Provavelmente não devia estar a escrever esta análise/reflexão. Ninguém me obrigou, desafiei-me a mim mesmo a fazê-lo, e, em retrospetiva, é uma ideia estúpida. Neon Genesis Evangelion é uma das animes mais importantes alguma vez criada. Quer adorem a série, quer odeiem a série é impossível negar o seu lugar na cultura, tanto na altura em que saiu como agora. Estreou em 1994 e ainda hoje não parámos de falar sobre ela. Muita gente bem mais esperta e com muito mais experiência que eu já debitou e explorou Evangelion, fosse a queixar-se da série, fosse a falar bem dela. Por isso, que direito ou qualificação tenho eu para vir aqui atirar a minha opinião relativamente a este clássico? Não sei. Mas tenho opiniões. E o pessoal do site disse que eu podia vir para aqui escrever. Portanto, vão aturar isto.
Neon Genesis Evangelion – Robôs Gigantes e Freud
NO DISTANTE FUTURO DE há 2 anos atrás, monstros gigantescos chamados “anjos” começam a atacar o planeta, com o intuito de iniciar um cataclismo gigantesco chamado “Terceiro Impacto” que aniquilará toda a vida na Terra. E, como todos sabemos que a única maneira de lutar contra um monstro gigante é com um robô igualmente gigante, os governos da Terra criam a organização NERV que, por sua vez, cria robôs gigantes chamados Evangelions (EVA para encurtar). Mas estes EVAS só podem ser pilotados, previsivelmente, por adolescentes, e nisso entra o nosso protagonista Shinji Ikari, um rapaz com muitos problemas de confiança e com uma incapacidade nata de se relacionar com as pessoas à volta dele. Assim, podemos assumir que a grande pergunta da série será: “Conseguirá o Shinji ultrapassar os seus problemas emocionais e salvar o mundo?”.
Só que as coisas ficam estranhas…
E depois ficam ainda mais estranhas…
E depois – “Não, esperem.. ficamos sem dinheiro…”
Apesar de começar como uma genérica anime Monster of the Week, quando começa a progredir, Evangelion mostra as suas verdadeiras cores como uma desconstrução e análise do género Mecha e uma exploração psicológica das suas personagens. Não esqueçamos também que o realizador da série, Hideaki Anno, estava a passar por uma bastante profunda depressão, que canalizou para a segunda metade da série. Esta grande mudança é o que torna a série num clássico transcendente e profundo, ou o que a transforma num exercício de pretensão por um realizador que estava a perder a cabeça. Na minha opinião… Viro-me mais para o primeiro, mas não posso dizer que a série passa sem falhas. O diálogo pode ser muito mau na primeira parte quando a série ainda é mais slice of life (e sim, eu percebo que esse seja o objetivo mas o diálogo não precisava de ser assim tão mau) e especialmente quando um travão é colocado no diálogo humano normal, para as personagens dizerem coisas #deep que soam sempre completamente forçadas, como se alguém tivesse feito copiar/colar numa cópia do “Filosofia para Idiotas”. Esta próxima parte será difícil de escrever, porque sinto que me faltam as palavras necessárias para exprimir isto, mas, visto que sou um escritor, terei que fazer o esforço.
Por isso, aqui vai: apesar destas falhas, sinto que Evangelion é uma das animes mais únicas alguma vez feita… mesmo que eu não consiga expressar exatamente porquê. Será pelo ângulo psicológico que toma? A forma como esse ângulo é visualmente mostrado? O facto de vir tudo por aí abaixo no final (lá chegaremos)? Uma combinação de tudo? Não sei dizer. Mas acho que fala por si. Ao acabar a série, ficamos com uma espécie de obsessão estranha, uma vontade de tentar encontrar mais alguém com quem a discutir. A segunda metade da série enraíza-se na nossa cabeça, começamos a pensar sobre se somos como as personagens. Falo a sério quando digo se têm alguma espécie de depressão, a série não é aconselhável e acho que pode mesmo colocar-vos ainda pior.
Neon Genesis Evangelion | Personagens
Ohhhh boy… Se o enredo já foi aquilo tudo, então as personagens…
O problema aqui, é que todas as personagens em Evangelion têm alguma questão psicológica ou fixação ou relação por corresponder.
Tirando este tipo.
Este tipo passa a série ok.
Eu não tenho espaço ou tempo para falar de toda a gente, por isso vou limitar-me às 3 crianças que pilotam os EVAs.
