Nós bem avisamos que ia sair atrasada, mas podemos fingir que foi tudo combinado? Quando “Almond” de Sohn Won-pyung (손원평) foi escolhido como o livro do mês, do nosso clube de leitura, apenas encontrámos e recomendamos as edições em inglês e espanhol (pela familiaridade geral com estas línguas)
No entanto, juntamente com a primavera, maio trouxe outras novidades: a tradução em português (PT-PT), pela mão do Grupo Editorial Presença! Assim, “Amêndoas” já está à venda, e não podemos deixar de aqui os mencionar, e expressar o nosso agradecimento e orgulho, ao ver cada vez mais editoras portuguesas a apostarem na acessibilidade da literatura coreana, ao mercado português.
Por isso, quer estejam para ler esta obra pela primeira vez, ou caso já o tenham feito: aproveitem o desconto na compra online. Temos o nosso grupo de discussão, no Goodreads, e aos domingos fazemos check-ins no Instagram da 25 BANPO. Por lá divulgamos ainda mais novidades, curiosidades, notícias e partilhamos e respondemos às vossas descobertas de literárias, por este Portugal fora!

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Sohn Won-pyung (손원평) é realizadora de cinema, argumentista e romancista. Licenciou-se em Estudos Sociais e Filosofia na Universidade de Sogang, e em Realização de Cinema na Academia Coreana de Artes Cinematográficas.
Nasceu em Seul, na Coreia do Sul, em 1979, e é filha de Sohn Hak-kyu. Apesar de ter-se retirado da corrida presidencial (2022), é um político reconhecido, apresenta-se como independente, apesar de já ter sido líder do Partido Democrata Liberal.
Sohn Won-pyung, fotografada
para a plataforma de audiobooks coreana, Millie.
Talvez por influência do pai, Won-pyung vê a vida com mais curiosidade e menos preconceitos, em comparação com a restante sociedade coreana. Ela acredita num pensamento estruturado e no conceito da individualidade, que foram essenciais na sua formação e na forma como ela agora escreve sobre o mundo que nos rodeia.
Depois de se aventurar nos filmes, estreou-se na literatura em 2016, com o seu primeiro romance “Almond”. Com ele arrecadou de imediato o 10º Prémio Changbi para Jovens Adultos de Ficção e o reconhecimento dos seus pares.
O livro foi primeiramente traduzido para inglês, pela Harper Collins Publisher (2021), em espanhol conta com uma versão ilustrada, pela talentosa Gema Vadillo. E como mencionado na introdução, este romance contemporâneo, finalmente tem a sua versão em português (2024), a ser distribuída pelo Grupo Editorial Presença.
Esquerda: capa da versão ilustrada por Gema Vadillo; Direita: Capa na edição em português, do Grupo Editorial Presença
Na cultura pop, Namjoon e Suga (membros do grupo BTS) ajudaram a popularizar este livro quando foram vistos a lê-lo durante o “BTS In the Soop”, e também o recomendaram em várias entrevistas.
Aliás, existe até uma interessante teoria: aquando do lançamento do álbum a solo “D-Day”, de Agust D (Suga), há quem diga que a faixa Amygdala foi inspirada não só na história de vida do artista, mas também neste livro.
Stills de Namjoon e Suga, dos BTS, a ler “Almond”.
Para quem viu a série “XO, Kitty”, produzida pelo Netflix: não repararam num certo cameo? Pois bem, “Almond” teve aqui o seu debut televisivo!
Still da cena e cartaz de “XO, KITTY” – comédia romântica juvenil, criada pela escritora Jenny Han para a Netflix, lançada em 2023
Mas, e o que torna este livro tão especial? A nossa resposta pode parecer óbvia, mas temos de nomear a personagem principal, Yunjae.
Yunjae, em pequeno, é logo diagnosticado com alexitimia – de uma forma simplificada, trata-se da incapacidade de identificar e expressar emoções.
A ciência culpa a falta de estimulação da amígdala (que é do tamanho de uma amêndoa), e como está ligada a uma parte do cérebro que implica o funcionamento da memória, afetando também assim a capacidade do ser humano em interpretar e associar sentimentos a várias memórias – boas ou más.
«(…) Para mim, palavras como “sentimento” ou “empatia” não são mais do que um conjunto de letras com um significado muito vago (…)» – página 25, da versão em castelhano, editada por Ediciones Temas de Hoy.
(Atenção: Spoilers; Avisaremos mais abaixo quando terminam)
Com este diagnóstico, a mãe e a avó de Yunjae fazem de tudo para prepará-lo para uma vida em sociedade. Através de um treino diário, intenso mas ao mesmo tempo casual e meiga, elas ensinam várias emoções.
Pela casa dos três, está cheia de post-its com emoções para Yunjae identificar, e subsequente reação que deve ter perante um determinado comportamento. Estes exercícios ajudam Yunjae a integrar-se e vivenciar uma vida escolar dita “normal”.
No entanto, conforme a vida corre e Yunjae cresce, e no pico da sua adolescência, um trágico acidente fez com que ele fique completamente sozinho. Sem a mãe e a avó do seu lado, encontra-se encarregado de tomar conta da casa, da loja de livros da família e de viver em sociedade, sem as dicas (e carinho) de ambas.
