Black Clover trata-se de uma obra manga que estreou na popular revista Shounen Jump, no ano de 2015. Curiosa face aos novos lançamentos – ainda para mais depois do término de dois dos meus meninos preferidos da Jump (Naruto e Bleach) – decidi fazer um test drive à série. Confesso que na altura não me impressionou nem um pouco, sobretudo tendo em conta que no ano anterior tinha estreado um shounen incrível de nome Boku no Hero Academia.
Ainda assim, continuei a seguir a obra semana após semana e a incluí-la no topo das minhas leituras semanais. Qual o meu espanto quando descubro notícias onde Black Clover era descrito como um manga horrível, o pior alguma vez feito!
Além de ter a certeza que não foi o pior shounen alguma vez publicado – minha gente para continuar na Shounen Jump depois de tantos capítulos a probabilidade de ser assim tão mau é reduzida -, enquanto leitora não encontrei razões para essa afirmação.
Mas eis que decidi refletir sobre estes comentários, ao mesmo tempo que via os 15 episódios que saíram até agora e relia pela terceira vez o manga.
Conclusões:
- Não, não é mau;
- Também não é o melhor alguma vez criado;
- O autor sabe o que faz.
Black Clover – Inspirações ou cópias mal conseguidas?
Quando Black Clover surgiu muitas foram as comparações com obras shounen antigas, ou que ainda se encontram a ser publicadas.
Começando pelo protagonista Asta: alguém sem poderes especiais num universo onde é normal tê-los (familiar? Deku/Izuku Midoriya é o nome que surge irremediavelmente); de seguida, é-lhe atribuído poderes demoníacos tão semelhantes a personagens como… Natsu de Fairy Tail, ou Jio de 666 Satan! Para piorar, a obra toca numa ferida longe de cicatrizar: a rivalidade grotesca entre Naruto e Sasuke.
Acho que é unânime: Yuno, à primeira vista, parece-se com o Sasuke, e Asta consegue ser uma versão ainda mais irritante de Naruto quando criança. Só aqui, de forma fácil e sem alongar, conseguimos uma associação com 4 obras shounen, suficiente para começarem as acusações de que Black Clover não é mais que um plágio mal conseguido de conceitos e personagens já existentes.
E se vos disser que não é bem assim?
Não, não estou a dizer que essas comparações estejam erradas, apenas que as estamos a ver na perspectiva errada. Obras inspiradas em outras não é algo único, peguemos no exemplo de Dragon Ball que serviu de base para Bleach, Naruto, e mesmo Hunter x Hunter. Boku no Hero Academia possui inegáveis inspirações em Naruto, e não é por isso que é tão fortemente criticado. O problema e grande “falha” do autor de Black Clover, jaze na forma como este começou a franquia. Em vez de cortar de raíz com o passado shounen que o inspirou, este seguiu um rumo bastante similar ao das suas inspirações.
Inclusive nas personagens…
A originalidade mascarada
Pegando uma vez mais no exemplo de Asta e Yuno, estes possuem uma rivalidade desde a infância bastante similar com Naruto e Sasuke. No primeiro capítulo somos levados a crer que o enredo seguirá essa mesma linha narrativa, contudo, tal não é verdade: Yuno não odeia Asta e não o trata como alguém inferior a este, a sua relação é próxima a irmãos sem qualquer tipo de malignidade. À medida que lemos a manga, percebemos que aqueles momentos do primeiro capítulo em que Yuno, aparentemente, distrata com arrogância Asta, não são mais que uma manifestação de desilusão face à situação e não face ao seu irmão-rival. Porque, “ridículo” não é o Asta ser o seu rival, o “ridículo” é o Asta não ter recebido o Grimoire!
Infelizmente, estes pequenos grandes momentos não chegam para cortar com o “passado” e fazer Black Clover sair das sombras das suas inspirações. Em boa verdade, e para piorar a situação para a franquia, à medida que avançamos na história, mais e mais semelhanças com outras obras Shounen nos surgem pela frente: a divisão por esquadrões semelhante a Bleach, e uma guild, vulgo, esquadrão repleto de freaks com poderes monstruosos que destroem tudo, mas no fundo têm bom coração. Até têm uma Cana de cabelo cor de rosa!
