Numa conversa sobre antigos animes que passavam no canal Panda veio à baila um que quase me esquecia, “Mahou no Stage Fancy Lala”. Como havia tanta gente que não o conhecia, ou não se lembrava da sua existência, tive de pesquisar e para minha surpresa não sonhei com ele!
Ora isto despertou a minha curiosidade e tinha mesmo de o voltar a ver para saber se era tão mágico como me lembrava.
Mahou no Stage Fancy Lala – Análise
Este anime foi criado pelo “Estúdio Pierrot” em 1998, este foi responsável por vários animes bem-sucedidos que misturavam os géneros Idol e Magical Girl na década anterior à de Fancy Lala. Alguns dos títulos incluem “Creamy Mami” e “Pastel Yumi”, mais tarde o estúdio também foi responsável por outros grandes sucessos dentro do género como “Tokyo Mew Mew”, “Sugar Sugar Rune” entre outros. Ou seja, pode-se dizer que Fancy Lala estava em mãos experientes.
Com nomes que marcaram o género e a indústria Fancy Lala simplesmente foi esquecido no tempo. “Creamy Mami”, um dos maiores sucessos do estúdio, segue uma narrativa semelhante e ainda é recordado, passados anos, como um anime que inovou o género, mas porque será que Fancy Lala não teve tanto impacto como os seus animes irmãos?
Bem, nesta análise vamos perceber os pontos fortes e fracos que poderão ter afastado as audiências deste anime.
A sinopse
O anime acompanha a história de uma rapariga do 3º ano, Miho Shinohara, que recebe poderes mágicos para se tornar numa adulta e desenhar a sua própria roupa. É desta forma que nasce a Fancy Lala, o alter ego adulto de Miho que se transforma numa idol popular.
Miho é filha de um paleontólogo e de uma produtora numa agência de talentos, para além disso tem também uma irmã no ensino secundário. Ela é uma rapariga que sonha ser mangaka e tem uma obsessão com agir de forma madura e ser tratada como uma adulta. Muitas vezes gosta de chamar de imaturo ao seu vizinho e colega Taro e inclusive tem o hábito de falar de uma forma pragmática.
Um dia, foi oferecido a Miho dois peluches de dinossauro por um homem desconhecido de chapéu a qual ela chama Sr. Misterioso. Ao chegar a casa apercebe-se que os peluches estão vivos, estes chamam-se Pigu e Mogu, e oferecem-lhe um caderno e caneta mágicos que lhe permitem desenhar qualquer roupa e esta sair do caderno para a realidade. A caneta, por outro lado, permite-lhe transformar-se em adulta.
Agora que já definimos que isto é um magical girl anime vamos falar realmente do que se passa no desenrolar da história!
A indústria Idol nos anos 90
Não é raro hoje em dia misturar “idol anime” com “magical girl anime”, mas é claro que a indústria na altura era muito diferente da atual. Este anime reflete o trabalho de idol e a ascensão ao estrelato. Apesar de não ir pela rota mais adulta e real da indústria, este anime faz um bom trabalho a representar como alguém se implementa no mercado e a hierarquia que existe entre novatas e estrelas estabelecidas. Miho, como Fancy Lala, é descoberta pela agência “Lyrical Productions” para substituir uma modelo numa sessão fotográfica.
Até ao auge da carreira de Lala esta é posta a fazer trabalhos secundários e a aparecer em programas tardios a fazer publicidade a produtos aleatórios, algo que continua até ela começar a cantar e a ter mais destaque. Na minha opinião creio que, esta faceta idol é pouco mostrada atualmente visto que, a maioria dos idol anime tratam-se apenas de raparigas a cantar e não tanto do showbiz. Para além disso também trata um pouco sobre fãs obsessivos e escândalos de celebridades.
O anime por um lado lembra-me uma versão mais infantilizada ou resumida de “Haruka 17” um mangá que também trata com grande realismo a dificuldade de se tornar uma atriz popular no Japão dos anos 90.
Funciona como Mahou shoujo?
É exatamente nesta faceta do anime que eu encontro a maioria dos problemas. Sim, considero que a premissa parece dar um bom anime que seja fácil de se ver, afinal de contas é uma rapariga do 3º ano que faz roupas e depois torna-se modelo! Mas não, os poderes e a forma como a Miho os obtém são bastante duvidosos.