“(…) Tudo o que me restava eram os inúmeros livros na estante da minha mãe. Exceto isto, tudo tinha desaparecido na minha vida (…)” – página 64, da versão em castelhano, editada por Ediciones Temas de Hoy.
O livro poderia acabar aqui, mas há mais uma personagem que vai ser fundamental para o amadurecimento de Yunjae: Goni.
Também não teve uma vida fácil: em criança foi dado como desaparecido, e só é reunido com a sua família em adolescente. Uma vez de regresso aos cuidados do pai, Goni vai parar à mesma escola da nossa personagem principal, e mostra ser um aluno desinteressado, revoltado e com dificuldades em socializar. Pois até àquele momento ele tinha crescido entre orfanatos e várias famílias de acolhimento, que não lhe souberam transmitir segurança, estrutura e amor.
Uma das capas, em coreano, do livro Amondeu (아몬드 Almond).
É nesta escola que Goni acaba por espelhar todas as suas frustrações em Yunjae ao saber mais tarde que, no leito da morte da sua própria mãe, Yunjae foi recrutado pelo pai de Goni para fazer-se passar pelo (finalmente) reencontrado filho, para que a sua esposa não falecesse sem essa tranquilidade.
Para além de ser o alvo das suas frustrações, Yunjae representava também para Goni uma pessoa fora do normal, e que ao mesmo tempo invejava não ser como ele: uma pessoa que não tem medo dele, das suas ameaças e agressividade, como todos os outros até então.
Daqui nasce uma amizade invulgar, mas que de certa forma, foi essencial na vida de ambos. Goni via em Yunjae estabilidade, a única pessoa que o ouvia sem julgamento e que não repudiava; e o Goni era para Yunjae a prova de que, apesar da sua doença, conseguia ter amigos e que estas ligações emocionais eram recíprocas.
“(…) Nessa altura, não compreendia que o amor era a descoberta da beleza. No entanto, desde há algum tempo, um rosto surgia na minha mente sempre que me lembrava dessa frase (…)” – página 174, da versão em castelhano, editada por Ediciones Temas de Hoy.
(fim dos spoilers)
Apesar de a história ser invulgar, é uma que nos agarra do início ao fim, e durante a qual é impossível não sentir empatia por todas as personagens.
Pois a verdade é: o facto de Yunjae, abruptamente, ter de viver a adolescência sozinho, poderia ter feito com que a sua personalidade fosse mais áspera ou triste. Mas como teve uma base de apoio sólida e verdadeira em criança (embora invulgar), após o acidente, ele conseguiu encontrar o seu caminho na vida. Enquanto estudava, conseguiu manter a livraria da mãe com ajuda do vizinho e senhorio Dr. Shim, que o guiou durante este período mais crítico, e mostrou ser um pilar importante para o jovem.
Assim, Yunjae conseguiu mostrar-se responsável ao tomar conta da loja, ao não desistir dos seus estudos, ao conseguir estabelecer e manter relacionamentos, e ao procurar estar sempre estruturado e apoiado por quem lhe quer bem. Contra todas as baixas expectativas projetadas nele pelo seu diagnóstico médico, acabam por perder relevância, e tornam-se até uma mais-valia: ao fazer relembrar que precisa de “exercitar a amêndoa”, e assim tentar vivenciar e entender o máximo de emoções que, apesar de não saber identificar à primeira, consegue sentir.
Para a book host do nosso book club, “Almond” foi uma releitura, mas soube ainda melhor nesta segunda vez, pois não deixou de ser uma surpresa, com várias lições e perspetivas de vida diferentes. Na segunda vez lê-se sempre tudo uma outra atenção, e interpreta-se coisas que não vimos da primeira vez. Mas não se deixem enganar pela idade juvenil das personagens, pois é um romance dilacerante sobre a força da amizade, o poder das emoções e a necessidade urgente de vivermos com mais empatia e compaixão.
“Almond” é uma leitura de 5 estrelas, mais um com selo de aprovação da 25 BANPO!
“Welcome to Hyunam-Dong Bookshop”, de Hwang Bo-Reum, (ainda sem edição em português de Portugal, por isso lemos a versão em inglês da Bloomsbury Publishing), é a análise que se segue. Logo de seguida, a review de “Kim Jiyoung, nascida em 1982” (com edição em português de Portugal, pela editora Singular).
Por isso, quer tenhas já lido estes ou não, vens sempre a tempo aderir ao nosso grupo no Goodreads, e de acompanhar os updates ao Domingo, no nosso Instagram, onde brevemente faremos a votação para o próximo livro.
Até lá, continuamos a ser “a tua ponte entre Portugal e a Coreia do Sul”, com cobertura diária de K-pop, cinema, TV, política, tecnologia e muito mais, na 25 BANPO!
Análises
Apesar de a história ser invulgar, é uma que nos agarra do início ao fim, e durante a qual é impossível não sentir empatia por todas as personagens.
Os Pros
- A personagem principal pode não “ter sentimentos”, mas nós temos os nossos e os dele;
- História de superação e resiliência;
- Prova de que o amor que existe num elo de amizade pode ser tão ou mais forte do que um elo amoroso de um casal.
Os Contras
- Trigger Warnings: Homicídio; Bullying; Violência.