É verdade, já faz algum tempo, mas o Book Club não parou desde a última review!
De junho para agosto tivemos o prazer de descobrir “Lágrimas no Mercado”, o memoir de Michelle Zauner, e de agosto para setembro foi a vez de “Almond”, de Won-Pyung Sohn (análise pendente, mas fiquem atentes!).
Por sua vez, nos últimos meses do ano, tivemos a ler o “Lições de Grego”, de Han Kang, que acabou por se estender além do prazo habitual, por causa de reorganizações internas já mencionadas no nosso último artigo, e por causa de outras surpresas que apareceram pelo caminho!
Tivemos o prazer de ser convidades para uma edição do FNAC TALKS – onde este livro e o nosso grupo de leitura estiveram em destaque; e por último, concentramos todo o nosso esforço e tempo na organização de mais um evento de sucesso – desta vez de natal, na Biblioteca de Alcântara – e do qual a 25 BANPO BOOK CLUB também marcou presença, com o seu cantinho de destaque, em colaboração com a BLX – Bibliotecas de Lisboa!
Posto este breve resumo, vamos então à primeira análise publicada este ano? E não se esqueçam de nos seguir no Goodreads para estarem a par de todas as novidades!
“Lições de Grego”, de Han Kang, foi lançado na Coreia do Sul em novembro de 2011 e traduzido somente para inglês em abril de 2023. O livro, quarto da autora em Portugal, foi lançado em português em setembro de 2023.
Han Kang é a premiada escritora de “A Vegetariana”, “Atos Humanos” e o “Livro Branco”, todos traduzidos em português pela Editora D.Quixote.
Neste livro, Han Kang não cria uma ligação pessoal entre o leitor e as personagens, já que, não nos dá os nomes das mesmas. Na nossa opinião, o nosso laço afetivo às personagens nem é quebrado, devido a este fator. E o facto de não sabermos os nomes, não quer dizer que não consigamos entender as dificuldades das mesmas. Assim, o livro torna-se um retrato íntimo e profundo das vulnerabilidades e solidão de ambas as personagens e, são estes relatos que ajudam a criar o laço afetivo às personagens.
Sabemos que a nossa personagem feminina perdeu a capacidade de falar. Não sabemos, à partida, se por uma condição física ou psicológica, embora ao longo da história seja percetível que esteja associado a uma condição psicológica. Vamos percebendo que os períodos da perda da fala estão associados a momentos de muito stress e tristeza profunda.
“Simplesmente, ela não gostava de ocupar espaço. Toda a gente ocupa uma certa quantidade de espaço físico (…) mas a voz vai muito para além disso. Ela não tinha qualquer desejo de se disseminar”, página 53.
A primeira vez que a nossa personagem experiencia a perda da fala é na adolescência, mas consegue recuperá-la através de aulas de francês. No entanto, na segunda vez que tal lhe acontece, culmina no divórcio e na perda de custódia do filho. O facto da personagem não conseguir expressar-se, faz com que seja dada como incapaz de cuidar do seu filho. Assim, perde a custódia e, contra a sua vontade, o ex-marido afasta-a completamente do filho, quando estes se mudam para o estrangeiro.
“Caminha para que, nessas horas vívidas da madrugada, não tenha de recordar e juntar obstinadamente os estilhaços das suas memórias”, página 95.
Já a nossa personagem masculina, encontra-se a perder a sua capacidade visual. Sabemos que esta condição é genética já que o seu avô e o seu pai sofreram do mesmo mal.
“Sinto-o como uma corrente lenta e cruel de uma enorme massa, que passa constantemente através do meu corpo até me vencer a pouco e pouco”, página 40.
A sua história é contada através de cartas e memórias. O seu discurso é feito de uma forma nostálgica, num esforço de preservar a sua “luz”, já que se sente a entrar num mundo de escuridão. Há o cuidado na descrição visual das suas memórias com o medo de que as possa perder.
