Apaixonada por shoujo, vivo embrenhada na euforia nostálgica das relações sonhadoras, sem fundo de realidade e com pouco bom senso à mistura.
Estou ciente que nada do que leio em mais um manga escolar é passível de acontecer, e muito menos fidedigno à realidade vivida por adolescentes (e muito menos por adultos). Contudo, tal como eu, acredito que muita gente, sem descriminar os sexos, é igualmente apaixonada por este género.
Muitos mangas já passaram pelos meus olhos sedentos por mais e mais romance trémulo, sem sentido, e com relações na sua maioria, idiotas. No entanto, uma nova fase da minha vida, desta vez adulta, fez-me encarar o romance shoujo de uma forma bem diferente, do que habitualmente fazia.
E foi nessa fase da vida que entrou o manga que irei abordar hoje: Ookami Shoujo to Kuro Ouji.
Mas então, o que me fez voltar a ler algo tão polémico e repetitivo, anos depois do boom que o mesmo protagonizou na minha vida?
Antes de mais, vou esclarecer um pouco do meu percurso por entre as brumas, curvas e entrelinhas deste sub-género literário: eu nunca deixei de ler manga shoujo escolar, apenas deixei de “comer” tanto manga do género. Os meus gostos tornaram-se mais ecléticos, o tempo disponível diminuiu, e a necessidade de seguir apenas as minhas obras preferenciais, levaram a afastar-me das novidades e dos mangas que começaram a povoar sucessivamente os tops.
Recentemente, comecei a seguir alguns mangas de prestígio dentro do género, tais como Orange, Kyou no Kira-kun, Dengeki Daisy e Ookami Shoujo to Kuro Ouji. E é deste último sobre o qual irei refletir, nesta minha minha epifania romântica e nostálgica.
A sua adaptação em anime saiu na temporada de outono de 2014, e curiosa face aos elementos corriqueiros que se via envolvido, decidi comprovar por mim mesma, o estado atual dos animes shoujo escolar. Nada contra o género, muito pelo contrário! Afinal grande parte das minhas obras preferidas são assim categorizadas, no entanto, o meu ceticismo levou-me a uma ausência de anos na visualização do mesmo, encarando-o agora como um ex-amor que pretendo reatar.
Ookami Shoujo to Kuro Ouji – a linha ténue entre o ódio e o amor
O seu primeiro capítulo causou-me uma alergia difícil de conter. Tudo tão vulgar, tão óbvio! Menino loiro lindo, o ídolo da escola, que se assemelha a um príncipe tanto em aparência como personalidade, sempre sorridente e prestável; com menina irritante, ingénua e carente, que busca ser o centro das atenções na sua nova escola.
Os ingredientes certos para mais um shoujo escolar de sucesso:
- rapariga é provocada e mal tratada pelo rapaz perfeito e popular;
- rapariga apaixona-se perdidamente por ele;
- rapaz brinca com rapariga;
- rapaz assume rapariga como sua possessão – diz que não gosta dela mas age como se gostasse;
- rapariga rasteja aos pés do rapaz pedinchando por mais um momento de atenção e carinho do amado.
E bem… foi praticamente assim nos primeiros capítulos!
Para minha felicidade, tão peculiar escolha acabou por me surpreender pela positiva. Em retrospetiva, esta drástica mudança de preferência, fez-me recordar uma alteração semelhante de perceção sobre uma obra: KareKano. Não, não têm nada a ver uma com a outra, mas o salto entre o ódio e o amor foram algo semelhantes.
Mas aí questionei-me: o que me fez gostar tanto de Ookami Shoujo to Kuro Ouji de um momento para o outro?
Os clichés são notórios, existem e perpetuam-se na obra e, até onde li, nada muda a esse respeito. Os protagonistas são completamente diferentes um do outro e as linhas narrativas típicas em torno do namoro repetem-se, tais como o primeiro encontro, primeiro beijo, círculo de amigos e triângulos amorosos.
No entanto, são desenvolvidos de forma diferente e bem peculiar tendo em conta o género. Claro que para os seguidores de Ore Monogatari, ou apreciadores de clássicos românticos como KareKano, o que vou referir não é novidade. Todavia, quando estamos neste mundo há muito tempo, encontrar mais uma obra que descortina, desenvolve e sobretudo desmistifica conceitos e dogmas românticos antigos, é um achado nível Atlântida!
Eu gosto de clichés. Admito, julguem-me, atirem-me aos leões se acham necessário, mas a verdade é que não passo de mais uma jovem apaixonada por romance simples, com momentos que nos aquecem o coração (mesmo sendo tão repetitivos, que sabemos de cor o que vai acontecer ou o que vão dizer mesmo antes de abrirmos a página seguinte), e nos fazem suspirar e sonhar pelo impossível e contraditório.
Como ser racional, tudo o que é demais é exagero, e mesmo no que diz respeito aos clichés, esses cansam-me passado algum tempo. Rapariga apaixona-se por rapaz sex-symbol que pouco lhe liga, repleto de stare moments ou toques desajeitados que terminam em mãos dadas ou passeios à noite sob uma cidade repleta de luzes como pano de fundo, e pronto, o meu limite foi atingido!
