A minha história com o género Slice of Life não começou da maneira mais agradável possível. Quando ver anime se tornou algo rotineiro no meu dia-a-dia, as minhas categorias de eleição eram terror, seinen e shounen. Ai daquele que me sugerisse uma comédia romântica! Mas lá está, todos crescemos um bocadinho ao longo dos anos. Nessa altura, eu optei por parar de fazer papel de durona e expandi os meus horizontes. Atualmente, os Slice of Life são dos animes que mais assisto e que mais me divertem.
É um tema que gera muita controvérsia na comunidade, nem todos têm paciência para perder tempo com, traduzido à letra, uma “fatia de vida”. Vamos apelidá-lo simplesmente de “vida diária”. A maioria de nós estuda, alguns trabalham, grande parte tem uma vida “normal”. Para quê ter em conta um anime que recria o nosso quotidiano? O nosso dia-a-dia é monótono, um anime baseado em atividades repetitivas parece possuir todos os ingredientes para um fabuloso fracasso.
Tomei a liberdade de analisar alguns dos argumentos mais utilizados pelos fãs de anime, que preferem permanecer longe do Slice of Life.
Uma pequena chamada de atenção: eu posso afirmar o que quiser, se vocês realmente não gostam do género pouco adianta. Posso defender qualquer que seja a teoria. É um assunto de caráter pessoal. O que estou aqui a tentar fazer, é que os mal informados que nunca tiveram contacto com nada do tema, quem sabe, desenvolvam uma súbita curiosidade.
Já estive desse lado e quando quis ler algum artigo que abordasse esta temática, o conteúdo era escasso. Portanto, lá vai a Ni fazer serviço social.
Slice of Life não tem história
“Ecchis” não têm história, “Slice of lifes” não têm história, nada tem história hoje em dia o suficiente para agradar às massas. Dê paciência para os pseudo críticos! Já referi e volto a frisar: o conceito de história é demasiado vago.
Tem dias em que a minha vida já é dramática o suficiente para me emocionar por um ano inteiro. Sete dias por mês enfrento aquela típica batalha feminina, ou seja: se alguém se beijar vou chorar o suficiente para termos um protótipo do rio Nilo na cidade do Porto. Portanto, nem sempre tenho disponibilidade psicológica para dramas profundos.
Sim, eu sei que um Slice of Life pode abordar temáticas extremamente pesadas. Essa será uma das suas vertentes. Contudo, normalmente os animes do género acabam por ser episódicos, não têm uma narrativa sequencial, e não existe nenhum problema a acompanhar o decorrer do anime.
Então realmente, não estamos perante uma magnífica obra no parâmetro de enredo. O anime dificilmente irá amadurecer alguma coisa em quem o assiste, no entanto, o objetivo do mesmo é entreter e é nesse quesito que o mesmo deve ser avaliado. Não vejo lógica em usar o argumento mencionado acima se em nenhum momento a sinopse se comprometeu a ser um bombardeamento de lições morais.
As personagens são banais e não acontece nada
Nós humanos não voamos, não somos invisíveis e muito menos praticamos magia. Somos mesmo uns seres aborrecidos! Não existe nada de verdadeiramente impressionante na nossa vida, para quê querer ver um anime que retrate uma realidade tão entediante?
Seres humanos até podem ser realmente desinteressantes. Contudo, eles têm sentimentos, eles cometem erros e aprendem ao logo da sua jornada sem superpoderes. Enfrentam situações delicadas, confrontam-se com amarguras e desenvolvem-se conforme as circunstâncias com que se deparam.
