>>>ESTE ARTIGO CONTÉM SPOILERS!<<<
Sei que este artigo está atrasado e peço imensa desculpa. O segundo episódio saiu no passado sábado e garanto que o artigo respectivo vai chegar antes do terceiro!
A quem possa interessar:
Esta introdução é exclusiva deste artigo e serve apenas para rapidamente sublinhar o porquê de achar potencialmente divertida a perspectiva de falar de Hataraku Saibou todas as semanas. Ignorando o resultado final, a verdade é que o meu interesse académico, sobretudo desde o secundário, revolveu em volta das Ciências da Vida, área que segui até a conclusão do meu mestrado.
Mesmo que o meu futuro não passe por aí, o interesse permanece e desde a premissa e primeiro trailer que fiquei curioso com o conceito do anime. Alicia-me a possibilidade de aplicar detalhes factuais da biologia a anime, mesmo que se trate de uma série de comédia.
Vamos então começar:
Anime + Biologia = …
Hataraku Saibou – Opinião Episódio 1
https://www.youtube.com/watch?v=U6zxR1eo-n8
One, two, three four… We are Cells at Work!
Aprender sobre o Corpo Humano: O Anime?
Dada a temática e a sinopse, pensei para mim mesmo se Hataraku Saibou! poderia ser a versão “ultra anime” de Il était une fois… la vie (Era Uma Vez… a Vida, no nosso caso). Fiquei agradado com a resposta!
Isto porque o primeiro minuto do anime indica logo, que apesar de toda a confluência de géneros que a série possa conter, a base científica está lá e, portanto, o cariz educativo parece ser um dos prémios da adaptação, como eu ansiava que fosse.
Contudo, atenção, longe de se tratar de uma espécie de seminário, Hataraku Saibou! serve-se da simplificação de termos e conceitos científicos para conceber uma “casca educativa” ao redor de uma divertida e clássica estrutura de história anime.
Posto isto, vejo a série como um catalisador para a curiosidade e até uma potencial motivação para os “miúdos” se empolgarem com a biologia. Se “visualizar” glóbulos vermelhos assim…
… em vez de assim…
… facilitar a alguém a memorização e aprendizagem dos detalhes complexos que envolvem esta célula, penso que é uma vitória para o anime. Não aconselho que saiam do anime diretamente para o exame de biologia, mas posso garantir que estudar estes assuntos pós-visualização do anime, vai ser muito menos custoso. Quem me dera ter isto no meu tempo!
Eu quase fiz um jogo comigo mesmo, pesquisando conceitos para verificar o quanto Hataraku Saibou! acertou e sorrindo depois com a forma inventiva como são apresentados em animação!
Uma Degustação Episódica?
Antes de começar a ver o primeiro episódio, eu escrevi no meu bloco de notas: Episódico vs História Abrangente?
Depois de um opening super alegre, senti que obtive resposta a essa questão (até ver) graças ao título do episódio: Pneumococcus.
A manter-se, esta via de um agente patogénico por episódio parece-me uma excelente decisão. Mesmo que se mantenham alguns temas unificadores em plano de fundo (sobretudo devida a interação entre personagens), creio que a fórmula que melhor assenta à série é mesmo o estilo Monster of the Week, algo que até torna o seu possível rewatch mais viável.
Violentamente Divertido e “Fofo”?
Considerações sobre o episódio em si:
Como é de certa forma habitual quando o ‘setting’ decorre num ambiente irreal, surreal ou um re-imaginar de um “mundo” conhecido, temos a presença de uma personagem POV, neste caso a protagonista da série: uma motivada Red Cell (glóbulo vermelho ou eritrócito) – AE3803 – no seu primeiro dia de trabalho.
Enquanto que muitas vezes a personagem que “representa” os olhos do espetador tem direito a visita guiada no novo mundo, aqui Hataraku Saibou! dá a volta à situação ao apresentar uma personagem inexperiente, que claramente desorientada se perde no local de emprego levando a uma inadvertida exploração do ambiente circundante, preenchendo esse mapeamento com pedaços de comédia.
PS: Gosto do cuidado a introduzir as personagens de destaque: Close up seguido de freeze frame, seguindo-se a narração que além do tipo de célula, indica breves detalhes sobre a sua estrutura ou função.
