No catálogo da Netflix Portugal encontram-se disponíveis todas as longas-metragens de animação produzidas integralmente pelo estúdio japonês Ghibli até ao ano de 2014. Como muitos um pouco por todo mundo, que ainda não haviam tido oportunidade de ver ou rever os filmes da casa Ghibli, aproveitei e aumentei a minha lista pessoal na plataforma de streaming.
Pom Poko – Antes de Mais, Não Somos Guaxinins!
Entre os títulos que estão à minha espera surge o filme que em Portugal é conhecido como Pom Poko: A Grande Batalha dos Guaxinins. Porém, ao olhar para o poster e as imagens de apresentação do filme não vejo guaxinins, mas uns animais parecidos a estes, na medida em que se podem identificar facilmente como mamíferos felpudos e têm as características manchas pretas em redor dos olhos; o problema era aquela cauda curta e unicolor e a ausência de pelagem cinzenta!
Acontece que o título original da obra realizada por Isao Takahata é Heisei Tanuki Gassen Ponpoko, algo difícil de traduzir directamente para português e que, no entanto, nos revela que os protagonistas são os tanuki e não os guaxinins ou, em japonês, araiguma. Não, as duas espécies não pertencem sequer à mesma família.
Heisei Tanuki Gassen Ponpoko (Pom Poko) | 1994
O guaxinim, de nome científico Procyon lotor, insere-se na família dos procionídeos, mamíferos que se caracterizam pelo tamanho pequeno ou médio e pela dieta omnívora, onde também podemos encontrar os quatis. Nativo da América do Norte, o guaxinim é um animal inteligente, de hábitos nocturnos e extremamente curioso, havendo quem quase os domestique.
O sucesso de Araiguma Rasukaru e a inserção dos guaxinins no Japão
Foi como animal de estimação que esta espécie entrou no Japão, tudo graças a um anime. Araiguma Rasukaru, uma série infantil dos estúdios Nippon Animation estreada em 1977 e inspirada no romance autobiográfico do escritor norte-americano Sterling North, Rascal, A Memoir of a Better Era, acompanhava as aventuras de um rapazinho que cuida dum pequeno guaxinim encontrado nos bosques.
O grande sucesso do anime gerou uma procura por guaxinins que eram, na grande maioria, oferecidos a pequenos fãs da personagem Rascal por pais que não teriam lido o livro de North nem acompanhado a série televisiva. O guaxinim é bastante difícil de manter num ambiente doméstico e limitado, pelo que muitos dos milhares de exemplares importados para o Japão fugiram, foram abandonados ou… libertados. “Libertados”?
No final de Araiguma Rasukaru e do romance original, o dono de Rascal percebe que não é justo manter em cativeiro um animal selvagem que nasceu totalmente livre, acabando por decidir libertá-lo numa área densa de bosque. Muitas crianças e jovens japoneses terão seguido o exemplo do rapaz, o que veio ajudar a expandir a população nipónica de guaxinins.
Guaxinim em Estado Selvagem
Décadas mais tarde, este animal permanece uma espécie invasora no Japão que pode ser encontrada em meios rurais e urbanos e provoca anualmente danos agrícolas que ascendem aos vários milhões de ienes…
Quem já se encontrava perfeitamente instalado no Japão antes do advento da era contemporânea era o tanuki, um animal nativo do país, no geral nocturno e que, possivelmente por ter algumas semelhanças físicas com o guaxinim com o qual estamos mais familiarizados no Ocidente, tem como nome comum cão-guaxinim japonês (Nyctereutes procyonoides viverrinus).
Trata-se duma subespécie do cão-guaxinim natural do leste asiático, um canídeo cujo primo mais próximo é a raposa, e apresenta uma pelagem que mistura castanhos com preto. Apesar do elevado número de mortes por ano em acidentes rodoviários em solo japonês (mais de 300 000), da caça motivada pelo seu pêlo muito suave e do território roubado pelos guaxinins, o tanuki não é um animal ameaçado, estando até presente como espécie invasora no leste, norte e centro da Europa.
Cão-Guaxinim, Tanu ou Tanuki
Na cultura japonesa também podemos encontrar o cão-guaxinim, principalmente sob a denominação bake-danuki, recriado em diferentes formas de arte. O tanuki mitológico é um ser sobrenatural (yōkai) que consegue assumir a aparência de outras criaturas e tem uma natureza ardilosa e bem-disposta.
Geralmente é representado como um animal rechonchudo de olhos grandes e esbugalhados que caminha sobre duas patas, usa chapéus e sandálias waraji de fibra de palha, aprecia o sakê, usa a barriga como um tambor e tem uns grandes testículos que pode moldar e esticar de maneira a formar bolsos, casacos, etc.
As primeiras referências ao bake-danuki datam do século VIII, quase no final do período Nara: num dos mais antigos livros de História Japonesa, Nihon Shoki (Crónicas do Japão), os tanuki ganham forma humana e cantam.
Tanuki em Anime
Actualmente continuamos a ver os tanuki em diversos meios, incluindo o anime. Pense-se na série BNA: Brand New Animal do estúdio Trigger, estreada na Primavera de 2020, protagonizada por uma rapariga que, de um dia para o outro, se viu transformada numa versão antropomórfica de cão-guaxinim japonês, havendo até espaço nos primeiros episódios para referências às semelhanças entre o tanuki e o guaxinim, que não são mais do que físicas.
Agora já sabem que Pom Poko trata de uma comunidade de cães-guaxinins japoneses, não de guaxinins, que quer defender o seu habitat. Fiquem também com esta curiosidade: ponpoko é uma onomatopeia para o som emitido pelas barrigas dos tanuki ao serem usadas como tambores!
Querem saber mais sobre mitologia japonesa e a sua representação na cultura popular japonesa? Se sim, que criaturas e deuses vos despertam mais curiosidade?
Fontes: