Estreado em novembro de 2016, In This Corner of the World, um drama de época sobre uma jovem mulher a crescer no Japão dos anos 30 e 40, tem acumulado excelentes críticas.
Pouco antes da estreia do filme no Japão, a Anime News Network teve a oportunidade de entrevistar o produtor do filme, Masao Maruyama, um verdadeiro titã da indústria anime. Ele assistiu à evolução do anime durante mais de 50 anos, desde o seu primeiro trabalho na Mushi Pro de Osamu Tezuka, nos anos 60.
Co-fundou o estúdio Madhouse em 1972; quatro décadas mais tarde, fundou MAPPA, o qual produziu In This Corner of the World. Os créditos como produtor de Maruyama-sensei vão desde Death Note até Sakamichi no Apollon, de Monster até Perfect Blue, de Unico in the Island of Magic até Record of Lodoss War.
A entrevista cobriu tanto In The Corner of the World, como a visão alargada da carreira de Maruyama-sensei.
Masao Maruyama – Entrevista à Lenda Viva da Indústria Anime:
Pensa que In This Corner of the World vai apelar a um tipo particular de audiência, em termos de, por exemplo, idade ou género?
Não foi criado para um determinado tipo de pessoa ou lugar. É para todas as gerações, desde crianças a adultos. Este filme é para toda a gente, não para um particular tipo de audiência. Não foi limitado de forma alguma. Penso que será entendido por toda a gente.
Anteriormente, houveram filmes anime sobre a Segunda Guerra Mundial, incluindo Barefoot Gen, Grave of the Fireflies e Giovanni’s Island. O que pensa que este filme alcança que filmes anteriores não conseguiram?
Mesmo durante a guerra, as pessoas tinham que comer, que viver. Tentamos descrever com precisão essa vida quotidiana de uma maneira muito deliberada, mas sem a expandir de um modo dramático. Inversamente, trabalhámos arduamente para descrever, precisamente, esse ponto.
Para alguns espectadores, In This Corner of the World pode parecer muito diferente da ideia pré-concebida do que é anime. Pensa que o filme é um novo tipo de anime, ou pensa que é similar a alguns anime do passado?
A resposta é sim e não. Eu penso que o trabalho prévio do realizador (Sunao Katabuchi), que particularmente retratou a vida quotidiana, foi mesmo excepcional. Contudo, desta vez inclui aventura, não apenas a vida normal.
Katabuchi tem a metodologia de ser capaz de descrever a vida quotidiana como se nada tivesse acontecido, apesar de ser um período turbulento.
O filme é uma história muito realista, mas torna-se fantástico quando o mundo estilizado, pintado pela heroína Suzu, se mistura com as imagens da realidade. Foi mesmo uma estrutura milagrosa.
Katabuchi compreendeu o cerne da história original e concebeu está fantástica visualização. Foi um componente extremamente maravilhoso. Não apenas o retrato da vida real, mas o elemento que sugere alguma espécie de sonho ou fantasia. Penso que é um filme sem igual.
Inevitavelmente, algumas pessoas mais jovens vão pensar que um filme que envolve Hiroshima e a Segunda Guerra Mundial, tem que ser muito deprimente. Existe forma de persuadir pessoas assim a ir ver o filme?
Sim…A personagem do manga original, de Fumiyo Kono, é muito suave e adorável. Eu queria capturar essas características na animação.
Na verdade, o filme em si não contém muitas cenas de guerra. Claro que descrevemos a cena da bomba atómica, mas o ponto interessante deste filme foi que não se passou na cidade de Hiroshima, mas na cidade próxima de Kure, a qual foi, também, muito influenciada pelos resultados da bomba atómica. Kure deu uma perspectiva exterior sobre Hiroshima.
Eu escolhi os princípios fundamentais para fazer este filme. A palavra “Corner” [canto] no título, significa a vista geral de Hiroshima a partir de todo o Japão. Eu decidi que não queria que o filme fosse demasiado negro ou doloroso. Também o realizador tinha a intenção de fazer um alegre e bonito filme.
Trabalhou com muitos realizadores anime famosos. Quais diria serem as principais qualidades de Katabuchi-san como realizador?
Ele é muito investigativo. Ele realmente verifica os factos por detrás da história. Mas não se cinge apenas a esses. Ele tem um olho que antecipa a situação, tanto passada como futura. Mais uma vez, ele pegou na realidade da situação e mergulhou nela. Por isso acho que a sua habilidade é imensa.
Trabalhou, também, com Shinichiro Watanabe, Mamoru Hosoda e Satoshi Kon. Eram pessoas muitos diferentes, ou têm realizadores anime muito em comum uns com os outros?
