Clannad | Análise

Antes de mais nada, queria que entendessem uma coisa: não vale a pena fazer um artigo diferente para as duas temporadas de Clannad. A primeira parte por si só é incompleta e a segunda além de complementar a sua antecessora, é a que concede significado a tudo o que já foi dito na série. Peço imensa desculpa se não entenderem algo do que eu aqui vou falar, é complicado para mim abordar esta história. Quando lerem esta análise tenham noção que levei longas semanas a conseguir fazer disto algo decente.

 

 

Clannad | Enredo matreiro

Clannad é um Slice of Life no significado mais literal do género. A trama desenrola-se à volta do estudante Okazaki Tomoya que certo dia conhece uma rapariga tímida e estranha, Furukawa Nagisa. Nagisa é uma menina que reprovou no ano anterior por motivos de doença, contudo ela tem um sonho: reabrir o clube de teatro da escola. Tomoya propõe-se a ajudá-la a realizar esse desejo.

Acreditem em mim: eu tentei melhorar e embelezar a premissa. Não é uma sinopse inadequada para um Slice of Life, com certeza. Contudo, depois de ver as duas temporadas, eu e todas as pessoas que assistiram sabem que este ponto de partida não retrata absolutamente nada da verdadeira essência do anime.

Uma das primeiras questões está mesmo aqui. Clannad começa de uma maneira simples e comum. Num momento a obra é uma comédia diária light sem grandes controvérsias, e nos dois episódios que se seguem dá-te uma facada, e tu não sabes mais o que fazer da tua vida.

 

 

Não estou a exagerar. Marco presença assídua em grupos/comunidades de anime, a quantidade de pessoas que já me tinham dito que eu ia chorar imenso era absurda. Quando decidi começar então a assisti-lo, estava muito contrariada. Ainda não tinha esta paixão por Slice of Life, mas mesmo assim fi-lo de mente aberta.

Clannad mostra-nos primeiramente um universo muito parecido com o nosso. O protagonista tem problemas em casa e é um adolescente revoltado, as personagens que vão surgindo posteriormente são muito reais. Nenhuma delas é uma tsundere extrema, nenhum deles se esconde nos balneários femininos, nenhum deles é perfeito em todos os desportos e tira as melhores notas, nenhum deles tem pais que não se importem de ter um harem na própria casa. São um grupo normal de amigos, cada um tem os seus problemas pessoais e existe sempre o mais cómico e o mais reservado, mas todos agem de maneira humana.

 

Clannad | O Segredo de Clannad

É por isso que esta obra se destaca nas do seu género. Porque mesmo tendo os clichés que metade dos Slice of Life têm, conseguiu jogar com isso de maneira brilhante. A verdade é que apesar de isso ser incrível, o início de Clannad não é espetacular, não nos faz amar o anime incondicionalmente. Muito menos entendermos o porquê de meio mundo ter chorado mais água do que possui a bacia hidrográfica do Amazonas. Só a meio da primeira temporada é que realmente te apercebes daquilo em que te metes-te. E depois do que ocorre nesses episódios o anime volta a tornar-se um Slice of Life por mais dez episódios e tu agradeces. Afinal não vais ter que sofrer mais.

 

 

Adivinhem. Sim, voltamos a ser esfaqueados. Tudo isto para vos dizer: nunca baixem a vossa guarda quando assistirem Clannad, NUNCA confiem no anime. Quando menos esperarem uma bomba explode, e vocês vão ter de aguentar.

Para quê isto tudo? A minha opinião é extremamente simples. Não entendi o motivo do criador da história mesmo depois de ter acabado o anime, naquele momento eu olhava para este facto como um ponto negativo e isso irritava-me. Mas Clannad é daquelas obras que só surge efeito no espectador uns dias depois do seu término. Até lá vais resmungar e afirmar que o anime podia ter sido melhor do que foi.

 

 

Basicamente, e claro que isto é uma reflexão pessoal, Clannad fornece-te um mundo parecido com o teu. Dá-te muitos episódios para te tornares amigo das personagens e te apaixonares por elas. E assim como acontece na vida real, tu passas bons momentos com os teus companheiros, brincas e ris-te, comes fast food, vais à praia com eles, estudas com eles. No anime é exatamente igual. Tu tornas-te realmente próximo dos protagonistas, tu sentes-te como se fizesses parte da “turma”. Porém, no nosso mundo, pessoas próximas de nós também têm os seus problemas e muitas vezes nós sofremos com ou por eles, seja porque queríamos ajudar mais do que realmente conseguimos, ou porque vemos o nosso compincha num sofrimento agonizante.

 

 

Resultado: Quando uma das tuas amadas personagens se magoa, tu vais sentir na pele a sua dor. É por isso que Clannad nos faz chorar tanto, porque tendo tu sentimentos, vais-te sentir triste quando algo de menos bom acontecer, e vais bater palmas quando um deles conseguir alcançar o seu objetivo.

Resumidamente, a história obriga-te a assistir não sei quantos episódios para te inserires no mundo e depois relembra-te que existem coisas mais graves do que tirar negativa num teste.

