Enquanto fã dos trabalhos do Studio Ghibli e de Hayao Miyazaki, tendo inclusive já analisado algumas destas produções aqui no ptAnime, há muito que tinha o filme “Princesa Mononoke” na minha lista de obras de visualização obrigatória.
Todavia, só nos últimos dias consegui ver esta longa-metragem, à qual cheguei com expectativas muito elevadas. Expectativas que nasceram a partir do estúdio e realizador envolvidos, e que saíram reforçadas pelos prémios conquistados no ano de estreia do filme (1997) e seguinte, no seu país de origem. No entanto, após a visualização do filme, essas expectativas foram, de uma certa maneira, defraudadas.
Nunca um artigo de introdução fez tanto sentido!
Pessoalmente, não tenho o hábito de ler muito sobre um filme antes de o ver com receio de spoilers. Porém, após a visualização desta produção, de nome original “Mononoke Hime”, chego há conclusão que me fez falta ler um artigo sobre esta obra. Um texto do género deste aqui publicado, com vista a encarar o filme de outra maneira. De forma a estar mais apto a interiorizar a mensagem muito profunda que o dito cujo pretende transmitir.
Irónico! Na minha análise ao “Túmulo dos Pirilampos”, a ideia do filme ficou a bater-me na cabeça nos dias seguintes à visualização do mesmo, residindo aí a sua verdadeira conquista. Em “Princesa Mononoke”, creio que a chave da produção esteja na investigação que é feita antes de a ver.
Quando disse em cima que o filme não correspondeu às minhas expectativas, referia-me à parte de apreciação do mesmo. Do desfrutar e de me sentir cativado por ele ao ponto de ali estar toda a minha concentração. Algo que não aconteceu! Não achei o filme tão prazeroso quanto isso, apesar de se manter presente toda a magia que costuma envolver qualquer projeto da dupla Ghibli & Miyazaki.
Por outras palavras, fui à procura de uma coisa e fui recompensado com outra bastante diferente e capaz de equilibrar a troca. Mas antes de mais detalhes, uma sinopse sobre a história de Mononoke Hime.
Princesa Mononoke – Sinopse
Ashitaka, jovem príncipe de uma tribo Emishi, vê o seu corpo amaldiçoado durante o combate com um javali possuído por um demónio que põe em perigo a segurança da sua vila.
Sem qualquer tipo de solução para a maldição que ameaça consumir a vida do jovem num curto espaço de tempo, os líderes da tribo aconselham Ashitaka a viajar para oeste, onde talvez consiga encontrar uma cura. Sem hesitar, o príncipe assim faz.
Se a jornada de Ashitaka longe da sua vila até começa de forma algo tranquila, este sossego vai rapidamente desaparecer. O rapaz vai ver-se envolvido num grande confronto entre a espécie Humana e a Natureza, batalha essa que se subdivide entre muitas outras de menor dimensão.
Princesa Mononoke – O Enredo
Como indiciado na introdução, o filme reside no confronto inevitável entre a Humanidade e a Natureza.
A evolução das civilizações, e o desejo desmedido de serem mais fortes que as suas vizinhas, aumentou a necessidade dos recursos fornecidos e ocupados pela Natureza. Representada por uma grande floresta que simboliza todos estes lugares puros e em risco de desaparecerem, a Natureza reage por intermédio de várias espécies animais selvagens que habitam o local, e pelo Espírito que por lá vagueia, o Shishigami.
Como habitual nos filmes Ghibli, é a presença de um vasto conjunto de elementos sobrenaturais que tornam esta longa-metragem diferente (para melhor!) de outros projetos e documentários sobre este tema que já não é novidade para ninguém. Em “Princesa Mononoke”, a magia do Studio Ghibli vai além do Shishigami e da maldição que agora reside em Ashitaka. Os animais selvagens que fazem parte da floresta protegida pelo Shishigami também falam e têm os seus traços de personalidade bem vincados. Não esqueço também os Kodamas, espíritos de menor dimensão que dão um ar mais catita à floresta.