Rei: A maior parte das coisas relacionadas com a Rei têm muito a ver com a história, e por isso com spoilers, mas ainda posso comentar alguns aspetos. A Rei é a cliché personagem calada sem sentimentos que, na primeira vez que vi a série (esta é a minha segunda vez) achei aborrecida e pouco interessante. Há segunda vez, no entanto, comecei a reparar em mais detalhes subtis e pequenos gestos emocionais (ou até grandes gestos emocionais de que me esqueci). Ao longo da série, ela começa a mostrar afinidade pelo Shinji, e até dá alguns sinais de gostar dele, algo que eu gostaria mesmo de ver explorado. Eu acho que esta relação teria sido muito interessante de se ver, tivesse a série ido noutra direção. Só que como não foi nessa direção, a minha opinião final é que a Rei é mais interessante do que eu lhe dei originalmente crédito… Mas ainda assim não me cativa tanto quanto a outras pessoas.
Asuka: Se estamos a falar de best girl, na minha opinião, a Asuka ganha.
Mas mesmo fora disso, eu acho que ela é o contraste perfeito para o Shinji. Ela é extrovertida, confiante, barulhenta e pilotar um Eva é para ela uma questão de orgulho e aquilo que a define como alguém especial e de mérito. Logo, quando as coisas inevitavelmente começam a correr mal, a mente dela começa a desfazer-se aos bocados. Explicar mais que isso constitui spoilers, por isso vou manter-me por “ela tem um passado complicado” e avançar.
Finalmente, chegamos ao nosso protagonista:
Shinji: O Shinji é um fator decisivo relativamente a Neon Genesis Evangelion. Ele é tímido, anti-social, introvertido, queixoso e muito relutante a entrar na porcaria do robô.
Isto para muita gente destrói a série, e alguns recusam-se a vê-la por causa da atitude do Shinji. E eu… Percebo-os. Às vezes o Shinji consegue ser muito irritante ou pelo menos frustrante porque é incapaz de tomar uma decisão como deve de ser ou de simplesmente agir. Ele vai pilotar o robô, ele não vai pilotar o robô, ele foge, ele volta, etc. Mas eu diria que, ao longo da série, o Shinji vai melhorando. Ditas melhoras morrem completamente quando os elementos mais psicológicos da série se começam a manifestar e a arruinar a cabeça de toda a gente mas, ainda assim, eu diria que o Shinji é um protagonista extremamente interessante porque ele é um bocadinho real demais. Os problemas e ansiedades todas dele podem bater um pouco perto demais da realidade para algumas pessoas, especialmente as relações com as mulheres da vida dele. A mãe dele morreu quando ele era novo, por isso as suas… peculiaridades a relacionar-se com mulheres são compreensíveis. Ele sente-se confuso, não sabe bem o que quer, sente-se pouco à vontade com elas e não sabe bem o que fazer mesmo quando a oportunidade se apresenta. Como mencionei anteriormente, isto é notável no caso da Asuka que parece igualmente inocente relativamente ao romance, algo que vemos, por exemplo, na cena em que quando estão aborrecidos, beijam-se para ver como é.
É uma boa cena e mostra tanto os sentimentos da Asuka e do Shinji, como a falta de maturidade emocional por parte de ambos dada a desculpa esfarrapada para terem feito isto.
Aliás, eu até me podia ter poupado muito trabalho e ter-vos simplesmente mandado ir ver a cena do episódio 9, em que o Shinji quase beija a Asuka enquanto ela está a dormir. É o resumo perfeito da personagem, se pensarmos nisso.
Sobre o resto do elenco, digo apenas que é impressionante como conseguiram tornar todas as personagens secundárias memoráveis e que lhes deram mais personalidade que algumas séries dão a personagens principais.
