Com tantas e diferentes adaptações da emblemática e intemporal obra de Sir Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes, poderíamos considerar que esta eventualmente se esgotaria… mas não podíamos estar mais enganados! Enquanto grande apreciadora do universo desta obra clássica, particularmente da série com o mesmo nome realizada pela BBC, não poderia deixar de espreitar este anime!
Yuukoku no Moriarty – Análise
Para minha grande surpresa, este anime inverte toda a lógica espectável para esta obra. No entanto, isto não significa que Yuukoku no Moriarty descarte os elementos emblemáticos que dão identidade a este universo: pelo contrário! A diferença e, simultaneamente, o aspeto mais curioso, é que a narrativa abandona Sherlock Holmes para se centrar na história do seu maior antagonista e rival: William James Moriarty
Sempre gostei de narrativas que abordam diferentes pontos de vista, então devo confessar que esta me atraiu imediatamente. Transformar o antagonista na personagem central da narrativa pode ser ariscado mas, neste caso, funciona extremamente bem. Assim, em primeiro lugar, gostaria de abordar os aspetos visuais e sonoros deste anime, para depois explorar melhor a narrativa.
Uma animação de época sem defeitos
Yuukoku no Moriarty é baseado num manga com o mesmo nome, escrito por Ryōsuke Takeuchi e ilustrado por Hikaru Miyoshi. O estúdio I.G, conhecido maioritariamente pelos animes de desporto Haikyuu!! ou Kuroko no Basket provou, mais uma vez, estar à altura da adaptação deste manga, que até à data deste anime, desconhecia.
O design de personagens, similar ao manga, não deixa de ser uma reinterpretação de personagens já muito conhecidas do público. Mesmo assim, existe um sentimento de originalidade que não anula a possibilidade de reconhecer, quase imediatamente, quem é quem, pois as personagens mantêm os traços de personalidade que as definem tão bem.
Talvez a personagem que se afasta mais deste imaginário já criado em torno desta obra seja, precisamente, o nosso protagonista Moriarty. No entanto, esta mudança de design é estratégica em termos visuais: os olhos vermelhos e intimidantes de Moriarty dão-lhe o “ar ameaçador” que o “mauzão” da história deve ter! Já a animação não poderia estar melhor. Destaco, neste aspeto, o modo como os cenários são pormenorizados e fiéis ao tempo histórico da obra, algo que realmente me impressionou e que eu receava não corresponder às minhas espetativas.
Relativamente à banda sonora, achei adequada à série, mas o meu destaque vai para a opening Dying Wish por Tasuku Hatanaka. Não é todos os dias que ouvimos uma opening tão diferente, e tão sonoramente empolgante como esta! Se, por vezes, temos dificuldade em distinguir duas openings diferentes, a opening de Yuukoku no Moriarty tem toda uma identidade inconfundível. É uma daquelas openings que não se deve passar à frente.
Uma espécie de Death Note?
Quando à narrativa do anime, esta centra-se em James William Moriarty e em mais 4 personagens-chave que suportam as atividades do nosso professor catedrático de matemática que é também, consultor de crimes. Mas comecemos pelo início da história!
William, juntamente com o seu irmão Louis, são dois órfãos bastante ilustres de uma instituição de caridade que Alfred James Moriarty frequenta regularmente. William destaca-se pela sua inteligência fora do normal, e pela forma como se equipara ou supera intelectualmente os adultos que o rodeiam. É exatamente esta inteligência fora do comum que atrai a atenção de Alfred que, sendo um dos dois filhos da família nobre Moriarty, detesta toda a discriminação de que sofrem as classes mais baixas de uma sociedade profundamente desigual.
Na verdade, é esta desigualdade social o motor e centro de toda a narrativa pois, quando Alfred sugere ao seu pai adotar os irmãos órfãos William e Louis, este já tem em mente a capacidade intelectual e ideias revolucionárias de William, nas quais se revê: criar uma sociedade mais justa, julgando a nobreza que despreza a vida dos mais pobres. É, sobre esta proposição, que toda a narrativa é construída ilustrando, em cada episódio, os métodos engenhosos de Moriarty para exercer este tal “julgamento divino“.
Sinto neste ponto, uma grande proximidade com a obra Death Note, se pensarmos nas semelhanças entre Moriarty e Light Yamagi: ambos desejam impor uma justiça divina, cujo alcance justifica todos os meios… até os mais macabros! Tal como Death Note, também este anime nos coloca a questão moral da validade destas ações e da própria noção de justiça que, considero extremamente interessante.
No entanto, é nesta mesma premissa que reside o único defeito que consigo detetar neste anime: o extremismo da ação dos nobres tal como é representada, sendo criticável o modo como os nobres são caracterizados como “as piores pessoas à face da terra”. Mesmo com o propósito de tornar a narrativa mais dramática e impactante, legitimando o sofrimento das vítimas, acho que cai num certa “generalização exagerada” desta classe, tornando-a um pouco “irrealista demais” (mesmo para os padrões do anime).
A aparição de Sherlock Holmes
Antes de terminar, não poderia deixar de referir a importância óbvia de Sherlock Holmes e de John Watson nesta narrativa. Afinal, são eles as “estrelas” da história original! Devo confessar que me emocionei por poder voltar a experienciar, de maneira diferente, o momento em que Holmes e Watson se conheceram. Tive um certo sentimento de nostalgia e curiosidade em constatar que estava a ver a história que conhecia mas que, ao mesmo tempo… desconhecia!
Apenas aparecendo brevemente no episódio 7 e nos restantes 4 episódios da série, mal posso esperar por testemunhar mais das aventuras de Holmes e Watson! Embora aprecie a originalidade de Moriarty, enquanto protagonista e antagonista desta história, anseio por mais interações entre esta dupla que me é tão querida. Espero sinceramente que a segunda temporada, que estreará em abril deste ano, traga mais destas interações e explore melhor estas dinâmicas que são a verdadeira essência desta história.
Yuukoku no Moriarty – Análise
Juízo Final
A meu ver, Yuukoku no Moriarty é um dos melhores animes do outono de 2020. Não direi que é o melhor apenas pelo facto de ter coexistido com Jujutsu Kaisen e Haikyuu!!: To the Top (que considero animes fantásticos). Ainda assim, este anime é de qualidade extrema na forma como reutiliza uma narrativa já tão conhecida, reinventando-a de forma original, sem descartar a identidade característica do universo criado por Sir Arthur Conan Doyle.
Deste modo, termino a minha análise com a certeza de que Yuukoku no Moriarty é uma deliciosa nova experiência para todos os amantes de Sherlock Holmes, e uma acessível “porta de entrada” para todos aqueles que desejam mergulhar, pela primeira vez, nesta narrativa que, pela sua resistência à história, ilustra a excelência intemporal das suas personagens e temáticas.
Análises
Yuukoku no Moriarty
Uma reinterpretação original da emblemática obra de Sir Arthur Conan, Yuukoku no Moriarty destaca-se pelo seu foco no antagonista da história, levantando questões muito interessantes através de uma animação muito satisfatória! Estará à altura das exigências da obra em que se baseia?
Os Pros
- Animação ótima
- Opening excelente
- Reutilização original de uma narrativa clássica
- Foco no antagonista
- Questões de moralidade inquietantes
Os Contras
- Generalização extremista dos nobres
- Pouco tempo dedicado a Holmes e a Watson