No meio de toda esta magia, o grande destaque vai para a presença de uma jovem humana no seio da floresta e das criaturas que a compõem. San, assim se chama a rapariga, vive com os lobos. A alcateia tornou-se a sua família mais chegada após alguns acontecimentos infelizes quando ainda era bebé. San é a personagem que dá nome ao filme (Princesa Mononoke) e que nesta luta entre a Humanidade e a Natureza conta com o apoio dos espectadores.
Um dilema intemporal
O filme data de 1997, mas ainda hoje este problema permanece. O homem que manda e destrói tudo o que é natural em prol de construções e mais construções. A evolução desmedida da tecnologia (agora incontrolável) que afeta gravemente o ambiente. A história de um planeta que nos recebeu e nos deu tudo e que é mais maltratado por nós a cada dia que passa. Isto tem consequências como é óbvio. As manifestações naturais são cada vez mais frequentes.
No meu caso, não foi preciso muito tempo para me colocar ao lado de San e dos seus fiéis companheiros. No entanto, fazer uma escolha não será o grande objetivo da Princesa Mononoke, muito menos tomar um partido a 100%. Claro que existem muitos recursos naturais que nos são necessários e que exigem sacrifícios do outro lado. Todavia, deve haver um controlo e não uma ganância cega por mais, e mais, e mais, até a fonte secar. Mas como ia a dizer, o intuito desta longa-metragem será deixar-nos a refletir sobre este assunto. Porque uma maior consciencialização do dilema é meio caminho andado para atitudes mais bem pensadas e controladas.
Ashitaka, o Mediador
Ainda na mesma senda, o problema da proteção dos espaços verdes e da interferência humana faz parte de um lote que engloba muitos outros dilemas cuja solução nunca deverá passar por um domínio total de uma das partes, mas de um equilíbrio entre elas.
Da minha perspetiva, a inclusão de Ashitaki serve para esse propósito. Ashitaka é o mediador das duas facções. Aquele que anda sempre de lado para lado a “apagar fogos” e a tentar evitar confrontos e tragédias. Aquele que tem o olhar imparcial por não tomar nenhum partido. Só pessoas dotadas da sua visão transparente serão capazes de tomar decisões que conduzam ao equilíbrio.
Ashitaka é apenas um exemplo da importância e representação de cada personagem que constitui o elenco de “Princesa Mononoke”. Naturalmente que não vou estar aqui a esmiuçar cada uma delas, até porque algumas delas ainda me suscitam interrogações. É o caso das verdadeiras intenções de Eboshi. Contudo, creio que esta seja uma demonstração clara da profundidade de cada uma, que por seu lado contribui para um enriquecimento significativo da obra.
Um filme adaptado a todos os níveis de maturidade!
Esta análise tem sido demasiado profunda e dirigida aos mais velhos, resultado da interpretação e da maneira como absorvi o filme. Contudo, este não deixa de seguir a mesma linha da maioria dos projetos do Studio Ghibli. Ou seja, tenta cativar os mais novos pelo ambiente mágico apresentado, e os mais velhos pela mensagem que transmite.
A questão é que “Princesa Mononoke” está mais sujeito à nossa capacidade de interpretação e análise do que muitos dos seus “familiares” Ghibli. Daí a minha recomendação, no início desta análise, em conhecer um pouco do filme ainda antes de o ver. Será sinónimo de reunir outro tipo de condições para melhor esmiuçar cada personagem e cada acontecimento. Quanto mais fundo conseguirmos ir, mais valor vamos reconhecer a este trabalho de Hayao Miyazaki e companhia.
Ao mesmo tempo, esta característica da produção permite-lhe adaptar-se a qualquer tipo de espectador. Alguns podem ver o filme, gostar, mas não mais do que isso. Outros podem simplesmente adorar o toque mágico incutido na história e a mensagem passar-lhes um pouco ao lado. E um terceiro grupo pode até não desfrutar ao máximo desta obra, mas reconhecer a importância da sua presença no seu repertório pessoal de filmes, acima de tudo pela ideia transmitida e pelas reflexões despoletadas na sua mente. É o meu caso!
