Hideaki Anno, criador de Neon Genesis Evangelion, escreveu um artigo para a revista de negócios Diamond, em reação à retenção em estabelecimento prisional do director representativo da Gainax, Tomohiro Maki, no início de dezembro de 2019. Anno expressou a sua simpatia para com as vítimas dos alegados actos de indecência quase-forçosa de Maki e reiterou a prévia declaração pela Khara, distanciando a equipa de produção de Evangelion da Gainax. Escreveu ainda, em detalhe, sobre as circunstâncias nas quais ele cortou os laços com a empresa/estúdio.
Hideaki Anno detalha ruptura com a GAINAX
Hiroyuki Yamaga, a par de Hideaki Anno e de Toshio Okada, Yoshiyuki Sadamoto, Shinji Higuchi, Yasuhiro Takeda e Takami Akai, co-fundaram a Gainax em 1984. Anno escreveu que era, originalmente, uma empresa fundada com amigos com o propósito de criar o filme Royal Space Force – The Wings of Honnêamise. Na altura, ele focou-se puramente em criar e não tinha qualquer envolvimento com o lado administrativo da empresa. Este era o caso mesmo tendo sido ele, no papel, o representante da companhia durante algum tempo.
O sucesso de Evangelion em 1995 marcou um ponto de viragem para a empresa. Até o anime se tornar um sucesso, a Gainax estava à beira de falir e era demasiado pequena para produzir uma série televisiva. De facto, Anno revelou que, na altura, ele havia andado a considerar produzir Evangelion num estúdio diferente, e escolheu a Gainax como estúdio principal, primeiramente, pelos velhos tempos. (Na verdade, apenas três funcionários GAINAX trabalharam continuamente na série, com a maioria da produção a tomar lugar na muito maior Tatsunoko Production.)
Evangelion acabou por trazer tanto dinheiro que ninguém na gestão sabia o que fazer com ele. Anno observa que, no começo, o staff principal que trabalhou no anime não recebeu nada do enorme lucro para além da taxa de comissão inicial, então negociaram com a King Records para receber algum desse dinheiro. De acordo com o mestre, a Gainax continuou a “colher” lucros de Evangelion ao estabelecer negócios de merchandise, enquanto desperdiçava muito do dinheiro em pobres investimentos e projectos fracassados. No que concerne o staff de produção, eles raramente foram informados sobre assuntos do negócio e os seus salários permaneceram baixos.
A severa divisão entre o staff de produção de animação e o lado administrativo culminou na prisão do na altura presidente, Takeshi Sawamura, por fraude fiscal em 1999. Anno afirmou que apenas ouviu falar disso depois de ter acontecido, e de que ele foi colocado numa posição onde teve que publicamente se desculpar pelo sucedido.
Após esse incidente, o presidente da companhia na altura, Hiroyuki Yamaga, pediu a Anno para colocar o seu nome enquanto chefe representativo de forma a que os investidores pudessem recuperar a confiança na Gainax. Ele concordou. A princípio, não se preocupou com as finanças da empresa, mas ao examinar a papelada, apercebeu-se que haviam muitas pessoas na folha de pagamento da empresa, que mal contribuíram com algo. O realizador escreve que isto aconteceu por volta de 2003 ou 2004. Por esta altura, ele começou a pensar em fazer outro anime de Evangelion, porque as suas únicas outras ideias para anime originais lhe pareciam imitações vazias.
Quando se tratou de decidir qual estúdio lideraria a produção dos filmes Rebuild, Anno decidiu contra em fazê-los na Gainax.
Existem várias razões para isto. Seria difícil trazer uma vibe refrescante para o estúdio que o fez no passado, havia outra série TV a ser planeada na Gainax na altura, e os da geração mais nova do staff continuariam a reprimir a sua expressão pessoal por deferência a mim enquanto seu sénior. Mas a maior razão para eu poder controlar o orçamento de produção e garantir que o staff e funcionários pudessem receber os benefícios e retornos que lhes eram devidos.
