Isto não é uma análise, não terá spoilers, não terá nota final.
Pretendo que este conjunto de palavras se converta numa carta de despedida, ou que pelo menos seja o desabafo que me permita ter closure após ter assistido a Hibike! Euphonium.
O Sopro de Vida que é Hibike! Euphonium
Há muito que refiro o void, a sensação de vazio interminável que se abate quando acabamos de assistir, ler, ouvir algo transcendente, algo que, com o seu fim, deixa um espaço que parece impossível de preencher e nos marca indelevelmente.
Isso foi o que me aconteceu assim que se “extinguiam” os últimos segundos do anime, assim que me apercebi que o completar da história significava a interrupção de mim enquanto voyeur emocionado de todas as personagens que durante a última semana e meia acompanhei tão intensamente.
Há tanto para dizer, mas quase impossível de traduzir por palavras, de tal forma que me vou centrar essencialmente em três tópicos: personagens, encabeçadas pela nossa narradora/protagonista Kumiko Oumae, realização/animação por parte da Kyoto Animation e, claro está, música e som.
Vamos então a isto, esperando que no final do artigo, dizer adeus seja um bocadinho mais fácil…
🎶Kumiko Oumae lidera um Magnífico Ensamble🎶
Como a protagonista de Hibike! Euphonium, como narradora da história ao longo dos seus três anos na Escola Secundária de Kitauji, talvez o maior elogio que posso fazer à Kumiko é que ela é, muito provavelmente, das personagens mais reais que o mundo anime me proporcionou em quase 30 anos desde que comecei a assistir.
A Kumiko não é uma génio do instrumento, não irradia carisma, não tem um fervor pela música que a faça ir mais além que os demais, nem é uma motivadora nata, nada disso. E, ainda assim, esta adolescente, cheia de dúvidas sobre o seu futuro, cheia de dúvidas no seu presente, com um ambiente familiar bem comum, com uma vida escolar cheia de problemas conhecidos, consegue através da sua honestidade e da sua quase inesperada percepção – até para ela mesmo – reunir pessoas à sua volta, e ajudá-las a elas mais do que a si mesma até.
É uma protagonista que vemos, genuinamente, crescer ao longo da adaptação, ao longo dos três anos do secundário, tal como se estivéssemos que nem olho no céu, a acompanhar o crescimento de uma filha, irmã, neta. Este tipo de sentimento abarca outras personagens que em largos momentos ocupam o lugar sob o holofote, mas não deixa de ser impressionante como isso irradia da nossa protagonista, já que tudo o que vemos e sabemos chega até nós através dos seus olhos curiosos.
E falando em abarcar as demais personagens, sem spoilers, digo que vou levar para a vida as interações, conversas e momentos de crescimento da Kumiko com: a Reina, a Asuka-senpai, a Nakagawa-senpai, o Suuichi, a Kanade-chan, a Yoriizuka-senpai, a Mayu, o Taki-sensei e, seguramente não menos importante, a irmã Mamiko Oumae.
Cada uma destas personagens merece o devido destaque, e várias outras que só deixo por nomear para não abrir demasiado o jogo, já que há tantas boas interações entre o vasto e diferenciado elenco de Hibike! Euphonium. Já tenho saudades de todas as personagens, mas acima de tudo, da Kumiko.
🎶Kyoto Animation, ‘what else?’ 🎶
Nunca vou olhar para uma produção visual, sonora ou escrita – artística portanto – como um dado adquirido. Recuso-me a fazê-lo para cada forma de arte, olhando sobretudo para anime e manga como uma dádiva do Japão para o mundo. Por muito que queiramos que esta arte se difunda pelo mundo, o que vai acontecendo cada vez mais, no fundo sabemos que nunca será um veículo de emoções para toda a gente. Mesmo para fãs de anime, uma mesma obra pode fazer cada um de nós sentir coisas bem diferentes.
Este preambulo todo foi para poder falar da Kyoto Animation. Sempre olhei com respeito e ilusão para as produções do estúdio, bem antes de saber mais sobre os métodos de produção e ética de trabalho. Ainda assim, anime após anime, mesmo que esteja à espera daquele cunho KyoAni, conseguem sempre surpreender-me.
Para alguém que já viu: K-ON!, A Silent Voice, Haruhi Suzumiya (série e filme), Tamako Market e Tamako Love Story, chegar a Hibike! Euphonium e ainda ser arrebatado desta forma, é claramente o sinal de um cuidado e amor especial, levado a cabo por pessoas que depositam a sua sinceridade, criatividade e paixão em cada etapa da produção.
A beleza da animação e design de personagens das produções do estúdio são reconhecidas pelos fãs em geral, ainda que muitos o apelidem do estúdio do moe ou das meninas fofas. Contudo, isso é tentar assistir a um espetáculo atrás de uma cortina, baseando-se apenas no diz que disse. Assistir a uma produção da KyoAni é uma experiência sem igual, que vai para além do design e da “beleza”.