Os Slice of Life mostram isso mesmo. Dão-nos a conhecer personagens que não têm nenhuma habilidade incrível e que mesmo assim, são especiais. Fazem porcaria a maioria do tempo, sentem medo de coisas idiotas e riem-se de pequenos disparates, isso é humanidade no seu primogénito. Sem filosofias imensas sobre o conceito de felicidade. É isso que me faz adorar o género e não ver problemas no mesmo, eu gosto de personagens normais, gosto da sua simplicidade. Agrada-me como a amizade é abordada, como os problemas rotineiros são resolvidos. Lamento muito que parte da comunidade já não valorize pormenores minimalistas, e que se contente única e exclusivamente com poderes exorbitantes.
Se calhar os culpados das repetições infinitas somos nós, que fazemos sempre a mesma coisa durante anos da nossa vida. O anime só se compromete a representar a vida como ela é. Eu sei que existem astronautas que visitam a Lua, mas não esperem que um anime com extraterrestres se vá chamar SLICE OF LIFE, porque o mais radical que nós fazemos, é esconder da nossa mãe uma negativa no teste de matemática.
Como não existe nada de super-mega-incrível a acontecer, existe tempo para desenvolver as personagens. E eu aprecio isso. Gosto de me identificar com os protagonistas, e de saber que não sou a única idiota no mundo que alguma vez se sentiu desviada do caminho certo.
Vamos avaliar o seguinte: cada vez os animes estão mais curtos, não me admirava nada se daqui a uns anos, os animes durassem apenas um mês a sair semanalmente. Em 12 episódios é quase um milagre alguns conseguirem desenvolver uma história coerente sem desiludir os fãs no final. Na maioria das vezes as personagens tornam-se apenas adereços porque não existe tempo para mais nada. Aqui quem beneficia são os Slice of Life.
Slice of life podem tornar-se animes genéricos?
Claro. Essa realidade está presente em todos os géneros que conhecemos hoje, com este tema o cenário não seria diferente. A falta de criatividade tem sido uma constante, infelizmente, na indústria dos animes/mangas.
Novamente refiro: o que torna os animes hoje em dia diferenciados são a qualidade das personagens e o enredo da história, que mesmo sendo estereotipado, possa desenvolver-se de maneira eficiente.
Gostos pessoais e experiências de vida influenciam sempre na classificação final que damos ao anime, ver alguma coisa forçado nunca deu bom resultado. Então o meu conselho final é: Se já experimentaram engrenar no género e o resultado foi o tédio então mantenham-se nos vossos shounen.
Os diferentes tipos de slice of life
– A comédia episódica –
Este aqui é a temática mais facilmente encontrada dentro do género. Estamos perante um anime leve e fácil de assistir. Particularmente, ando sempre numa insaciável busca para conhecer animes assim. Divertem-me e têm personagens carismáticos. Obviamente, nem todos são um sucesso digno de aplausos. Alguns são genéricos e apenas estúpidos.
Para tentar que as vossas experiências com Slice of Life sejam positivas, vou falar-vos de alguns episódicos que me agradaram:
# Danshi Koukousei no Nichijou
Danshi conta-nos a vida de três rapazes do ensino secundário. Ao contrário do que seria de esperar, o seu principal problema não é a dificuldade em lidar com as raparigas. Os três amigos criam situações inéditas e completamente inusitadas. Ao longo de doze episódios conseguem encarar de frente situações bizarras e estranhamente cómicas. O ponto forte desta trama, é a maneira como os personagens mantêm uma postura firme e séria em momentos inacreditáveis. Dá vontade de os espancar a primeira vez que dão tanta ênfase a idiotices, depois acabamos por entender que o segredo de tudo está ali. Uma peculiaridade do anime: os seres do sexo feminino não têm olhos e sim sombras no seu lugar.
# Himouto! Umaru-chan
Um anime lançado na temporada de verão de 2015, que nos apresenta uma protagonista aparentemente cliché e depois acaba por nos fazer entender que os nossos julgamentos iniciais estavam errados. Sendo uma série que fez uma sucesso tremendo no Japão, Umaru é uma personagem curiosa. Na frente dos outros é a menina perfeita, melhor aluna da escola, a primeira a ser escolhida na aula de educação física. Quando retorna a casa torna-se um “bichinho” viciado em anime e videojogos. Realmente a premissa pouco cativante não gera nenhum apresso. Contudo, o anime consegue ser extremamente engraçado e uma grande metáfora à sociedade de hoje em dia, onde manter as aparências é a opção sagrada da maioria. Pessoalmente identifico-me com a personagem principal. Talvez porque comida e jogos sejam as melhores coisas do mundo.