Comecemos pelas mascotes fofinhas Pigu e Mogu que afirmam ser do Mundo das Memórias do Tempo. Apesar de terem um design adorável e poderes de se transformar em qualquer objeto (como acessórios ou calçado para ajudar a Miho) desde do início que somos obrigados a associá-los com dinossauros reais.
O anime começa com a família da Miho numa aldeia que parece na Era da Pedra que, mais tarde, é atacada por dinossauros gigantes, nesse momento ela acorda e apercebe-se que foi um sonho. Ao decorrer do anime, através de diálogo, começamos a acreditar que estes dinossauros são na verdade o Pigu e o Mogu mas não temos confirmação nenhuma ou motivo! As próprias mascotes têm desconhecimento do motivo pelo qual escolheram a Miho.
Os poderes de Miho
Apesar dos próprios artigos mágicos dados à Miho serem o típico brinquedo atrativo que irá atrair as crianças para comprar, os poderes do mesmo são bastante raros. Quando lhes são entregues o que lhe é dito é que, ela deve desenhar uma roupa e dizer “Largo e Folgado”, isto faz com que a roupa saia do caderno para a realidade, mas, num tamanho de adulto. Depois dizem-lhe para as vestir e com a caneta dizer as palavras mágicas “Recordando as memórias do tempo eu cresço”, para então transforma-se em adulta e vestir as roupas.
Transformação:
Os poderes de Miho não param aqui, mas as mascotes não conseguem oferecer justificação para as restantes habilidades dela.
A complicação dos poderes, a meu ver, prejudica o anime pois, ao contrário de outras séries dentro do género, Mahou no Stage Fancy Lala não se preocupa em explicar o porquê. Isto poderia nem ser um problema se a Miho não questionasse em voz alta constantemente a sua indignação quando estas habilidades surgem.
Simbolismo
(Este tópico contém spoilers. )
“Queres saber sempre o que o amanhã traz. O que o ontem te trouxe, qual o significado”
Esta é das primeiras frases a surgir no anime e creio que resume bastante bem a nossa personagem principal. A Miho de certa forma sempre quis apressar o futuro, parecer e agir mais madura e adulta que os outros e, ao receber os poderes, pode realizá-lo.
À medida que o anime desenvolve vemos a importância e a insistência nesta palavra “Tempo”, afinal de contas está associada a toda a magia da Miho. Nas etapas finais da série é quando toda a evolução da Miho chega a uma conclusão e um entendimento. O anime começa e termina com a mesma questão posta no ar “O que queres ser quando fores grande”?
Apesar de Miho estar confiante na resposta no primeiro episódio, nos últimos ela já não tem tanta certeza, é só quando ela se decide nos episódios finais que tudo chega a uma conclusão.
As últimas frases ditas pelo cabeleireiro e maquilhador de Lala, Komi, a Miho resumem perfeitamente o motivo pela qual ela obteve a magia.
“Sorri Miho, pois daqui uns anos serás a verdadeira Lala”
A meu ver isto é uma história sobre viver no presente e não desejar o futuro imediatamente, pois, este vai chegar. Após uma análise da letra do opening e do ending apercebi-me que desde do início esta mensagem estava a ser-nos passada sublimemente.
O opening retrata a premissa do anime, uma rapariga mágica que esconde a identidade real de Fancy Lala, mas as últimas palavras revelam um fim a esta identidade por algum tempo “Adeus lalala, quero receber-te a sorrir pois sou a Fancy Lala”.
Ela despede-se desta identidade, mas quer voltar a ter, quer receber as pessoas com um sorriso como Fancy Lala, tal como Komi disse, a Miho um dia vai crescer e tornar-se de verdade na Lala.
Opening:
Algumas das letras da canção de encerramento que retratam a lição que o anime tenta passar são:
“Sempre a sonhar, sempre a sonhar de um eu futuro mais crescido”
“Eu quero seguir as coisas que eu amo, mesmo que um dia seja uma adulta ocupada, Quero manter o que mais amo perto de mim à medida que sigo em frente”
A meu ver esta conclusão significa um desejo de sonhar, um desejo de crescer que só se vai realizar se seguirmos em frente e nos mantivermos fiéis ao nosso coração.
