Kuroshitsuji ou Black Butler, trata-se de uma adaptação para o pequeno ecrã do manga com o mesmo nome, de Yana Toboso. Líder de vendas desde a sua estreia, em 2006, era altamente expectável a sua precoce entrada para o mundo da animação. Apenas dois anos, após o lançamento do manga, bastaram para os grandes estúdios A-1 Pictures produzirem a série Vitoriana. Dirigida por Shinohara Toshiya, a franquia começou a se afirmar-se como uma das melhores e mais famosas produções que há memória, dentro do género Shounen.
Kuroshitsuji | A História
Nos finais do século XIX, sobre o reinado da carismática Rainha Vitória, Inglaterra ergue-se negra e misteriosa sobre o olhar atento de uma criança. Ciel Phantomhive com pouco mais de 12 anos governa, não só um vasto império de empresas e domínios, em nome da sua família, como segue a exigente demanda dos seus antepassados: ser o “Cão de Guarda da Rainha”.
Numa viagem ao submundo do crime organizado, Ciel e o seu diabólico mordomo perseguem e exterminam todos os obstáculos à vontade de Sua Majestade, ao mesmo tempo que descobrem mais à cerca dos acontecimentos de há dois anos atrás.
Ambiente e Enredo
O título poderá estranhar a maioria, habituada à divisão estratégica e quase que linear entre estas duas categorias. Contudo é de realçar que nesta obra o enredo caminha de mãos dadas com visual. Não existe uma divisão real entre a narrativa em si e os cenários e caraterizações do ambiente, indumentária e arte vitoriana. A originalidade e mediatismo da obra advém disso mesmo, uma aliança perfeita, onde a temática envolta do próprio design da época é, ela mesma, parte essencial do enredo.
A animação é toda ela um jogo de contrastes. A riqueza explícita no design pormenorizado da época, embarcam-nos numa viagem em pleno período vitoriano. Desde a exuberância representada pelos nobres e burgueses, o fiel retrato da ligação entre patrão-subordinado e todos os jogos e condutas sociais numa sociedade em construção, nada foi deixado de lado nesta fiel reprodução.
Comparada a um verdadeiro guia da época em questão, somos primeiramente presenteados com a mansão Phantomhive. Enorme, requintada, com um mordomo de excelência a servir como interprete de toda a magnificência apresentada, passamos a conhecer desde a indumentária, pratos tradicionais, sobremesas e mesmo conjuntos de louça típicos do século XIX, todos eles caraterizados de forma sublime.
A exuberância da mansão e estilo de vida do Lorde Ciel contrastam com o cenário escuro, o deficit de luminosidade e o jogo de tons enegrecidos da Londres Vitoriana. Uma clara analogia à podridão humana que será objeto de estudo desta maravilhosa obra.
O contrato Faustiniano entre Ciel Phantomhive e Sebastian Michaelis, que serve de catalisador para a narrativa sobrenatural, numa primeira instância é utilizado como elemento embelezador e não como foco principal. Assim sendo, em grande parte da obra, a narrativa é baseada no jogo de poder, inveja e corrupção do mundo dos negócios, onde os meios não justificam os fins e, sem dúvida, escrúpulos não constam no dicionário da maioria dos nobres e importantes famílias do círculo de sua majestade. A relação do amo – mordomo tem como base uma constante troca de insultos e luta entre a soberania física e emocional entre demónio e contratante, bastante semelhante a um dono a domesticar o seu cão, em que o papel do último é rotativo.
Um antagonismo deveras interessante é a presença de Lau como “herói”, ou auxiliar no cumprimento da justiça. Alguém que seria retratado como o pior dos vilões, demonstra ser um meio termo entre a realidade implacável e o “menos mau” com que a sociedade lida diariamente. O pior dos vilões surge, assim, mascarado na ostentação e cinismo da igreja, bem como na cobiçada soberania. Numa sociedade onde nada se rege pelos valores e ideais pressupostos, a podridão humana é enaltecida. Personagens como Elizabeth ou Soma representam o lado puro e inocente do mundo e simbolizam simultaneamente o lado mais frágil e manipulável.