Hibike! Euphonium excele nos momentos musicais, obviamente, amplamente elevado pela produção musical. Ainda assim, senti ainda mais fulgor e ardente sentimento nos momentos de “silêncio” do anime. Há um domínio de cada frame e sequência, um equilíbrio de luzes e cores que nos fazem transportar diretamente para o meio de uma rua do anime, de um festival, de um trilho a caminho de um templo.
Disse isto a um amigo mas, se acordasse amanhã de repente na porta de entrada da escola secundária de Kitauji, saberia que caminho percorrer para chegar à sala de música no último piso da escola. Isto deve-se ao facto de ao longo do anime, ao mesmo tempo que nos familiarizamos com as personagens, familiarizamo-nos também com o espaço envolvente. Não é um cenário vazio de diorama, é uma cidade pulsante, é uma escola vibrante, são casas a brotar de personalidade e de evidências de que “pessoas bem reais” lá habitam.
Kyoto Animation, what else?
Pensar que depois da tragédia poderíamos nunca mais poder experienciar algo da KyoAni deixou-me um nó na garganta. Dissipou-se, felizmente, quando assisti ao terceiro filme, Hibike! Euphonium Movie 3: Chikai no Finale e depois à altamente antecipada terceira temporada. A KyoAni regressou, com grandes cicatrizes emocionais e não só, mas voltou, cheia de fulgor e com muito “amor animado” para todos nós.
E se eu pensava que não podia adorar mais este estúdio e este anime, reparem neste detalhe:
They drew the staff who passed away from arson (Kigami, Ikeda, Nishiya, and many others) in the audience seat, cheering with many other Kitauji members 😭😭😭 https://t.co/mI8YYV6NJe
— Helmi Aziz (@helmiazizmuh) July 3, 2024
🎶O que é a Vida sem Música, não é?🎶
Apesar de sentir que o que nunca me permitirá esquecer Hibike! Euphonium sejam as suas personagens, o seu crescimento, as suas dificuldades, conversas e reconciliações, a verdade é que tudo isto se pauta e se rendilha em volta de música. E de que forma linda trata a música.
Sobre os aspectos mais técnicos da música, falei com um dos meus melhores amigos, que é um músico incrível e de formação irrepreensível, que me assegurou com surpresa e alegria que os dedilhados e notas vistos no anime estavam no ponto, assim como isso se traduzia na execução das peças musicais no anime. Em termos de design dos instrumentos e todo o aspecto mais instrumental da obra, também isso estava no ponto.
Portanto, com este selo de ouro, só me falta falar da emoção e do som. As peças escolhidas são todas uma delícia, mas é nas peças livres escolhidas para as competições que vemos como uma narrativa pode ser alimentado por algo que aparentemente parece irrelevante – algo que acontece de forma mais pronunciada em ‘Liz to Aoitori”. Não só a música serve para desencadear conflitos e construir obstáculos, é também a âncora para crescimento e superação das personagens.
Como falei acima, a Kumiko não é um prodígio do eufónio, mas após anos e anos de estudo, é uma jovem profissional bem capaz, que se vê impelida a melhorar após conviver com pessoas com sonhos e convicções mais ardentes que a dela. E esse crescimento é audível e visível ao longo de toda a obra, acontecendo o mesmo com outras personagens – como por exemplo a Mizore Yoroizuka, cuja mestria do oboé é incontestável, mas cujo brilho sonoro ganha outra luz ao fim de um merecido desenvolvimento.
Por isso, se de facto gostarem de música, até este ponto está perfeitamente tratado para que saiam deste anime com um sorriso nos lábios e umas quantas melodias na cabeça.
Soa! Eufónio
Antes de escrever este texto, disse para um amigo meu sobre ter terminado Hibike! Euphonium e estar bem fundo no void:
Um 10 não se dá com a cabeça, sente-se.
Disse-o sem pensar e quanto mais pensei sobre esta frase, mais me apercebi o quão verdadeira é para mim. Eu sei que este texto e este anime não será para todos, mas se pelo menos alguém olhar com curiosidade para Hibike! Euphonium por algo que eu disse, então já valeu a pena publicar esta “carta de despedida”, em vez de a guardar dentro de mim.
Ainda não sei bem como, mas sinto no meu âmago que este anime criou um impacto na minha vida que me fará revisitá-lo vez após vez.
Nunca subestimem o poder da arte. Nunca deem por certo o quanto algo vos pode marcar de uma forma tão positiva e inesperada, que vão desejar poder vivê-lo pela primeira vez. Talvez para vocês esse algo não seja Hibike! Euphonium, ou talvez sim.
KITAUJI, FIGHT-OOOOOOOOOOOOOOOOOO!🎶