O corpo vivia em harmonia, mas isso mudou quando os Pneumococcus atacaram! (Imaginem isto na voz da Katara de Avatar: The Last Airbender).
Pontos a ressalvar da “invasão”:
Os agentes patogénicos forçam a ruptura do pavimento, o qual é basicamente a forma como o endotélio (células que forram a superfície interna dos vasos sanguíneos e linfáticos) é representado pela série;
A maneira violentamente “divertida” como os neutrófilos neutralizam (pun intended) a situação – Oldboy style. Já agora, a sua resposta célere sobre os invasores está em linha com uma das suas características: serem os primeiros “agentes imunológicos” a chegar às áreas de inflamação!
(Neste grupo de defensores ‘lixiviados’, destaca-se U-1146, o qual apesar de pálido, parece mais “vivo” que Kurosaki Ichigo.)
Não que seja uma cena monumental, mas gostei particularmente da primeira troca de palavras entre AE3803 e U-1146, por achar que faz uma ligeira subversão da trope do sério bad boy salvador da donzela indefesa.
Inicialmente ele aborda-a de forma fria e austera e mesmo após ela lhe agradecer pelo salvamento, ele pontua isso com estoicismo dizendo: “Não tem porque agradecer. Estava apenas a fazer o meu trabalho” (tom estilo Sasuke, só para referência).
Se a cena ficasse por aqui, seria certamente um exemplo de manual da trope. Contudo, subitamente, temos uma interrupção da banda sonora, um grande plano, e vemos ruir a fachada de “soldado” numa genuína reciprocidade no agradecimento que ela lhe dirigiu!
A cena termina com ela evidentemente cativada por U-1146, que se afasta do local arrastando o cadáver de um “pobre” Pneumococcus.
Pós-incidente vem toda aquela situação que aludi acima da desorientada novata se perder no local de trabalho. E, antes de chegarmos ao seu segundo embate com o enredo A do episódio, há duas desventuras da AE3803 que gostei particularmente:
- Primeiro tenta entrar numa veia e o acesso é-lhe barrado pela válvula venosa, aqui representada por um torniquete tipo centro comercial e um senhor numa mesa de informações (as implicações reais tornam tudo isto mais divertido como uma camada superior de comédia).
- Segundo, após embarrar noutro bloqueio, desespera e entra numa casa estilo século XIX onde uma governanta ou senhora das limpezas (um macrófago ahahahah) lhe indica que ali é o baço (a associação faz todo o sentido, pesquisem)!
É giro ver que manter o tema da inexperiência e desorientação é usado eficazmente como veículo para fazer a protagonista navegar para dentro e fora da história principal do episódio. A sublinhar isto, ela literalmente “esbarra” no vilão “com as calças na mão”.
Mais à frente, quando o bicho escapa aos nossos protagonistas, tive um momento nerd e divertido ao mesmo tempo, quando o receptor do U-1146 entra em cena. A minha descrição para ele é uma espécie de spider-sense em forma de antena, que alude ao real receptor de superfície que os neutrófilos têm. Estejam atentos ao que a glóbulo vermelho diz sobre ele! ahahaha
Alinhando-se então o destino dos protagonistas, o pulmão, a história passeia por mais um momento exploratório embora agora a AE3803 não esteja sozinha o que permite a troca de palavras e evita uma repetição do segmento anterior.
É por esta altura que temos a secção mais fofa do episódio, mesmo para mim que não gosto de crianças: as plaquetas.
As plaquetas, responsáveis pela coagulação do sangue (aqui representada por cimento) têm a aparência de construtores de palmo e meio. Criancinhas adoráveis de idade pré-escolar a transportar escadotes e outras coisas, com uma importante função no organismo. Não estava a contar com a fofura e gostava de vir a perceber se a escolha tem algum significado escondido que ainda não atingi, talvez em opiniões posteriores consiga responder.