 

 

A segunda temporada em particular, deixa o cenário escolar de lado. Muitas das personagens são retiradas do foco. Porquê? Porque durante a primeira temporada inteira o Tomoya ajudou os outros a resolver os seus problemas, esteve sempre presente, mesmo tendo os seus próprios conflitos internos. Na segunda parte chega a hora de ouvir os dilemas do Tomoya e acompanhar uma nova etapa da sua vida, a transição para a vida adulta. Quantos Slice of Life foram tão além? Quantos mostraram o protagonista a começar a trabalhar e o processo envolvido? Para além disso é aqui que os mistérios começam a ser resolvidos e que a lição de vida surge.

Claro, que isto acaba por se revelar uma faca de dois gumes. Como o anime é um Slice of Life o ritmo é um pouco lento, e nem toda a gente tem paciência para assistir cinquenta episódios para conhecer o seu final.

 

 

Clannad | Clannad é um Harem?

Não! Já me fizeram esta pergunta centenas de vezes e a minha resposta é um grande e redondo não! Para mim, para ser considerado um harem tinha de haver um interesse romântico/sexual de pelo menos três personagens do mesmo sexo no(a) protagonista. As raparigas de Clannad são amigas do Tomoya, apenas uma se apaixona por ele. Então podem parar de ver perversão em tudo.

 

Clannad | Um Slice of Life que contém eventos sobrenaturais pode ser tão real assim?

Isto foi daquelas coisas em que só parei para pensar quando tive de fazer esta análise… O sobrenatural no anime, para mim, é uma metáfora para os sentimentos humanos. Foi uma maneira de “materializar” algo invisível aos olhos que só é sensível ao coração. Se realmente foi esse o propósito nunca saberemos, é só uma filosofia particular.

 

 

 

Clannad | Ambiente

Uma vez li num fórum que um membro ainda não tinha visto Clannad porque os olhos dos personagens o distraíam. Claro que isto foi afirmado em tom de brincadeira, mas realmente os olhos são muito elaborados, boa sorte para quem quiser fazer um desenho de algum deles.

A arte de Clannad é lindíssima e combina perfeitamente com o cenário de mundo real que o anime tem. As cenas onde aparecem cerejeiras são maravilhosas. As cores são um pouco saturadas, principalmente para os eventos do final do anime. No fundo esse toque foi dado para enfatizar o clima sobrenatural e a ideia de dois mundos.

A responsável pelo design das personagens é a Key, para quem não é muito chegado neste tipo de traço é normal uma certa hesitação.

 

 

A banda sonora, é de longe, das melhores de sempre. Não é exagero. Eu não me importava com a música de um anime até ter parado e refletido o impacto que a de Clannad teve em mim. Em primeiro lugar, a música, faz sem dúvida o anime tornar-se mais intenso e triste, e em segundo encaixa-se na trama e não está lá só para enfeitar. Sejam as aberturas ou os temas de fecho, a letra adequa-se ao anime, e sim, eu fui ver a tradução de todas. Relembrando que muitas das músicas foram feitas especialmente para a obra, uma vez que as próprias personagens as cantam durante a história. Quantas vezes eu andei por aí a cantarolar “Dango, dango, dango…”.

Só para verem o quanto gosto da banda sonora, enquanto escrevia isto era isso que eu estava a ouvir.

 

 

Clannad | Juízo Final

Clannad é o meu anime favorito, foi complicado conseguir analisá-lo sem me tornar uma fangirl descontrolada. Até hoje, quando me perguntavam porque gostava da obra eu dizia: é incrível. Talvez não tivesse forças para me lembrar dos seus eventos finais sem cair em depressão.

Penso que se assistirmos Clannad numa fase mais delicada da nossa vida, a obra se torna mais forte para nós. Faz-nos entender que independentemente do quão difícil seja uma situação, se houver amor verdadeiro e coragem para batalhar, as coisas resolvem-se. Não é fácil, vamos chorar muitas vezes, vai doer e vão ser necessários sacrifícios. Mas a vida é assim, amarga muitas vezes, e Clannad mostra isso de maneira crua e simples, mostra a realidade.

O anime está perto de ser perfeito, mas tem falhas. O ritmo pode tornar-se monótono, eu entendo o porquê dessa opção como mencionei, mas admito que algumas partes podiam ter sido melhor aproveitadas.

Outra coisa que não me agradou foi o quão aberto e confuso foi o final. Ate hoje, meses depois, existem coisas que não entendo muito bem e que ainda me geram insónias. O final de Clannad é chocante e impiedoso, todos os nossos sentimentos são colocados à prova e a ideia de acabar assim é difícil de aceitar.

Lembro-me de ver num vídeo do Shadow em que ele descreveu o anime como “a história de um gajo”. E eu pensei comigo mesma o quão isso era verdade e no quão incrível a jornada de “um gajo” se poderia tornar. E do quanto a vida humana é frágil e nós não a preservamos, perdemos tempo com coisas inúteis e esquecemo-nos de contemplar o mundo que nos rodeia. Acho que depois do anime comecei a dar mais valor às coisas simples do que a idolatrar coisas ridículas.