa grande parte desta série, viro-me agora para a pouca competição que ela apresenta.
Sem confrontos entre equipas conhecidas ou mediáticas, a riqueza da trama está presente noutros aspectos que à partida nem imaginámos. Concretamente: no impacto da luz do ginásio nas jogadas; na motivação que resulta de se jogar num pavilhão grande ou pequeno; no impacto das claques das equipas nos desportos de recintos fechados; etc … É melhor ficar-me por aqui ou conto a história toda, mas a verdade é que são pontos como estes que dão um brilho a Haikyuu em momentos menos empolgantes e deixam o espectador agradado.
Mudanças na Arte e Animação
Os artigos de primeiras impressões têm destas coisas. Quando aqui apresentei o meu em relação a Haikyuu!! To the Top, referi que “pelo menos aos meus olhos”, tanto a arte como a animação não apresentavam grandes diferenças. Ora, mais à frente, depois de ler algumas opiniões sobre a produção, olhei mais atentamente e realmente constatei que não era bem assim. Artigos prematuros e apreciações prematuras têm estes riscos. A verdade é que ambos os aspectos estão um pouco diferentes, resultado da mudança de responsáveis que foi feita nestas categorias técnicas nesta nova sequela.
Porém, no que toca à sua apreciação, a minha opinião final sobre ambos os pontos mantém-se. Isto é, tenho dificuldade em dizer se as alterações foram para pior ou para melhor. Aos meus olhos, ambos os aspectos continuam extremamente apreciáveis, relativizando esta mudança.
O impacto da abertura dos Burnout Syndromes
Já não é a primeira vez que o grupo Burnout Syndromes dá voz a um opening desta franquia. Todavia, o tema “Phoenix“, que acompanha o vídeo de abertura de Haikyuu!! To the Top, tornou-se o meu favorito.
Estranhamente, isso só aconteceu quando a série já tinha ultrapassado metade da transmissão. Tenho a sensação que o mérito deste meu acordar tardio para a alegria do tema não se deve apenas a ele. Na minha mente, tenho bem vincada aquela imagem da cerimónia de apresentação das equipas nos campeonatos nacionais, com destaque para Karasuno, que surge no opening e me dá arrepios quando combinada com as vibrações desta balada. Portanto, sou levado a concluir que é o resultado de mais uma ligação sentimental que criei com Haikyuu.
De igual modo, quem ouvir a banda sonora de Haikyuu sem ter visto a série não sentirá a mesma descarga de adrenalina que quem a ouve depois do seu cérebro ter feito uma associação da dita cuja com esta história.
Conclusão
Resumindo, Haikyuu!! To the Top corria o risco de desvalorizar a franquia aos olhos de muitos fãs, tendo em conta a alta expectativa que suportava nos ombros, oriunda da sua prequela. Não aconteceu! Muito pelo contrário! Com originalidade e novos desenvolvimentos em algumas das suas personagens mais interessantes, a série conseguiu até estender a passadeira para a ribalta àquela que será a sua sequela.
Da melhor maneira, esta nova adaptação do manga de Haruichi Furudate foi capaz de entreter e manter o entusiasmo dos fãs, apesar de tratar-se do reiniciar obrigatório de um ciclo. Uma fase possivelmente mais apreciada e compreendida por aqueles que practicam desporto e que passam por estas situações.
Mas vou mais longe! Estes momentos, facilmente esquecidos pelo espectador – uma espécie de trabalho invisível – são os grandes responsáveis pelo intensificar da relação do fã com as personagens. O conhecimento do trabalho e esforço de cada um dos protagonistas é o que nos faz vibrar ainda mais com cada uma das suas atitudes, comportamentos e desempenhos nos momentos de disputa nos courts.
A cada episódio transmitido de Haikyuu, a relação entre o espectador e a obra é mais forte! Não foi por acaso que uma boa parte desta análise foi à volta deste assunto. Este aspecto, trabalhado desde muito cedo pelo autor e pela Production I.G, é, na minha perspectiva, um dos pilares fundamentais da história. Um alicerce imprescindível para Haikyuu entrar num leque restrito de criações de grande qualidade. Porque quando não ficamos embasbacados com as jogadas nos courts, ficamos com um sorriso de orelha a orelha pela forma como outras peripécias, aparentemente inocentes, são capazes de nos surpreender da melhor maneira.
Haikyuu!! To the Top – Trailer
https://www.youtube.com/watch?v=XOAnJkU-WZ0
Análises
Haikyuu!! To the Top
Com pouca competição para transmitir no guião, esta quarta temporada de Haikyuu foi capaz de impressionar o espectador por outros motivos e tirar partido de todo o trabalho desenvolvido desde que a adaptação anime ao manga de Haruichi Furudate ganhou forma.
Os Pros
- O desenvolvimento da história, das personagens e do voleibol em todas as suas vertentes
- A arte
- A animação
- O opening
- A banda sonora
Os Contras
- Nada a apontar