O enredo, todavia, não se desenvolve no mesmo nível que todas as numerosas e rebuscadas personagens. Mesmo o espetador mais desatento apercebe-se de abrupta queda de qualidade narrativa a partir do episódio 15. O decréscimo é tal que, inclusive, foi produzido um remake ( Kuroshitsuji: Book of Circus) onde a adaptação segue o manga original, a partir desse ponto. O desenvolvimento lento e progressivo torna-se um emaranhado de acontecimentos e personagens novas que nada têm a ver com a demanda original. A riqueza e complexidade dos jogos psicológicos, a manipulação sexual e mesmo as cenas de horror e terror, variam do nada ao extremo surreal e horrendo, atravessando para o limiar do nojento e sem nexo.
Em suma, toda a obra poderá ser resumida num complexo jogo de xadrez, onde o Rei controla e sacrifica os seus peões ao seu belo prazer e o seu Cavalo cumpre todos os pedidos e caprichos do seu Rei.
Valerá a pena assistir a esta primeira adaptação de Kuroshitsuji?
O alvoroço aquando do lançamento desta produção não foi ao acaso. Na verdade, poderá ser facilmente justificado apenas pela qualidade da animação. O desenvolvimento fluído e a conjuntura de padrões sempre concordantes com os cenários são um fator determinante para os mais céticos.
Conhecida pelos seus momentos shotacon e constantes insinuações sexuais, Kuroshitsuji consegue unir o melhor do fan-service com uma comédia inteligente e oportuna. Considerado o ex-libris do fan-service yaoi, a franquia cria constantes cenários de duplo significado, o exagero e o planeamento da cena em si é, contudo, utilizado não como algo de sensual, mas como mais um elemento de comédia num vasto leque de figuras e situações que mais se assemelham a uma sátira do século XIX.
A pobre construção do enredo é coberta pelo detalhe e nitidez com que todos os acessórios e figurantes são criados. O visual é sem dúvida o ponto forte desta produção, usado como uma alternativa viável à falta de conteúdo. As sucessivas mudanças de ambiente e trocas de padrões conseguem criar verdadeiras ilusões sensoriais e emotivas que. culminando com uma banda sonora sublime, não deixam ninguém indiferente. Como não podia deixar de ser, numa obra desta magnitude, todo o reportório musical é composto pela mais rica e variada música clássica, desde esplêndidas orquestras a maravilhosos recitais de violino proporcionados por Sebastian.
O trabalho dos Seyuu é, sem dúvida, mais um elemento de destaque em toda a animação. A voz de Sebastian é considerada das mais sensuais e irreconhecíveis vozes no mundo da animação japonesa.
O ponto claramente negativo desta obra, reside em dois fatores: por um lado o exagero na reprodução dos cenários e ambientes mais ediondos, e por outro nos openings demasiado comprometedores que simplesmente destroem qualquer réstia de dúvida face aos mistérios que a mesma sustenta.
Kuroshitsuji | Juízo Final
A facilidade com que nos embrenhamos no redemoinho de peripécias, assassinatos, mistérios, novas personagens e situações quotidianas é indiscutível. O início leve, excêntrico mas sobretudo divertido concedem ao espetador uma agradável produção, sempre com uma piata de mistério e de macabro a cada novo episódio.
À medida que somos transportados para o submundo do crime, novos elementos começam a fazer parte do quotidiano da obra. Como referi em cima, o horror e o repúdio tentarão ser explorados, o que para os mais susceptíveis será um grande entrave à visualização da narrativa.
Assim sendo, para além de terem em atenção que se trata de uma obra com fan-service direcionado para o Boys-Love, procura extrapolar o medo e o repúdio psicótico. Apesar do nicho aparentemente reduzido, não deixa de ser uma obra a constar nos vossos reportórios de grandes animações no universo nipónico. Não se arrependerão de absorver a cultura vitoriana, os verdadeiros jogos de xadrez humanos e toda a dinâmica social e quotidiana da maçonaria Inglesa.
Interessado na franquia? Deixo-te o link para mais artigos da mesma:
Kuroshitsuji Book of Circus – Primeiras Impressões
Kuroshitsuji Book of the Atlantic
Kuroshitsuji Book of Circus inspira marca de calçado
Análises
Kuroshitsuji
Uma narrativa pouco consistente embebida num ambiente vitoriano escrupulosamente retratado.
Os Pros
- Ambiente Vitoriano;
- Banda sonora.
Os Contras
- Fanservice.