O Japão tem imensas coisas fantásticas para oferecer: desde anime e manga até à gastronomia e arte, tudo parece deslumbrante neste país. No entanto, também é do conhecimento de todos um lado menos bom deste país que adoramos – o facto de ser constantemente assolado por catástrofes naturais, nomeadamente terramotos. Mas porquê no Japão? E porque é que as pessoas parecem permanecer sempre tão calmas nestas situações devastadoras? É a estas questões que iremos responder neste artigo!
Porque é que ocorrem tantos terramotos no Japão?
Para responder a esta pergunta, vamos fazer aqui uma pequena aula de Geografia e Geologia. O Japão situa-se no chamado Anel do Fogo do Pacífico, uma área que abarca os territórios na orla deste oceano, desde a costa oeste da América do Norte e do Sul à costa leste do continente asiático e da Austrália. Nesta região existe uma atividade sísmica e vulcânica muito grande, pois aqui se situa a maior parte de zonas de subducção do planeta. Em termos simples, isto quer dizer que quando duas placas tectónicas se encontram, uma delas “mergulha” para debaixo de outra, o que leva à formação de vulcões e à produção de sismos (que frequentemente também despoletam tsunamis). O Japão situa-se numa área onde várias placas tectónicas convergem, e por essa razão é que os fenómenos sísmicos acontecem aqui com tanta frequência e violência.
No vídeo abaixo podem ver imagens e a explicação para o grande terramoto de Tohoku, que ocorreu a 11 de março de 2011.
Como se “medem” os terramotos no Japão?
Existem várias escalas para medir a força e o impacto de um sismo. Uma delas é a Escala de Richter, que mede a magnitude de um terramoto, ou seja, a quantidade de energia que é libertada durante estes eventos.
No Japão, a escala usada é menos “matemática”. A Agência Meteorológica japonesa classifica tremores de terra em termos da sua intensidade usando a Escala Shindo (震度), que descreve os efeitos causados por estes. Esta vai de 0 a 7, sendo que um terramoto de intensidade 0 não é sentido por quase ninguém, de 4 já começa a assustar as pessoas, e de 7 causa a maior destruição possível (ver este link para tabela completa).
Deste modo, um mesmo sismo pode ter diferentes graus na Escala Shindo consoante o local (quanto mais perto do epicentro, maior a intensidade), mas tem sempre a mesma classificação na de Richter.
Nota: atualmente, para calcular a magnitude de um terramoto, a Escala de Richter tem vindo a ser substituída pela Escala de Magnitude de Momento (MMS). Embora semelhantes, uma grande diferença é que a MMS não tem um limite superior (a Escala de Richter acaba na magnitude 10).
Como é que os japoneses se preparam para um sismo?
Sendo o Japão um dos locais onde grandes fenómenos sísmicos ocorrem frequentemente, também é o país que mais bem se prepara para estes, quer a nível das infraestruturas como do treino da população para estes eventos.
Os edifícios mais recentes já são construídos com tecnologia antissísmica, como alicerces bastante profundos e amortecedores de choque. Estas medidas fazem com que as construções balancem, mas não caiam, e reduzem ainda a agitação sentida durante um terramoto. Cada cidade tem pontos de evacuação (geralmente locais amplos e altos, sem edifícios) para onde as pessoas se devem dirigir quando as autoridades assim o exigirem, especialmente se houver risco de tsunami ou incêndio, ou se não for seguro regressar a casa. Neste link podem ver que procedimentos seguir em caso de terramoto, assim como os pontos de evacuação existentes em Tóquio. O vídeo abaixo também nos dá informações acerca de como nos comportar nestas alturas.
Nas escolas japonesas fazem-se, frequentemente, simulações de terramotos, onde as crianças aprendem que comportamentos devem adotar numa emergência – ir para debaixo da secretária e agarrar as pernas desta, ou, se estiverem no exterior, ir para o centro de um espaço aberto para não haver riscos que algo lhes caia em cima. Deste modo, desde cedo os japoneses sabem que medidas tomar para se protegerem numa emergência.
Algo essencial em todos os lares é uma mala de emergência, a qual as pessoas possam levar consigo caso for preciso abandonar as suas casas. Estas devem conter água potável e alimentos em conserva para o mínimo de 3 dias, kit de primeiros socorros e medicamentos, lanterna, rádio portátil, pilhas, etc. Nunca se sabe quando um terramoto pode chegar, por isso esta mala deve estar num sítio de fácil acesso e também se deve ter atenção à validade dos produtos e substituí-los periodicamente se for necessário.
Um terramoto “japonês” na primeira pessoa
Como curiosidade, passo agora a contar um episódio que ocorreu quando vivi em Akita, no nordeste do Japão.
Eram por volta das 17h (8h da manhã em Portugal) do dia 7 de dezembro de 2012, e estava eu descontraída a ver um filme qualquer no meu quarto. A esta altura eu já vivia no Japão há cerca dois meses e meio e sentia vários sismos de pequena dimensão, com menos de 10 segundos de duração, quase semanalmente.
Então, quando tudo começou a baloiçar uma vez mais, não dei grande importância. Quando o abalo já estava a atingir os 15 segundos sem sinais de querer parar, comecei a estranhar. Parecia até que estava a ouvir um barulho, baixo, mas contínuo, vindo do interior da Terra. Não era a única – no Facebook, os meus amigos/colegas estrangeiros (alguns dos quais também eram meus vizinhos no prédio) iam publicando os seus comentários ao vivo. O terramoto estava a ficar ligeiramente mais forte. Alguns livros que tinha na estante caíram para o lado e a loiça na cozinha fazia um chinfrim mais alto que o habitual nestas alturas. Já tinham passado mais de 30 segundos desde o início quando pensei “bem, se calhar é nesta altura que eu me devia meter debaixo da mesa ou ir para debaixo da ombreira da porta…”, mas ainda fiquei paralisada um bom bocado a indagar no que fazer (um aparte: a ideia de uma ombreira ser o lugar mais seguro num sismo é mito!). Quando finalmente me levantei da cadeira para fazer isso, o sismo começou a abrandar e parou. No total, durou cerca de um minuto.