(Entre outras situações que não irei abordar para não spoilar)
Para piorar, além das similaridades visuais, alguns erros cometidos em obras shounen anteriores voltam a repetir-se: a necessidade de colocar o protagonista numa conotação irritante, a estupidificação do protagonista e o recurso da típica parceira tsundere. Para quem assiste o anime estas características são exacerbadas (e barulhentas), sendo complicado continuar a adaptação animada. Sem controlo sob a velocidade narrativa como acontece em manga, somos “obrigados” a levar com minutos de tortura auditiva e uma escassez de conteúdo cativante. Escusado será dizer que, com o anime, a ronda de críticas recomeçou.
No entanto, Asta não é estúpido e isto não é um conto de fadas.
Porque devemos ver/ler Black Clover?
Apesar de genuinamente bom e idiota – sobretudo em torno das raparigas – vemos um protagonista que trabalhou durante anos para conseguir diminuir a sua debilidade face àqueles que são capazes de usar magia. Vemos um esquadrão pequeno, cujas personagens são exploradas uma a uma de forma lenta e consistente. Não há uma usurpação de espaço no painel com mil e uma personagens que não farão qualquer diferença na história. Há, de facto, uma tentativa de manter a coerência narrativa, de tornar o enredo mais complexo com pequenas pistas deixadas ao longo dos capítulos, de mostrar que Black Clover é mais do que uma cópia, é a marca do autor.
Um autor que, mais que uma vez, quebra a “4ª Parede”, que brinca com as suas próprias criações e que sabe dar o tom negro quando tem que o dar, sem nunca descurar a personalidade das suas personagens.
Há erros? Há.
Há defeitos? Há.
Tal como há coisas menos boas há coisas muito boas. Black Clover é um shounen do passado, orgulhoso das suas inspirações e de as usar.
Não percebo esta atitude de rejeição do passado como se este fosse obrigatoriamente pior do que o que atualmente vem a ser feito. Claro que encontram-se a ser publicadas obras magníficas na Shounen Jump: Boku no Hero Academia, Dr Stone, The Promised Neverland – obras estas que nem vale a pena comparar com Black Clover de tão diferentes que são! É uma nova onda Shounen muito mais pesada narrativamente e que corta – e faz questão de cortar – com as raízes divertidas e descontraídas do passado. Vemos um teor mais “seinen”, e um tratamento inovador do enredo e das suas personagens. Pessoalmente, adoro estas obras! Mas não é por isso que gosto menos de Black Clover. São obras diferentes em conceito e, sobretudo, com ideologias diferentes. Há espaço para tudo no universo shounen. Não é preciso negarmos piamente uma obra só porque não é tão vanguardista quanto as outras.
É normal existir convergências de ideias, reciclagem de conceitos, porque sim, há muito disso em Black Clover. Mas não acredito que seja uma razão para considerá-lo mau. Muito pelo contrário! Devemos olhar para ele como único e aí sim julgá-lo pelos seus próprios defeitos.
Em suma, para quem, tal como eu, leu os últimos grandes mangas shounen da última década, as referências são impossíveis de camuflar. E talvez seja por isso que gosto tanto de Black Clover! Black Clover é como uma viagem temporal aos grandes mangas que acompanharam a minha adolescência até à idade adulta, aquelas histórias que me marcaram e que guardarei para sempre no coração, mesmo com todos os seus defeitos.
Por fim, desafio-vos a ler ou a ver Black Clover sem expetativas ou conceitos pré-concebidos. Assistam como se fosse algo novo, dêem uma oportunidade, uma verdadeira oportunidade à série! Sei que haverão momentos em que quererão colocar o Asta em modo mute, mas acreditem que melhora (e vale a pena!). Tal como muitos dos grandes shounen long running, a construção do enredo é lenta, e a paixão pela franquia surge muito depois.
Vamos dar uma oportunidade aos conceitos antigos, vamos ver o que este autor em ascensão tem para nos dar!
Black Clover encontra-se disponível para visualização na Crunchyroll: