A chegada dos portugueses ao Japão trouxe não só influências na vida religiosa e arte, como também afetou de maneira direta o percurso da história nipónica. Neste artigo analisamos o contexto histórico japonês deste início do intercâmbio de culturas e a relação entre portugueses e os três chamados unificadores do Japão – Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu.
Quando “chegámos” ao território japonês em 1543, este país encontrava-se num verdadeiro caos político – cerca de 80 anos antes, em 1467, o shogunato Ashikaga perdeu a sua força, levando a que os senhores regionais, os daimyō, ganhassem cada vez mais poder para si mesmos, deixando de haver um governo central efetivo. Tinha assim início o período dos Estados Combatentes, ou Sengoku Jidai (戦国時代).
Dentro destes daimyō, surgiu um, na região de Owari, que acabou por acumular mais poder para si mesmo e conquistar gradualmente boa parte do território – Oda Nobunaga. Quando este chegou em 1568 a Quioto, a então capital, a sua supremacia foi consolidada e tornou-se o homem mais poderoso do Japão (mesmo acima do shōgun, posto este que neste período era mais de “fantoche” do que de facto político).
Nestas conquistas por parte de Nobunaga a participação dos portugueses, ou melhor, do que eles trouxeram, foi de máxima importância. A introdução da espingarda, ou arcabuz, foi um ponto de viragem na maneira como se fazia a guerra no Japão. Foi graças ao uso desta arma que assegurou a vitória na batalha de Nagashino em 1575, o que permitiu um grande avanço no processo de reunificação do território nipónico. Estas espingardas viriam a ser designadas no Japão como teppō.
É dito que Nobunaga tinha uma boa relação com os padres jesuítas, especialmente com Luís Fróis. Não só tinha um grande interesse na cultura europeia que se começava a dispersar no Japão, como também tinha a esperança que o auxiliassem no combate contra seitas budistas que travavam a sua ascensão ao poder. Esta “aliança” não se formou, mas o mútuo interesse entre uma cultura e outra, personificados aqui por Nobunaga e Fróis, permaneceu.
Contudo, em 1582 Nobunaga é levado a cometer seppuku, devido a um golpe de estado protagonizado por Akechi Mitsuhide, um seu general. É assim sucedido por Toyotomi Hideyoshi, que continuou o processo de unificação do território.
Hideyoshi, apesar de ao início ter uma relação amigável com os missionários, gradualmente ganhou receio de que os daimyō convertidos ao cristianismo se unissem contra ele. A esta altura já tinham entrado mais facções do Cristianismo para além dos jesuítas, como franciscanos e dominicanos. Estes, ao contrário dos jesuítas, tinham uma abordagem mais “agressiva” na sua missionação, pregando mais abertamente os seus ideais à população, facto que o terá tornado receoso de uma revolta pendente. Promulgou assim dois Éditos Anti-cristãos, na esperança de os expulsar do território nipónico.
O primeiro, em 1587, não teve grande impacto, pois grande parte do comércio era feita com os Europeus. Também nesta altura Hideyoshi proíbe a posse de armas por parte do campesinato, numa tentativa bem-sucedida de mitigar as suas revoltas e assegurar o seu domínio. Já o segundo, em 1597, culminou no martírio público em Nagasaki de 26 cristãos, tanto missionários europeus como japoneses convertidos. Neste local foi erigido um monumento em honra destes 26 mártires, e estes foram também canonizados em 1862 pela Igreja Católica.
Hideyoshi morreu no ano seguinte, e sucede-lhe Tokugawa Ieyasu, que assume efectivamente o título de shōgun em 1603. Apesar de não aprovar da presença dos cristãos no Japão, ao início tolerava-os por causa dos benefícios que o comércio com eles (nomeadamente com os portugueses, via Nau do Trato) trazia.
Contudo, começaram a chegar ao Japão mercadores holandeses e ingleses, que não implicavam uma vertente religiosa ou de missionação nas suas trocas comerciais. Foi assim conferida primazia ao comércio com estes últimos, dando a justificação necessária para Ieyasu conseguir ter sucesso nos seus planos de acabar com o cristianismo no Japão. Em 1614 bane de vez o Cristianismo, levando à expulsão em massa de todos os missionários e cristãos, sob pena de execução.
Terminava assim o período áureo do intercâmbio cultural entre Portugal e Japão. Um restabelecimento “oficial” das relações entre estas duas nações só viria a acontecer séculos mais tarde, com a Restauração Meiji em finais do século XIX, que pôs fim ao período Edo (que corresponde ao shogunato dos Tokugawa), durante o qual o Japão se fechou sobre si mesmo, recusando estabelecer ligações com o resto do mundo.
Apesar deste final conturbado, este “Século Nanban” deixou marcas profundas na sociedade e cultura japonesa que perduram até hoje, nomeadamente na língua e na gastronomia. Serão estes os temas de próximos artigos, por isso fiquem atentos!