Mais pontos a ressalvar das células que são introduzias no episódio:
- Representar a Helper T Cell, Linfócito T Auxiliar (outro tipo de glóbulo branco) num centro de comando a informar que tomaram conhecimento do foragido pelos vasos sanguíneos e avisa que vão mobilizar as Killer T Cells, Linfócito T Killer (nome é praticamente auto-explicativo) é uma forma interessante de retratar a sua função real enquanto mediador da ativação de outros tipos de células de ação mais direta em casos de necessidade de resposta imunitária.
- O explosivo “porta voz” do esquadrão das Killer T Cells fazer uma espécie de twist, revelando à nossa inocente protagonista que ela é um dos alvos primários do vilão! Claro que isto é informação normal para os outros tipos de células mais experientes, que já sabem da característica alfa-hemolítica do Pneumococcus, mas é giro usar a ignorância da AE3803 para dar ao episódio um gostinho de thriller.
Uma vez, duas vezes e, não surpreende que pela terceira vez, a protagonista volte a esbarrar no enredo A do episódio. A revelação é longe de ser surpreendente, mas eu vejo-a como um homage ao tom de terror que o episódio denotou aqui e ali: Ele pensa que esta a salvo e …. BAAM! O “Pneumocenas” sai de dentro da caixa dela qual Xenomorph! Só que a AE3803 não é a Ridley e “borra o chinelo”!
Dado a sua colocação temporal e enquadramento da cena, sabemos que este será o clímax do episódio: o U-1146 aparece novamente, irrompendo por uma saída de ar fazendo referência a mais uma das características dos neutrófilos e inicia-se um feroz combate clássico de anime com direito a bombástica banda sonora.
A forma como o conflito é resolvido denota criatividade, sobretudo a partir do momento em que o vilão fica preso numa esfera de muco. O “berlinde” é então largado num circuito que parece retirado diretamente de um episódio de Tom & Jerry, culminando num míssil chamado SNEEZE ONE! Peço perdão, mas faleci. Como assim os espirros são misseis!!!! Hataraku Saibou! muito bem jogado.
O episódio termina como a despedida cliché que se esperava – “quem sabe se um dia nos voltamos a ver” (não que ideia) – deixando no ar uma nota de destinado romance embora não esqueça as raízes cómicas que dão vida ao anime.
Considerações Técnicas:
Depois de falar sobre todo aquele preâmbulo acerca da vertente científica e sobre o episódio, queria concluir esta opinião com merecidas considerações relativas ao departamento técnico de Hataraku Saibou!:
- Apesar de uma vasta lista de títulos, o estúdio David Production está inexoravelmente associado a JoJo’s Bizarre Adventure. Mais que uma tópica associação, o realizador deste anime é o realizador geral de JoJo’s. Qual o payoff desta associação? As mentes e estrutura associadas a algo tão “bizarro” como JoJo aproximaram-se de Hataraku Saibou! com os materiais certos para fazer o anime funcionar, conseguindo combinar as vertentes cómica e cool numa mistura que só podia sair da imaginação de alguém acostumado a mergulhar no mundo de Hirohiko Araki.
- O estilo de animação, sobretudo no que toca às personagens, é versátil o suficiente para desequilibrar a balança para a comédia ou badassery, quando o guião assim o exige. Sou fã dos sombreados com traços ^_^
- Quando é “forçada” a ser dinâmica, a animação não desaponta sem ser revolucionária. Destaco o confronto final entre o U-1146 e o Pneumococcus como uma sequência de combate divertida e que é mais uma prova a favor da versatilidade que o estilo de desenho empregado tem – combate, comédia e leveza coexistem na mesma tela sem se ofuscarem ou qualquer uma delas parecer deslocada.
- A banda sonora, como sublinhei num exemplo acima, está presente quando o momento chama por ele. Na maioria dos casos, serve eficazmente o seu propósito de acrescentar a uma cena cómica com sons para o efeito ou dar apenas “corpo” à cena que está a decorrer (para exemplo, atentem na cena das plaquetas).
Para finalizar…
Hataraku Saibou! apresentou-se ao serviço com uma energia muito positiva e otimista, assinalável cariz cómico e um potencial educativo muito interessante. Esperemos que a veia episódica geral seja mesmo para manter e com foco em cada vez mais tipos de células. Até à próxima!
PS: É sempre bom voltar a ouvir a voz de Decim de Death Parade! *wink wink*