Helter Skelter Manga – O lado negro do mundo da moda

Há uns tempos o Shonagai desafiou-me a ler Helter Skelter. Queria falar comigo sobre esta obra (manga e adaptação live-action) e, como era um josei, achou que seria algo que iria adorar e totalmente a minha cena.

Acertou (sem querer) na primeira, errou miseravelmente na segunda! De todo que horror e psicológico são a minha cena, mas a verdade é que tanto eu como ele não sabiamos onde nos estavamos a meter…

 

Helter Skelter Manga – Opinião de Raquel Cupertino

 

Helter Skelter – Sinopse

A supermodelo e ícon da moda Liliko encontra-se no auge da sua carreira. Cabeça de cartaz dos anúncios mais populares, convidada a participar em séries televisivas e em todo o tipo de entrevistas e shows. A sua beleza era deslumbrante e estava constantemente na boca do mundo.

Contudo, Liliko esconde um segredo: a sua maravilhosa aparência e feições perfeitas são o resultado de cirurgias plásticas intensas ao corpo TODO.
Toda ela é “criada” por cirurgiões, nada nela é real de origem.

Um dia, o corpo transformado de Liliko começa a “quebrar” e as marcas/efeitos secundários das cirurgias começam a vir à tona. O narcisismo de Liliko não aguenta a ideia de que em breve tudo será diferente, a ideia de envelhecer perambula na sua mente como a Morte. A iminência do fim da vida glamorosa de supermodelo leva-na à loucura enquanto lida com uma indústria onde tudo é facilmente substituível…

 

 

Admito que não estava à espera de ler o que li. Helter Skelter consegue-vos surpreender de formas que vocês não têm noção!

Já li algumas obras sobre moda, uma delas – a mais conhecida – Paradise Kiss que também é um josei. Contudo, a abordagem é bem mais juvenil e explora o lado mais positivo, ou ideal, numa indústria que todos sabemos – ou suspeitamos – que não é tão bela assim.

O mundo da moda é ingrato já por si. Sabemos que existe uma exigência absurda no controlo do peso, das medidas, do quão perfeita tem que estar a pele e o quão não podes ter nenhuma “imperfeição”. Desde adolescente que tenho amigas e colegas de escola no mundo da moda pelo que consigo ter alguma noção do que se passa nos bastidores (pelo menos em Portugal). Mas Helter Skelter dá 1000 passos à frente e desenvolve/critica/explora com minúcia o mundo das plásticas, do exagero, do sexo, do álcool e das drogas dentro do show business, no contexto asiático.

 

 

Helter Skelter Manga – O lado negro do mundo da moda

Liliko, incentivada pela sua manager (a quem ela chama de “Mama“), usa todos os meios para atingir os seus fins, inclusive favores sexuais a diretores do show business. Para ela sexo é apenas uma forma de atingir os seus fins, e é o sexo, a paixão e a idolatração que ela usa e abusa sem qualquer tipo de remorso. É desconcertante ler capítulo após capítulo o quão corrupto é aquele mundo, e ainda mais o quão louca e sem escrúpulos é a Liliko.

 

 

O seu calculismo é parte do “horror” deste manga. Se acham que vão ler um manga em que a protagonista é um pináculo de virtudes, não se enganem. Em Helter Skelter, a protagonista é o produto de tudo o que de mau existe na indústria. A aparência é tudo, viver sem saberem quem ela é, sem a idolaterarem não é opção. Destruir a vida das outras pessoas para atingir os seus fins são degraus na escada da vida.

A linha do certo e do errado é ténue, e não é o propósito desta obra o julgar as suas ações mas o mistério do que virá a seguir na teia de acontecimentos assustadores.

 

 

Os exageros da cirurgia plástica na moda

Apesar da protagonista ser a Liliko, uma das linhas narrativas principais é em torno de uma clínica de cirúrgia plástica.

Makoto Asada é um detetive responsável pela investigação de tráfico de orgãos e da suspeita de abortos provocados para venda de fetos. As suspeitas recaem na clínica de cirurgia plástica que usou Liliko como sua cobaia numa série de procedimentos “inovadores” de transformação profunda do corpo e da face.

 

 

A sustentar a investigação temos uma série de suicídios de jovens que foram intervencionadas pela clínica. Com os corpos cobertos de manchas escuras e alguns desfigurados, as jovens colocaram fim à sua vida após a ajuda ter sido negada pela clínica. Em suma, a manutenção para os efeitos da cirurgia eram caríssimos e a frequência elevada. Sem o pagamento dos mesmos, elas acabavam por sofrer na pele os efeitos secundários dos procedimentos.

Pessoalmente, adorei esta linha paralela à principal. Achei genial como se cruzam e o desfecho realista que obteve. Se acham que vos spoilei, não se preocupem, não contei nada do que realmente irá acontecer.

 

Uma história densa

Helter Skelter é uma obra muito densa em conteúdo. Sinto que estou a escrever bem mais do que o habitual nos meus artigos de opinião mas sei que, no fundo, não estou a dizer nada que comprometa a vossa experiência. Sinto que é algo que vocês precisam de saber antes de começarem a ler.

Até porque o desconforto é real.

Sobretudo os primeiros 5 capítulos, provocaram em mim uma sensação de ansiedade, desconforto visceral. A interação das personagens, o pensamento da Liliko e as suas ações são “pesadas”. Não é um manga para lerem de ânimo leve ou cansados. É um josei obscuro. Aqui o género psicológico é definitivamente prevalente e, reforço, que deverá ser lido por maiores de 18, no mínimo!

 

 

Arte que poderá não agradar a todos…

O manga é de 1995, não é um manga recente e isso reflecte-se na arte. Não sou nenhuma especialista mas leva-me a crer que a arte é até mais dos anos 80. É um traço mais comic, com volume nos lábios, olhos rasgados e pouca atenção ao detalhe nas personagens.

Em comparação temos cenários complexos, e um jogo de painéis impressionante na transmissão das emoções. É como se vissemos uma peça de arte complexa à nossa frente que intercala com arte mais robusta/menos perfeita.
Não sei explicar melhor, peço desculpa por isso. Espero que os exemplos abaixo consigam exemplificar ao que me refiro.

Todavia, há um pormenor que li e acho importante referir quanto ao estilo e desenho das personagens: a autora sofreu um acidente aquando o desenvolvimento do manga pelo que a qualidade da arte foi prejudicada. A autora chegou a publicar uma nota a pedir desculpa pelo sucedido.

Ou seja, se a arte for algo essencial para o consumo de um manga, Helter Skelter poderá não ser a obra para vocês…

 

 

Para quem é Helter Skelter de Okazaki Kyoko?

Acredito que seja para todos os amantes de uma boa história. Independentemente de ser manga ou live action (muito boa adaptação, já agora), a narrativa de Helter Skelter deverá ser lida, conhecida, explorada.

É uma descrição crua, sem floreados ou censura do mundo real. De pessoas reais, de produtos da sociedade, do meio tóxico. Num país tão machista e onde ainda existe tanto preconceito e taboos, Helter Skelter é uma obra à frente do seu tempo. É uma consagração do que existe de desconcertante, perturbador, realista, belo e artístico.
É uma proclamação, um aviso, um pedido de mudança de mentalidades, uma denúncia de um mundo podre – e cada vez mais podre – do vale tudo, do materialismo, do vazio.

Deixo a minha recomendação para este manga que tanto me fez sair da zona de conforto.

Poderão adquiri-lo em português de Portugal, através da Editora Sendai!