Abri de novo o Facebook e continuavam os comentários ao sismo. Aproveitei para enviar um email à minha família para avisar que tinha havido um terramoto “fortito”, mas que estava tudo bem e não tinham de se preocupar. Só tinha passado pouco mais de um ano e meio desde o grande terramoto de Tohoku (região à qual Akita também pertence) e, tendo sido este terramoto mais forte que o habitual, podia ser noticiado em Portugal. Durante os minutos seguintes foram ocorrendo várias réplicas, mas nada de especial. Recebi um telefonema da Embaixada de Portugal no Japão (na qual me tinha “registado” assim que cheguei), perguntando se estava tudo bem comigo.
Foi só quando comecei a ouvir sirenes na rua que comecei a entrar em pânico. Estavam mensagens a ser transmitidas por carros com altifalantes, mas não conseguia perceber nada do que diziam (mais tarde uma amiga japonesa disse-me que ela também não tinha percebido o que estavam a dizer, o que me deixou um pouco mais segura quanto às minhas habilidades linguísticas). Naquela zona da cidade não deveria haver grande perigo de tsunami, e o sismo não tinha sido assim tão forte que tivesse causado danos de maior, por isso aquelas sirenes e avisos tinham de ter algum significado específico.
Mais uma vez este sentimento de incerteza estava a ser partilhado pelos meus amigos via Facebook. Algum tempo depois, um professor da Universidade de Akita (na qual estava a estudar) bateu-me à porta e perguntou se estava tudo bem. Também me disse para não me preocupar, já tinha passado o pior e não havia necessidade de evacuar as casas. Todos nós, estrangeiros, que estávamos pouco habituados a estas ocorrências e perigos, ficámos meio estupefactos e sem saber muito bem como nos sentirmos. Alguns de nós decidimos então juntar-nos para um serão de jogos e convívio, e no meio da diversão o medo sentido antes acabou por ser esquecido.
No dia seguinte finalmente obtivemos a resposta às sirenes e mensagens que se ouviram na rua. Por causa da força e do epicentro deste sismo, havia o risco de os reatores nucleares da planta de Fukushima voltarem a ter fugas, pondo toda aquela região em perigo de exposição a níveis elevadíssimos de radiação. As mensagens estavam a avisar as pessoas desta eventualidade, aconselhando-as a tomarem as devidas providências caso houvesse ordem para evacuarem as suas casas. Felizmente tal não aconteceu, e a vida seguiu o seu ritmo normal.
Este sismo, conhecido como o terramoto de Kamaishi de 2012, teve uma magnitude de 7.3, gerando um tsunami de 1 metro na costa de Miyagi e causando também alguns danos materiais. Inclusivamente, 3 pessoas morreram com o choque – não podemos esquecer que a memória do grande sismo do ano anterior ainda estava bem presente na população. Aliás, existe uma grande probabilidade de este terramoto ter sido uma réplica dessa catástrofe, mesmo tendo ocorrido quase dois anos depois.
Lições a retirar
Dado que não foi um evento muito significativo, podem estar a perguntar-se porque é que me dei ao trabalho de vos chatear com este relato. Apesar da sua magnitude bastante superior ao normal, o nível máximo que atingiu na Escala Shindo foi 5, e onde eu estava foi apenas 4. O último sismo que ocorreu em Portugal (há cerca de um mês) teve uma magnitude de 4.3 e foi abertura de vários jornais, enquanto que no Japão algo muito superior quase nem foi debatido, mesmo com o susto de possíveis fugas de radiação.
Para além de estar dentro do tópico deste artigo, esta minha experiência foi uma chamada “wake up call” para o poder da natureza como nunca tinha sentido antes. Aprendi que o Japão é, simultaneamente, o pior e o melhor sítio para se estar nestas alturas – é o país mais bem preparado, em termos tecnológicos e sociais, para catástrofes deste tipo, e também aquele onde existe a maior probabilidade de estas acontecerem (facto a que já aludi anteriormente). Dado que nunca se podem prever estes eventos com mais de alguns segundos de antecedência, o nosso sentimento de impotência perante os mesmos aumenta exponencialmente. No entanto, a preocupação que tantos japoneses me demonstraram nesta altura (e noutras também) e o sentido de responsabilidade cívica que este povo tem desde nascença acalmaram-me, pois sabia que não me deixariam sozinha se algo grave tivesse acontecido.
Também me fez pensar como aqui em Portugal estamos tão mal preparados para estes eventos. Sismos, especialmente muito fortes, não ocorrem com muita frequência no nosso país, apesar das muitas falhas tectónicas que existem no seu território e da sua proximidade de uma zona de subducção. Contudo, pelo menos duas vezes nos últimos 3 séculos tivemos terramotos de grande magnitude – em 1755, o grande sismo de Lisboa que causou um tsunami no Tejo e arrasou a capital (magnitude estimada entre 8.5 e 9), e em 1969 outro que foi sentido especialmente no sul do país (magnitude 8). Dado estes precedentes, é necessário ganharmos consciência e prepararmo-nos para estas situações, sobretudo sendo elas completamente imprevisíveis.
E vocês, leitores? Se se vissem apanhados por um terramoto desta escala, como reagiriam? O que acham que podemos fazer para nos preparar o melhor possível? Queremos ouvir as vossas opiniões e comentários!