A Animação e o risco da censura na nossa Cultura
A componente da animação é mais uma deste filme a apresentar-se em bom plano. Altamente fluída, esta só peca numa situação. Refiro-me aos momentos de ação mais mortíferos, concretamente na maneira muito exagerada como algumas cabeças se separam do corpo de alguns soldados.
Esta escolha da realização gera um conflito interno no estereótipo da nossa cultura que rotula os filmes animados japoneses como exclusivos para os mais novos. Para além das histórias serem muito mais profundas, até parece que todos estes trabalhos nipónicos têm finais felizes, à moda do Ocidente. Ao mesmo tempo, aplica censura em qualquer cena com sangue ou algo mais sensível ao olhar. Pois … mas talvez não seja assim que funcione. Nem de um lado, nem do outro.
Afinal de contas, convém lembrar que é muito mais importante a mensagem presente no filme do que breves momentos mortíferos. No caso da Princesa Mononoke, sem grandes spoilers e como alguém já dizia, o mais importante é perceber que as nossas ações têm consequências! Uma lição que no caso de ser transmitida com sucesso vai conferir equilíbrio, sensibilidade e estabilidade emocional ao individuo. Um conjunto de aspetos muito mais importantes do que a visualização de conteúdos um pouco agressivos que possam marcar presença.
Princesa Mononoke – Arte & Banda Sonora
“Princesa Mononoke” não é um projeto vistoso e exuberante no sentido da arte utilizada, coloração, e nos próprios ambientes de fundo. O filme prima mais por uma simplicidade acolhedora nestes parâmetros, recorrendo à presença das suas personagens mais peculiares e originais, como por exemplo os Kodamas e o Shishigami, para nos encantar.
Por seu lado, a banda sonora é realmente soberba. Um parâmetro que não é surpresa para ninguém apresentar-se a grande nível em qualquer trabalho Studio Ghibli. No entanto, creio que desta vez o grande Joe Hisaishi foi um bocadinho mais além, ao ajustar na perfeição as suas melodias aos diversos acontecimentos da trama.
Princesa Mononoke – Juízo Final
Em suma, este é mais um trabalho fantástico da Ghibli com uma história super simples e, em simultâneo, altamente complexa. Tudo depende da capacidade de cada um em desdobrá-la. Princesa Mononoke não é uma obra extrovertida que logo nos conta todas as suas maneiras de pensar e de agir. É sim uma produção mais retraída que só nos mostra a sua verdadeira essência quando estamos aptos a compreendê-la no seu íntimo.
Esta análise acabou por ficar bastante longa, resultado do meu objetivo de dar a todos os interessados neste filme aquilo que eu não tive quando me decidi a vê-lo. Ou seja, conhecimentos importantes sobre a longa-metragem, sem nunca expor os seus acontecimentos chave. De facto, parece-me que a história foi aquilo de que menos falei neste artigo.
Por último, de referir que fazem falta mais filmes como este sobre os mais variados temas. Obras cujo grande objetivo não seja influenciar, mas com talento para deixar todo e qualquer espectador a refletir sobre as situações abordadas. Os problemas do mundo não se corrigem com decisões à escala global. Eles retificam-se com uma maior consciencialização de cada indivíduo no que toca às suas atitudes, decisões, e comportamentos singulares. Tenho dito!
Princesa Mononoke – Trailer
Análises
Princesa Mononoke
Uma produção com mais de 20 anos, cujo tema abordado não envelheceu um segundo, e cuja riqueza do trabalho desenvolvido desagua em nós, oriunda de uma fonte aparentemente inesgotável, à medida que vamos tendo um maior contacto com o filme.
Os Pros
- A capacidade da história em adaptar-se a qualquer tipo de espectador
- A profundidade das personagens principais
- A magia presente no filme e que lhe dá um toque muito especial
- A banda sonora
Os Contras
- Ligeiro exagero na forma como alguns corpos são destroçados nos momentos de ação