A resposta é sim e também não. Se tivesse que identificar uma característica em comum, diria que todos eles têm elevado grau de teimosia. Isso significa que todos eles tinham vontades muito fortes e robustas, fazendo com que fosse muito difícil controlá-los. Se eu lhes dissesse que tempo estava apertado ou que o dinheiro tinha escasseado, eles diram apenas “E então”. Eles eram assim.
Para si quais têm sido as mais importantes alterações na indústria anime, ao longo das décadas nas quais trabalhou?
Diria que os aspetos técnicos se tornaram digitais, e a animação desenhada à mão em papel maioritariamente desapareceu. Basicamente, como criadores não mudámos. Simplificando, significa uma mudança de lápis para máquina, apenas isso.
A maneira de pensar e criar não mudou de todo. Eu trabalho num estilo bastante antiquado, e estou sempre a pensar sobre como trabalhar dessa forma.
Fica, por vezes, surpreendido pelos anime que se tornam populares com espectadores e fãs: como, por exemplo, a tendência para as raparigas “moe” fofas, nos anos mais recentes?
Eu não tenho nenhum problema com isso se a audiência acha que é divertido ou interessante. Então, por exemplo, se eu pudesse fazer uma animação com uma personagem moe e recebesse uma enorme audiência, eu ficaria bastante feliz. Eu só ainda não tive a chance de trabalhar em algo assim. Até agora essa oportunidade tem-me escapado. Por isso não penso que esse estilo seja mau.
Contudo, quando os estou a ver na TV todos eles me parecem o mesmo. Por isso penso ser melhor ter um ponto único e para as personagens terem uma força individual.
Pensa que uma pessoa na sua posição pode ajudar a guiar anime na direção que gostaria que fosse? Ou sente-se à mercê de factores além do seu controlo?
Isso é uma pergunta muito difícil. Para mim, dado que tenho agora 75 anos, eu consigo quase ver o objectivo. Estou muito interessado em ver a direção na qual as pessoas jovens vão, mas para mim eu quero apenas manter as coisas boas, mesmo que estas sejam antiquadas.
In This Corner of the World é um dos primeiros projetos filmográficos do estúdio MAPPA, o qual você fundou. O filme reflete uma nova direção para o estúdio?
Não apenas para a MAPPA, eu acho que representa o tipo de projectos que seria bom serem incluídos no mundo da animação Japonesa.
Posso perguntar se existe alguma atualização no que concerne ao filme inacabado de Satoshi Kon, Dreaming Machine?
Não tenho nenhuma informação nova. Eu gostava de o fazer, de alguma forma, mas não tenho como. Eu quero dizer que é como um concerto, onde a estrela já não está em palco. Então, de momento, anda apenas de um lado para o outro na minha mente. Se ele aparecesse na minha frente agora mesmo, eu saltaria sobre a oportunidade, mas ele tem a derradeira razão que o mantém afastado de mim. Então tenho a certeza que seria muito difícil de alcançar.
Como produtor, já se envolveu em vários filmes live-action e se sim, quais são as diferenças? É um mais difícil que o outro?
Definitivamente diferente. Uma personagem animada não tem a sensibilidade na pele que um verdadeiro humano tem.
Somos flexíveis o suficiente para trabalhar em ambos. A animação não tem limites, mas não nos fixamos nisso. Pensamos que é um pouco mais desafiante trabalhar em live-action.
Já me perguntaram, algumas vezes, “Porque não faz filmes live-action?”, especialmente porque somos vistos como sendo puramente criadores de animação.
Sente que para o anime sobreviver, é agora mais importante ter co-produções internacionais, em vez de puramente Japonesas, à medida que se torna mais difícil angariar orçamentos no Japão?
Eu penso que sim. No meu caso, não discrimino entre um filme ser apenas para o Japão ou além-mar. Quando ambicionamos criar obras para um estúdio universal, tenham a certeza (que eles) terão sucesso tanto no Japão, como no resto do mundo. Especialmente uma vez que não discrimino entre um filme que é feito de uma maneira que é melhor para o Japão, contra um que é feito puramente para o mercado estrangeiro. Eu gostaria de representar os assuntos da maneira correcta. É isso que quero fazer.
Não é importante ambicionar por um audiência no Japão. Eu gostaria que tantas pessoas quantas possíveis, vissem tudo o que fiz. Fico muito feliz por toda a gente que vê o meu trabalho, sem obcecar sobre a localização do público-alvo. Eu quero que o apreciem de qualquer das formas.
A entrevista merece agradecimentos especiais a Rod Lopez da GENCO e Jerome Mazandarani da Animatsu por terem possibilitado a entrevista, a Andrew Kirkham e Kazumi Kirkham pela sua fantástica tradução, e ainda a Andrew pelas suas questões extra.
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Fonte: Anime News Network