Estas memórias são quase todas endereçadas à família ou a uma mulher, com a qual teve uma relação, na Alemanha – país para o qual emigrou em criança com os pais e, ao longo da leitura, percebemos que ambos têm longas discussões sobre tempo e escuridão, algo que de certa forma, é a batalha travada por esta personagem.
“Tenta ver as coisas assim – disseste de novo, como se quisesses apaziguar-me. – Na escuridão não há Formas. Há apenas escuridão, uma “menos” escuridão. Para simplificar, não há formas no mundo sub-zero. Para isso tem de haver luz, por mais ténue que seja. Sem uma luz ténue, não há Forma. Percebes?”, página 128.
Poderíamos pensar que o elo entre estas duas personagens seriam as incapacidades físicas que enfrentam, mas na realidade, o elo entre ambos é o grego antigo e os escritos de Platão. As personagens interagem com a língua grega de maneira diferente, sendo que o que os distingue é a necessidade que atribuem ao estudo da mesma.
O professor, especialista no tema, romantiza o grego antigo como o auge da linguagem, linguagem essa que morreu e pelo qual mantém o esforço para manter viva.
E a personagem feminina que se torna sua aluna, com a sua capacidade verbal “bloqueada”, vê no grego antigo uma forma de se retratar. Para esta personagem a linguagem é algo “insuportavelmente vivo”, e fascina-se pela forma como a “conversa move os pulmões, a garganta, a língua e os lábios, faz vibrar o ar enquanto voa para o ouvinte”.
Partilhando o mesmo espaço físico e sem se darem conta, partilhando a mesma solidão, é inevitável que estas personagens se aproximem. E embora se tenha apercebido da aluna especial que assistia às suas aulas, a autora deixa para os últimos capítulos a aproximação de ambos.
“Havia algo de assustador no silêncio daquela mulher, algo de terrível. (…) foi como o silêncio de morte (…) Nunca tinha visto um silêncio assim em alguém que estivesse vivo”, páginas 80-81.
Finalmente, aproximando-se devido a um “acidente”, estes personagens terão de navegar privados de dois dos sentidos fundamentais à comunicação humana. Para nós vai parecer um monólogo, já que o único a comunicar verbalmente é o professor, mas depressa apanhamos a maneira única e reflexiva de como ambos exprimem-se. E é durante uma dessas interações, de uma certa noite, conseguimos perceber que na privação de um sentido, todos os outros são mais apurados, e assim o entendimento entre os dois torna-se possível.
Quando nos aproximamos do fim do livro, Han Kang, consegue transmitir-nos uma sensação de silêncio que nos vai distanciando da leitura. É como se a autora estivesse a criar o espaço para ambas as personagens se conhecerem e desenvolverem a sua relação longe dos nossos olhares.
Foi um livro muito diferente de todos os que lemos durante 2023 no book club, mas que fechou o nosso primeiro ano com chave de ouro. É mais um livro com selo de aprovação do Book Club da 25 BANPO!
Não se esqueçam que ainda vai sair a (atrasada) análise de “Almond”, de Won-Pyung Sohn. Até lá, vens sempre a tempo aderir ao nosso grupo no Goodreads, e de acompanhar os updates semanais, ao Domingo, no nosso Instagram, onde brevemente faremos a votação para o próximo livro.
Até lá, continuamos a ser “a tua ponte entre Portugal e a Coreia do Sul”, com cobertura diária de K-pop, cinema, TV, política, tecnologia e muito mais na 25 BANPO!
Análises
Não tem uma leitura fácil. É muito descritivo e facilmente se perde o fio condutor. Ainda assim, depois de passarmos os capítulos iniciais, o leitor entra numa bolha tão tranquila, que facilmente se transporta até à sala de aula e ao universo reflexivo construído pela Han Kang.
Os Pros
- Leitura reflexiva;
- Escrita e descrição poética;
- História apaixonante: quando começamos não queremos largar.
Os Contras
- Despersonalização das personagens;
- Leitura pode ser considerada densa;
- Narração na terceira pessoa.