# Lucky☆Star
O segredo de Lucky Star está no facto do anime ser recheado de referências a outros animes/mangas. Para os que já assistem/lêem o género há algum tempo, esta obra é imediatamente bem recebida. Outro ponto fortíssimo aqui é a personagem principal. Konata, ou Kona-chan como é apelidada (não sejam maliciosos!) pelas amigas, é viciada em vídeojogos eróticos e na cultura otaku. O quê que é preciso mais para vos convencer a assistir?! O anime além disso, tem todos os tipos de deres que vocês possam imaginar, seja a tsundere que agride todos ou a deredere – que ajuda até quem não conhece o tipo.
– As comédias românticas –
# Toradora!
Toradora é um anime já conhecido nosso e adorado por grande parte da comunidade. Não tinha como não o mencionar num artigo com o propósito de indicar boas opções e espero sinceramente que aqueles que o têm no Plan to watch se despachem a vê-lo. Apesar do anime retratar o dia-a-dia escolar de um grupo de adolescentes, consegue abordar temáticas mais sérias, o que de certa forma, o diferencia dos demais. Sem contar que a rainha das tsunderes é a protagonista do anime. A Taiga é a personagem em que mais me revejo de todos os animes que já vi. Sim, eu também tenho um feitio mega complicado e sou uma anã revoltada com a minha altura.
# Sakurasou no Pet na Kanojo
O que torna este anime peculiar é o facto de conseguir abordar todas as personagens principais de maneira homogénea e brilhante. Ao optarem por fazer esta jogada, conseguiram que nos identificasse-mos com pelo menos um dos protagonistas, o que se revelou um ponto a favor da obra. Acompanhamos, assim, o dia-a-dia de um grupo de estudantes renegados que se unem e nos presenteiam com uma lição de amizade verdadeira. De todos os animes que assisti até hoje, é aquele que mais mereceu o sólido 10 que lhe dei no My Anime List.
– Os dramas –
Como mencionei no início do artigo, da mesma maneira que nós na nossa vida prová-mos o amargo de maneira brusca, em alguns animes as personagens enfrentam as mesmas batalhas que nós humanos, e é nessas séries que muitas lágrimas escorrem pela nossa face. Porque nos identificamos, porque entendemos a dor e aprendemos que os desenhos animados não são só para crianças.
# Clannad
É meio inútil carregar na mesma tecla e mencionar a beleza de Clannad, porém sei que muita gente ainda não enfrentou o desafio de o assistir – inclusive muita gente da equipa do ptAnime. Portanto eu vou fazer o serviço social de recomendá-lo nesta lista. Não é só um anime como os outros, é uma lição de vida chocante. Quando embarquei na jornada desta série eu não estava pronta psicologicamente para o que o anime me ia oferecer, daí o impacto que este teve em mim. Posso dizer com certeza que foi o anime que mais me amadureceu até hoje.
# AnoHana
Ao contrário de Clannad, AnoHana não tem uma história elaborada e com uma quantidade interminável de pormenores. A simplicidade do anime é comovente e é isso que o torna especial. Apesar de estarmos a falar de um Slice of Life que envolve o sobrenatural, garanto-vos que todos nós já sentimos as mazelas de uma partida precoce. Já todos sofremos por feridas que julgávamos fechadas há anos. Porque quando menos se espera os sentimentos guardados a sete chaves emergem.
Espero que vos tenha ajudado de alguma maneira e caso decidam ver algum dos animes que aqui mencionei contem-me!
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