Para mim isto é a alma de Fancy Lala… crescer e seguir em frente sem querer saltar passos… viver a infância e o presente…
Ending:
Animação e Som
Em questões técnicas, a animação pode não saltar à vista pois não tem momentos de ação ou de dança elaborada. Mas fico surpreendida pelo pouco uso de repetição da animação de transformação que podia facilmente cortar o tempo de produção.
O anime usa em momentos os planos parados para poupar tempo de animação, mas, pessoalmente, não afetou a experiência pois é um anime bastante realista e, acima de tudo, tomam o seu tempo nas expressões das personagens. Algo engraçado a referir é como mudam o tom de azul quando ela usa extensões para que a audiência perceba que não é o cabelo de Lala.
A composição da música foi entregue a Kenji Yamamoto, responsável pela música de Dragon Ball até 2011 quando se reformou. Falando apenas da música ambiente Kenji faz um excelente trabalho a atribuir instrumentos chaves às personagens e ambientes.
A Miho, ou cenas relacionadas com ela, tem uma orquestração com o clarinete como solista, a música é mais juvenil e de certo modo pop. A Lala, o seu alter ego, tem uma música mais madura focada em saxofones e jazz de forma a marcar a diferença entre os dois mundos. A orquestração e coerência de cada mundo faz com que apenas pelo som o espectador perceba o foco e tom da cena a desenrolar.
Fora de temas associados às personagens ou mundo temos “Eyes of The Rivals”, uma música associada aos momentos mais aterradores do anime, a composição desta música é deverás arrepiante e causa um sentimento de insegurança no espectador.
Eyes of the Rivals:
Mahou no Stage Fancy Lala – Análise
Aspetos Positivos
- A série trata as suas personagens com um certo realismo e charme que as torna cativantes.
- Também desafia os papéis tradicionais de mulheres e pais de família. A mãe da Miho trabalha e tem um cargo alto dentro da indústria de entretenimento. Já é bastante invulgar ver a vida dos pais dentro do anime e ter uma mãe trabalhadora ainda mais.
- O pai de Miho também é bastante interessante! Este é paleontólogo e trabalha de casa a fazer trabalho de investigação. Apesar de achar que isto só serve para ligar a história dos dinossauros à narrativa principal não deixa de ser um trabalho bastante fora do comum!
- Apesar deste anime ter como público-alvo crianças trata temas um pouco complicados. Como já disse: a indústria Idol, mas também trata sobre divórcio, as dificuldades do amor, relações interpessoais entre outros.
Aspetos Negativos
- Outro ponto a apontar é que esta serie é demasiado complicada para crianças e muito simples para adultos.
- O realismo na série acaba por se tornar um ponto fraco devido ao ambiente em que é inserido.
- Como a série é feita do ponto de vista de uma criança do terceiro ano acaba por faltar muitos aspetos realistas da indústria idol. Certas facetas mais “negras” poderiam ser desenvolvidas de forma mais profunda e desta forma apelar ao interesse dos adultos.
- Falta imaginação acima de tudo.
Juízo Final
A serie foi escrita para ter cerca de 50 episódios, mas, devido à pouca popularidade, foi cancelada após 26 episódios.
Creio que isto era uma série com bastante potencial, com um estúdio habituado ao género e um criador experiente, Tomomi Mochizuki, responsável pelo grande sucesso de “Creamy Mami” e imensas outras obras enquanto diretor e guionista. Fancy Lala tinha tudo para ser um grande sucesso, mas a meu ver foi esquecido no tempo de certa forma pela falta de magia e encanto necessários para suceder no ramo
Não deixa de ser um anime bom para ver para aqueles que sentem ansiedade pelo futuro ou têm medo do que aí vem. Existem boas lições escondidas em Fancy Lala mas não creio que deva ser visto como um Magical Girl anime pois pode levar a desilusões por parte dos fãs do género.
Análises
Mahou no Stage Fancy Lala
Uma série que falha como Magical Girl mas sucede a representar os medos e inseguranças do futuro assim como passar boas lições.
Os Pros
- Realismo nas personagens
- Mascotes fofas
- Músicas Pop
- Boa representação dos anos 90
- Nostalgia
Os Contras
- Falta de magia e imaginação
- Falta de aprofundamento no enredo