A obra Orange da mangaka shoujo Ichigo Takano, estreou no ano de 2012 e terminou em agosto deste ano, tendo-se comprovado bastante popular, apesar de ser relativamente curta comparativamente às habituais mangas shoujo. De apenas 22 capítulos, tentou marcar pela diferença, terá atingido o seu objetivo e conseguido conquistar um público para lá da demografia utilizada?
Toda a gente possui arrependimentos na vida. Quem não aceitaria a oportunidade de mudar o passado se o pudesse fazer? Quando a jovem de 16 anos Takamiya Naoh recebe uma misteriosa carta, alegando ser da sua versão com 27 anos, a sua vida dá uma reviravolta. A carta diz-lhe para manter sobre vigia o novo estudante, chamado Naruse Kakeru, que irá-se juntar à turma.
Mas porquê?
Naho terá que decidir o que fazer com a carta e com o seu alerta secreto, e sobretudo, o que isso significará quer para o seu futuro, quer para o de Kakeru.
Com poucos capítulos, comparativamente à grande maioria das mais populares obras do género shoujo, Orange dá destaque sobre vários pontos. Numa primeira instância, ao leque alargado de personagens principais, numa segunda, à carga dramática sustentada pela mesma, transformando Orange num verdadeiro marco do shoujo contemporâneo.
Grande parte do sucesso da franquia deveu-se sobretudo à premissa original. Nela podemos encontrar um cruzamento de dois géneros raramente associados, romance escolar sob uma base de ficção científica. A estranheza face a estes dois conceitos, à partida tão dispares, dissipa-se pouco depois de iniciarem a leitura.
A construção narrativa é o ex-líbris da obra. Desde as primeiras páginas é-nos fornecida a dose certa de informação, no momento em que é mais oportuno fazê-la, fomentando a construção sucessiva de um puzzle repleto de mistério. A dúvida e incerteza das linhas narrativas é uma constante. Apesar de toda a premissa seguir o estereótipo base de um romance shoujo, a desconstrução dos clichés narrativos leva a que cada passo seja uma novidade difícil de prever e sobretudo, escolher.
Personagens tipo a quebrar padrões
Em Orange temos acesso a uma palete recheada de personagens tipo de shoujo só que… Dotadas de evolução!
Confusos?
Pois bem, a maioria dos grupos de amigos em obras do género shoujo são constituídas por uma protagonista sensível, doce, ingénua e tímida, incapaz de fazer nada por vergonha ou receio. As duas melhores amigas da protagonista: a popular e extrovertida e a mais “cool” e sossegada, sempre com pose de adulta. Depois há ainda os amigos do protagonista: o jogador de futebol popular e o intelectual marrão. Até aqui nada de novo. Agora re-imaginem essas mesmas personagens mas capazes de, sem alterarem a sua personalidade, modificarem os seus comportamentos, fruto de um crescimento e maturidade progressivos. Onde o facto de serem tão ingénuas e vazias, numa primeira fase, leva-as a cometerem erros crassos com consequências desastrosas, e que para os resolverem terão que ser pragmáticos, racionais e a cima de tudo, humanos que crescem e aprendem com os erros!
O leitor acompanha passo a passo todo o crescimento, os erros, as tentativas e evoluções de pensamentos e ações por parte dos intervenientes, tudo mesclado por entre uma penumbra de acontecimentos que passam despercebidos aos olhos de quem segue o dia à dia dos cinco amigos. A louvar está, sem dúvida, a forma cuidada e coerente com que as problemáticas urgem e culminam num tão glorioso desenvolvimento.
Como pináculo narrativo, cada capítulo tem uma ligação com o futuro, onde os acontecimentos do presente são enaltecidos, suscitando um sentimento de cumplicidade e exasperação no leitor, quase como que incumbindo-o da mesma demanda que os protagonistas.
Orange é assim, uma pintura romântica totalmente restaurada e melhorada por um autor que sabe o que faz.
Duas vidas paralelas e um romance sustentado por teorias de ficção científica, conseguirão desenvolver algo coerente?