Anno deixou formalmente a Gainax em 2007, após estabelecer o estúdio Khara. Havia permanecido enquanto funcionário em nome, como favor a Yamaga, mas depois de 2007 não viu mais significado nisso e foi-se embora. Mesmo assim, tinha ainda boa vontade em relação à Gainax e, aquando da organização de direitos para Evangelion, permitiu que a empresa mantivesse os direitos de merchandising da série original, enquanto que a Khara obteria royalties das propriedades nas quais ele esteve envolvido enquanto realizador e/ou criador original. Era, na sua opinião, uma “situação na qual todos saem a ganhar” (“win-win situation”).
Não obstante, o negócio resultou na Gainax receber menos dinheiro da PI (propriedade intelectual) de Evangelion, mesmo à medida que eles continuavam a usar o nome de forma vantajosa. Entretanto, as más decisões negociais do lado do estúdio acumularam-se e, em 2012, eles deixaram de pagar à Khara o dinheiro que lhes era devido.
Depois, em 2014, a Gainax suplicou à Khara por um empréstimo de 100 milhões de yen (aproximadamente cerca de 830 mil euros), dizendo que se eles não recebessem o dinheiro no espaço de três dias “iriam ao charco”. Por ser Yasuhiro Takeda, o seu velho amigo, a pedir dinheiro, Anno concordou em pagar, mas como condição a Gainax teria que transferir os direitos de lidar com o merchandise e as royalties para a Khara um ano antes do originalmente planeado. Fora isso, Anno escreveu que não haviam quaisquer juros ou outras condições no empréstimo.
A Gainax não só não pagou o empréstimo, como também vendeu os direitos para Gunbuster, Diebuster e FLCL, três obras nas quais o staff da Khara havia estado fortemente envolvido, sem dizer nada a ninguém do novo estúdio de Anno. Ele escreve que apenas recebeu as roylaties que lhe diziam respeito por Evangelion, e que até hoje não recebeu as royalties que lhe são devidas por Gunbuster e Nadia – The Secret of Blue Water, entre outras obras. Enquanto isso, a Gainax estava a criar novas empresas, como a Fukushima Gainax (agora Gaina) e a Gainax West, e a fazer negócios dúbios no estrangeiro, novamente sem dizer à Khara. Quando os pagamentos da Gainax deixaram de chegar, Anno foi deixado no escuro sobre o que se estava a passar na empresa e Yamaga não lhe devolvia as chamadas.
Studio Khara vs Studio GAINAX – Cordialidade na Discórdia
Eventualmente, quando Anno descobriu que a Gainax estava secretamente a vender materiais de produção (key animation, storyboards, etc.) dos anime que ele e outros, agora na Khara, haviam trabalhado no passado, decidiu agir.
Eu poderia ter sacudido para o lado o empréstimo que nunca foi pago, mas estávamos ansiosos por preservar os materiais de produção nos quais demos o nosso sangue, suor e lágrimas.
Em 2016, a Khara processou a Gainax por 100 milhões de yen e venceu o caso em 2017. Até hoje, Anno afirma que a Gainax não o contactou com um pedido de desculpas ou explicação pelo que aconteceu.
GAINAX ordenada a Pagar 100 Milhões Yen ao Studio Khara
Yamaga foi o diretor representativo da Gainax até outubro de 2019, quando foi substituído por Tomohiro Maki, um homem que Anno diz não conhecer e nunca ter pessoalmente encontrado. Maki tem sido um director do conselho administrativo da empresa desde 2015. Quando Maki foi preso por alegados actos indecentes, Anno escreveu que a cobertura enganadora desta notícia levou algumas pessoas a assumir que teria sido ele a ser preso. Além disso, relatos enganosos que se referem à Gainax simplesmente como a “empresa de produção de Evangelion” nas manchetes, danificaram a marca Evangelion. Nos dias que se seguiram, alguns negócios que envolviam EVA chegaram a ser retirados devido a estes relatos.
Anno conclui ao expressar a sua decepção pelo facto da Gainax não ter tentado assumir responsabilidade por colocar uma pessoa como Maki numa posição de poder, argumentando que, em primeiro lugar, foram os atuais membros de gestão da empresa que permitiram que esta situação acontecesse.
Estou desapontado, não como gestor numa empresa que lhes emprestou dinheiro, mas como um amigo dos nossos tempos de universidade. E a minha maior decepção é que nunca serei capaz de recuperar a relação que tinha com eles naqueles dias passados.
Fonte: Anime News Network