E agora, chega de empatar. Falemos sobre o Elephant in the Room…
Neon Genesis Evangelion | Episódios 25 e 26
Existem algumas teorias na internet sobre o porquê destes últimos episódios terem saído como saíram, porque acho que nunca chegamos a descobrir bem o porquê. Para os que não souberem, os dois últimos episódios de Evangelion são infames por não terem animação nenhuma, serem incrivelmente pretensiosos e no geral não resolverem nada. Há duas teorias que me pareceram mais plausíveis: a primeira, e mais popular, é que como a Gainax gastou o dinheiro todo nas batalhas de robôs gigantes na primeira parte, ficaram sem dinheiro pelo final. E a segunda, a que para mim faz mais sentido, diz que o canal de televisão começou a ficar mais apertado com o dinheiro quando viram que a série estava a ir em direções mais negras e violentas. Qualquer que seja a razão, não muda o facto de estes serem dois dos mais odiados episódios em toda a anime, ao ponto de terem que fazer um filme para os substituir (mais sobre isso eventualmente… se me apetecer). Eu tentei entrar com mente aberta e tentar encontrar alguma coisa com valor artístico nestes dois últimos episódios… mas não dá. O episódio 25 resume os problemas das personagens numa questão de minutos e o episódio 26, se percebi bem as ideias que estava a apresentar, diz que não precisas de te preocupar com as coisas más no mundo porque existem versões alternativas tuas que estão felizes e que a única razão pela qual estás triste e não te consegues relacionar com as pessoas é porque projectas uma má imagem tua. E depois acaba assim:
https://www.youtube.com/watch?v=3NuFVQk_CCs
Wow. Porque é que não me deram antes um pontapé nos genitais e acabavam logo com isso?
Resumindo: Mau final. Avancemos.
Neon Genesis Evangelion | Animação e Design
A partir daqui a minha vida está muito mais facilitada. Ao longo da série, o que se mantém constante é a animação das batalhas. Como a Gainax é um estúdio fundado por Otakus, naturalmente as batalhas têm muito detalhe, a coreografia é boa e a animação é fluida. É notável o realismo das batalhas: como o peso que tudo tem, a sensação de que tudo treme quando os Evas caminham, e até no equipamento básico que têm (uma metralhadora e uma faquinha). De resto… varia. Geralmente a animação é boa, mas, para além dos últimos episódios, eles começam a abusar da frame parada um bocadinho demais. Veja-se o exemplo:
https://www.youtube.com/watch?v=P3IK8qTGL_I
Os designs são bons. O look magro e mais humano dos mechas é definitivamente distinto e o design de toda a gente é bastante memorável e têm todos detalhes que ajudam a distingui-los. Os anjos vão de vagamente humanóides para figuras geométricas.
A maior queixa é mesmo quando o orçamento ficou apertado e eles começaram a fazer pequenas batotices para poupar. Fora isso (e claro ter um ar velho, visto a série ser de 1994), a animação é muito boa.
Oh e há a questão das imagens religiosas que a série usa. Estão a ver aquelas imagens religiosas que fui deixando ao longo da análise? O significado delas é o mesmo que o significado do simbolismo religioso na série.
Neon Genesis Evangelion | Som
A atuação é muito boa no original, todas as vozes são perfeitas no original e toda a gente sabe exatamente o que está a fazer. A dobragem não presta. Foi feita numa altura em que as dobragens em inglês ainda eram más e, apesar de apreciar alguns detalhes como darem mais expressões em alemão à Asuka, garanto-vos que não vale a pena. A única razão dos clips estarem em inglês é porque foram os únicos que encontrei.
A banda sonora é muito boa. É composta de música orquestral, que dá à série o feel de um filme de Hollywood. A mais notável é a música Decisive Battle que toca durante a maior parte das batalhas e tem uma parecença estranha com a música “007 takes the Lektor” do filme “From Russia With Love”
https://www.youtube.com/watch?v=lVwp328Nmps&t=70s
A música de abertura é extremamente popular e dificilmente será preciso dizer muito sobre ela. O tom mais de Jazz é agradável e é uma das minhas preferidas, mesmo que a letra esteja a falar de alguém que é basicamente o oposto do Shinji. Good stuff, nonetheless.
https://www.youtube.com/watch?v=t-QSmNReDyI
Neon Genesis Evangelion | Pensamentos Finais
Neon Genesis Evangelion nem sequer precisa de uma análise. Foi popular quando saiu em 1994, e ainda hoje não parámos de a discutir. Desta pequena série, saiu um franchise que perdura ainda hoje com manga e, claro, os filmes “Rebuild”. No entanto, mesmo com todo este hype por detrás, posso dizer com certeza que Neon Genesis Evangelion ainda hoje não perdeu o lustre. Venham pelas lutas fantásticas ou pela vertente psicológica das personagens, garanto-vos que não sairão desapontados (a não ser que venham só pelas lutas, nesse caso a partir do meio da série vão ficar desapontados).