Mas será tudo bom em Orange? Não exatamente. No geral é sem dúvida dos melhores shoujos que já tive o prazer de ler/ver, contudo existem falhas, aspetos que poderiam ter sido limados. A história é um conta-relógio, sabíamos que teria um final e que os acontecimentos iriam culminar em determinada data, contudo, tratando-se de uma história com duas linhas temporais torna-se complicado e um tanto ou quanto apressado, coordenar dois mundos em poucas páginas, sendo que muitos pontos da componente de ficção científica ficaram em aberto.
Ambiente | Orange
O design de personagens é extremamente bonito e doce, é impossível não nos sentirmos enternecidos só de olhar. Contudo, o brilhantismo da obra atinge outro patamar bem longe da beleza do traço: na coerência com painéis vs pontos de vista dos vários intervenientes. Tendo em conta que se trata de uma obra com seis personagens principais e um par romântico significativo, é fulcral a existência de um equilíbrio constante entre texto e imagem.
Um fenómeno frequente em Orange é o recurso à imagem espelhada, ou seja, temos a ação de uma personagem, reproduzida sobre o olhar do mesmo, e de seguida a mesma cena, sob o ponto de vista do outro. Levando-nos não só a compreender ambos os lados, como a mimetizar a nossa presença dentro da própria cena.
O ambiente traduz uma grande noção do espaço bidimensional, recriando a sensação de que olhamos em profundidade para uma determinada ação, sob os olhares dos intervenientes na mesma. Em suma, o ambiente imersivo produzido pelo efeito narrativo-visual para além de recriar e intensificar a mensagem subentendida, enaltece emocionalmente toda a composição narrativa.
Os cenários são dotados de realismo sem o habitual efeito de brilho em demasia, nem o recurso exagerado a ilustrações de aspeto infantil e romântico, sob o artifício de estrelas e corações no plano de fundo.
Juízo Final | Orange
Obras de romance a serem adicionadas aos nossos reportórios nunca são demais, contudo a fadiga e aborrecimento pelos clichés sucessivos de romances escolares afastam os leitores mais experientes. Em suma, a partir de certo ponto a repetição de cenas, personagens e sobretudo construções narrativas saturam as mentes mais curiosas e fugazes. Para quê ler algo repetitivo se podemos saltar para outros géneros onde a probabilidade de encontrar algo original e apetecível é muito superior?
Orange surgiu e venceu! Com pouco mais que 3 anos e apenas 22 capítulos, a obra alcançou o estrelato. Considerado dos melhores mangas da atualidade, admito corroborar com maioria: Orange é realmente muito bom!
Para quem gosta de shoujo e já possuiu algumas obras no seu reportório, esta é sem dúvida uma obra a adicionar. O autor manobra com mestria e genialidade os elementos padrão, recriando-os sob o seu ponto de vista e adaptando-os ao enredo, criando uma narrativa deslumbrante, que apaixona a cada novo capítulo. Contudo, para quem nunca leu nenhuma manga shoujo escolar ou possuiu pouca experiência nesse subgénero, não sugiro que iniciem com esta obra, primeiro porque dificilmente compreenderão a genialidade do criador, segundo porque dificilmente encontrarão outros shoujos de qualidade igual ou superior a este.
Apesar da ternura e romance implícitos, trata-se de uma manga de conteúdo emocional forte, não devendo a sua leitura ser encarada de ânimo leve e muito menos com desleixo.
Ainda assim, as expetativas devem ser comedidas, sobretudo na componente de ficção científica. É uma boa obra, mas longe de ser perfeita, e para os mais exigentes admito que é algo que fará muita “comichão” no momento em que as explicações, onde poucas, são dadas.
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Análises
Orange
O romance sobre arrependimento e opções chegou e conquistou! Sabe mais sobre Orange de Ishigo Takano, uma das obras mais famosas do momento!
Os Pros
- Conceito;
- Construção narrativa.
Os Contras
- Elementos pouco desenvolvidos e não explicados.