Felizmente, tenho tido o privilégio de ler mangas shoujo escolar que fogem ao estereótipo, e que demonstram o outro lado das relações. Ensinam como é namorar com alguém, o porquê de se optar por determinadas ações, e sobretudo os dois lados da relação.
As relações egoístas deixaram de ser categorizadas como as ideais!
Nesta obra vemos o que seria mais uma relação egoísta transformar-se progressivamente numa relação estável, com altos e baixos como qualquer relação amorosa, onde duas pessoas aprendem a respeitar-se mutuamente e a adaptarem as suas personalidades e expectativas amorosas. O contraste dos desejos dos intervenientes leva à rutura de estereótipos onde a rapariga sai sempre a ganhar com a sua ilusão. Erika apenas quer copiar as relações utópicas de qualquer adolescente, as ambições mais básicas, as típicas atividades, o primeiro encontro e as interações com o par. Do outro, Sata é pragmático, completamente descrente face ao amor, não gosta de perder tempo e muito menos fazer o que os outros querem ou acham que ele deve fazer. O realismo e o sonho juntos, de mãos dadas… quando calha.
Para os fãs de Ore Monogatari, um Suna numa relação amorosa com uma típica protagonista shoujo! Felizmente, esta protagonista, ainda possui bom senso. Sendo que aos poucos ela entende o que está mal, e o quão idiota e injusta está a ser. Ao contrário do que acontece, não são as amigas pindéricas ou a inspiração divina que a fazem evoluir, o namorado é o principal motor de mudança! Primeiramente como amigo, e depois como namorado, Sata possui a paciência necessária para explicar e desmistificar todos os dogmas românticos típico das adolescentes. Mas não se enganem, ele não é perfeito nem faz tudo bem, muito pelo contrário, também ele teve que evoluir e adaptar-se ao longo da obra.
Como não poderia faltar nesta estrutura cliché, o grupo de amigos em torno dos protagonistas possui o seu devido destaque a partir de determinado momento. Concomitantemente, entram para explorar as pequenas lacunas narrativas na vertente slice of life da história, com destaque nas amizades, personalidade e objetivos como cerne narrativo, servindo-se de plots device clichés bastante úteis e que sem dúvida funcionam muito bem.
A amizade e o amor são dois temas que pessoalmente adoro, quando retratados com ambiguidade captam desde logo a minha atenção. Para quem tal como eu, adora ler sobre estes temas e vê-los expostos nas mais diferentes situações, sugiro a leitura das obras acima referidas, que creio que vão apreciar.
Mas nem tudo é um mar de rosas neste tipo de abordagem… afinal algo falta nesta linha narrativa cliché… os triângulos amorosos! A mesmice de sempre, o cliché básico dos básicos, a dica mandatária de que a obra vai terminar ou avançar para o next step, a partir do momento em que surgem os antagonistas dos protagonistas: o ex-namorado de um e a personagem random apaixonada pelo outro.
Isso mexe com o meu íntimo, confesso. É o meu ponto fraco, aquilo que me faz desistir de uma obra ou droppar por tempo indefinido. ODEIO quando isso surge, sempre tão óbvio e parvo, “ai não me ligas nenhuma, vou chorar no ombro do outro que faria tudo por mim”, “ai a outra é menos suportável e toda jeitosa, e não gosta de mim como pensas”, e depois ficam chateados, afastam-se e eventualmente voltam quando se apercebem que não vivem um sem o outro e fim.
Porquê? Porquê?!
É que não tem sentido voltarem sempre a tocar na mesma tecla, porque raio haverão de testar relações com a inserção de fatores humanos extrínsecos cuja a decisão dos mesmos entrarem e da sua importância, é apenas decisão dos envolvidos? E que se possuem uma relação saudável nunca iriam entrar dentro daquelas circunstâncias? E por muito que tal até aconteça, porque tem que acontecer sempre? Não tem!
Mas bem, depois de um drop de dois dias, decidi voltar a Ookami e acabei por me surpreender outra vez, não contarei o que aconteceu de concreto para não spoilar, mas bem, não deixou de ser um bom ponto de vista.
Não se enganem ao ponto de achar que sou utópica e/ou extremista que acredita na existência de uma bolha intransponível numa relação. Mas digamos que, os elementos caracterizadores de situações onde os relacionamentos são postos à prova com novas pessoas a entrarem na vida dos intervenientes, são forçados! Mas tudo tão forçado que chega a ser irritante! Agora, o plot twist deste tipo de situações é: se forem realmente bem produzidas dão ainda mais valor à obra! Enriquecem-na a um nível que as diferencia das demais.
O passo seguinte da narrativa, bem esse é o óbvio: o futuro! Como alunos do secundário, universidade ou vida de trabalhado são as duas opções mais prováveis. Ver o desenvolver deste ponto torna a leitura morna, sem grandes clímax narrativos, na sua maioria. Se me perguntarem se já cheguei a esse ponto em Ookami, não, ainda não cheguei, mas já houve um “cheirinho” sobre isso, e tenho a dizer que as perspetivas são boas!
Veremos se continua a surpreender! Quando terminar, aí voltamos a falar!
E vocês, que obra shoujo escolar mais vos tocou?
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Ookami Shoujo to Kuro Ouji | Primeiras Impressões
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