Creio que, por esta altura, a série Yakuza não seja estranha a ninguém.
Um franchise japonês de origens humildes, mas que hoje em dia coexiste lado a lado com os grandes titãs da indústria de videojogos. Apesar de ser um nome de peso cá no Ocidente, e de ter tido o seu respeitável tempo na luz da ribalta, creio que ainda há muitas pessoas que não deram a devida oportunidade a esta série de videojogos. Portanto, hoje trago-vos um artigo com o qual espero conseguir suscitar algum interesse numa das minhas franquias mais queridas.
Yakuza – O Samurai Moderno | O Nascimento de um Titã
Em 1999, Shenmue saiu. Um jogo que causou enorme sucesso no Japão e no Ocidente, ninguém se surpreendeu quando dois anos depois, em 2001, lançaram uma sequela. Shenmue foi, e sempre será, um dos maiores títulos publicados pela Sega.
Uma das pessoas instrumentais no desenvolvimento de Shenmue foi Toshihiro Nagoshi, um veterano da Sega com vários anos de experiência de desenvolvimento de videojogos. Já há alguns anos que a Sega estava com dificuldades e precisavam de um novo franchise que os salvasse.
Nagoshi tentou várias vezes apresentar uma ideia que fermentava na sua mente há algum tempo: um drama humano, mas utilizando a vida criminal japonesa como base. Em 2003, quase como se os céus o tivessem ouvido, a ideia de Nagoshi foi aprovada e tomou lugar de diretor no desenvolvimento deste novo projeto que em 2005 iria ter o mundo nas suas mãos. Este jogo seria então intitulado “Yakuza“, o primogénito desta gigantesca franquia.
Yakuza é um jogo que não tem medo de esconder as suas inspirações. Entre as mais claras, temos Shenmue. Durante muito tempo, a franquia de Yakuza foi tratada como um sucessor espiritual de Shenmue, devido às semelhanças no método de storytelling e da jogabilidade. O próprio Nagoshi, várias vezes deixa por escrito o quanto respeita e deve ao criador de Shenmue. Yakuza acaba por ser como um microcosmo de vários fenómenos de pop-culture japonesa, tirando inspirações de Fist of the North Star, Great Teacher Onizuka, e até mesmo localizações culturais japonesas, como o distrito de Kabukicho.
Porém, a maior inspiração para uma série de videojogos sobre Yakuza seria claro: dramas criminais japoneses. A história dos primeiros dois jogos na franquia foram supervisionadas por Hase Seishu, um famoso escritor de ficção criminal que envolva Yakuza. Mas, talvez a maior fonte de inspiração para Nagoshi, foi um filme lançado em 1971 chamado “Sympathy for the Underdog“.
A sinopse da história deste filme, contada em capítulos tal como todos os jogos da franquia Yakuza, vai soar bastante familiar para quem jogou o primeiro Yakuza: Um Yakuza “à antiga” é preso por um crime que não cometeu e após 10 anos na prisão, regressa para reconstruir a sua organização com os poucos que ainda lhe são leais.
Tendo falado um pouco sobre o desenvolvimento deste franchise, creio que fica então apenas mais uma questão por responder: Então mas afinal…
O que raios é um Yakuza?
Indo direto ao assunto, Yakuza é nada mais nada menos do que uma organização criminosa, algo como uma máfia japonesa. Porém, o que diferencia os Yakuza de qualquer outra versão de crime organizado é o seu impacto cultural na história japonesa.
Apesar de serem criminosos violentos, os Yakuza regem-se por um rígido código de conduta, que dita como qualquer um dos membros se deve comportar tanto como para si mesmos, como para a sua família e para a sociedade no geral.
E é este código de honra que torna os Yakuza um tão interessante sujeito a ser explorado. Historicamente, o Japão é um país que coloca grande ênfase na honra, seja a honra perante um superior, perante um familiar ou até perante o inimigo no campo de batalha.
Os Samurai são o perfeito exemplo disto, desenvolvendo um código de honra a que chamaram “Bushido“. Apesar de um Yakuza e um Samurai parecerem diametralmente opostos, esta franquia de videojogos explora bastantes vezes o paralelo que existe entre eles como seres guiados por conceitos acima deles. De certa forma, uma das temáticas exploradas na série acaba por ser…
Yakuza – O Samurai Moderno
Honra. Amor. Ambição. A mudança dos tempos.
Tudo isto são temas retratados em quase todos os jogos da franquia. Através dos olhos de um criminoso, Nagoshi tenta introduzir-nos a um mundo bizarro, escondido dos olhos da lei e do senso comum. Neste mundo, quase como uma selva, o forte devora mais o fraco, brigas por territórios são frequentes e desrespeito a um líder é uma sentença de morte.
Para aqueles mais familiares com a cultura japonesa, saberão que isto acaba por ser quase como uma antítese do modo de vida moderno de um japonês. Mas é exatamente isso que o jogo nos tenta transparecer: isto não é um paralelo à atualidade. É sim então, um paralelo às glórias passadas do Japão.
Não é nenhum segredo que a modernização forçada do modo de vida japonês por parte do Ocidente é uma temática tanto divisa como é explorada em diferentes aspetos culturais, desde música até filmes e manga. Considerando o quanto o Japão tem uma cultura focada na tradição, não seria de estranhar a predominância desta temática, especialmente nas formas de entretenimento. E é com este dilema histórico e moral que Yakuza sobe ao palco.
Yakuza não nos conta diretamente uma história sobre a destruição de uma cultura repentina, mas sim como certos valores e aspetos são deixados para trás e esquecidos com o passar do tempo. Em quase todos os jogos na série, os personagens encontram-se numa constante luta por relevância, para continuarem uma tradição em esquecimento numa falsa esperança de alcançar glórias passadas através de qualquer método possível. E é neste palco decrépito que a atuação decorre.
Os personagens, presos pelo seu código, entram em lutas desesperadas por um sistema que está no processo de os abandonar. Em vários momentos o jogador é relembrado que isto não é uma épica gloriosa de como um homem nunca desistiu até alcançar os seus objetivos, mas sim um esforço para manter um status quo cada vez mais frágil. Mas, mesmo assim, um yakuza não desiste.
Carregando o pin que representa a sua família no peito, e uma tatuagem que o representa a si mesmo nas costas, desistir não está no código pessoal.
Independentemente de quem tenha que enfrentar, um yakuza luta.
Independentemente do quanto a sua honra tenha sido manchada, um yakuza luta.
Independentemente da quantidade de camaradas que o abandone, um yakuza luta.
Tal como o glorificado Samurai de eras passadas, um yakuza abandona a sua chance de viver uma vida normal para lutar por aqueles que lhe deram uma casa e uma família. Repudiado pela sociedade, perseguido pela lei e constantemente em perigo de ser traído por os camaradas que mantem perto: é assim que o Samurai moderno vive a sua vida.
Não querendo entrar ainda mais em detalhes, a única coisa que posso sugerir é mesmo que experienciem esta franquia por vocês mesmos.
Todos os jogos mainline da série estão na Steam, apenas faltando alguns spin-offs, mas para os nossos amigos das consolas também conseguem encontrar uma boa parte da franquia na PlayStation.
Espero ver-vos nas ruas de Kamurocho.