A fórmula é simples.
Pegar numa propriedade já conhecida com milhões de fãs. Levá-los ao cinema. Fazê-los espalhar a boa palavra. Coletar o dinheiro e celebrar.
Os Estúdios Marvel apanharam a ideia há 15 anos e continuam a desfrutar do sucesso. Os fãs de um franchise são os seus maiores embaixadores e até fazem o trabalho de borla. Tweets, blogs, críticas no YouTube, streams, stories, cosplay… Os estúdios podem poupar muito dinheiro em publicidade se puserem os fãs a falar. Desta forma, deveria ser óbvio que agradar aos fãs é importante se querem que a mensagem se espalhe.
Aliás, desiludir os fãs pode ter o efeito oposto. Se até os fãs de uma propriedade estão a falar mal do filme, porque é que um não-fã haveria de pagar bilhete?
É, por isso, chocante que em 2023, quando já temos casos de estudo que comprovam estes padrões de sucesso, ainda se fazem filmes como Knights of the Zodiac. É nítido que quem decidiu adaptar Saint Seiya para criar este filme viu a série original e não gostou do que viu. Os paralelismos entre o produto original e o novo filme limitam-se aos seguintes:
- O protagonista chama-se Seiya, um jovem que procura a irmã e está destinado a ser o Cavaleiro de Pégaso, protetor da renascida Athena;
- A Deusa Athena renasce nos tempos modernos;
- O Cavaleiro de Fénix é um mau da fita;
E assim termina a lista; e são de facto fatores importantes para a história original, por isso ainda bem que os produtores decidiram manter estes elementos. No entanto, não são estes os motivos pelo qual Saint Seiya teve um sucesso global gigantesco. Saint Seiya é um mundo de lendas e mitos modernos, cheios de cor. Neste filme, a cor foi substituída por escuridão e sépia. O exército privado dos vilões consiste em robôs ninjas
vestidos completamente de preto. Em vez de uma equipa de cavaleiros, cada um com as suas cores características, temos apenas Seiya a lutar sozinho, com uma armadura suja.
Cavaleiros do Zodíaco Live-Action – Análise
A identidade musical do anime é inesquecível. Desde o rock melódico da Pegasus Fantasy passando pela maravilhosa orquestração da banda sonora, digna das Óperas mais clássicas, a música de Saint Seiya é sua e de mais ninguém. A banda sonora deste filme é
absolutamente genérica, e para além de um ou dois apontamentos de homenagem à Pegasus Fantasy, que sabem bem aos ouvidos mas desaparecem rapidamente, não acresce nada ao filme ou ao universo que este tenta construir. A música de fundo da adaptação live-action de Knights of the Zodiac podia servir para qualquer filme ou série de super heróis, sem qualquer tipo de identidade.
A ação do filme é boa. É filmada de forma a tornar claro o que está a acontecer, que golpes estão a ser feitos, mantendo uma identidade própria que remete à estética de animes shounen, com exageros bem vindos na intensidade dos golpes. A cena de tiroteio do Mylock é particularmente memorável e o Mark Dacascos merece o seu próprio filme só na base desta cena.
No entanto, mais uma vez não condiz com a fonte. As lutas de Saint Seiya eram cativantes pelas estratégias, os raciocínios dos guerreiros, a história por detrás de cada Cavaleiro, aquilo que os motivava. Para derrotar um cavaleiro com armadura inquebrável, temos que obrigá-lo a acertar no seu próprio escudo. Para ganhar vantagem sobre um adversário cujos poderes afetam a visão, é necessário sacrificar os nossos próprios olhos. Este tipo de drama e inteligência é que tornava as batalhas de Saint Seiya interessantes e sui generis.
Em vez disso, neste filme temos apenas um concurso constante de quem é que bate com mais força mais rápido. Ainda sobre as motivações das personagens, em Saint Seiya os adversários dos cavaleiros de bronze raramente eram genuinamente malignos. Os Cavaleiros de Ouro acreditavam estar a fazer o melhor pelo mundo. Os Cavaleiros de Asgard tinham as suas próprias famílias para proteger e crenças para defender, etc.
Em Knights of the Zodiac, há 2 vilões: Um deles interpretado por Famke Janssen, com motivações bem identificáveis e humanas. O outro é Nero de Fénix, um puto que é mau só porque sim. Sorri quando os bons da fita sofrem, faz um esgar quando as coisas não lhe correm bem, e é isso. Fénix é mau porque é mau, e já vamos com sorte. Sobre o vilão de Janssen, observamos mais um pilar importante desta desgraça de adaptação. Se leram a Manga ou viram o Anime original, não se vão lembrar desta personagem, porque ela foi criada recentemente para a série animada da Netflix; e se nunca ouviram falar dessa série, é porque mais uma vez foi uma péssima adaptação que não pôs nenhum fã a falar bem.
É completamente bizarro que com décadas de material para adaptar, desde a Manga original, passando pelo Lost Canvas, e até ao Soul of Gold, os produtores decidiram que o melhor a fazer seria pegar na série de Netflix, uma completa bebéficação de Saint Seiya, apropriada só para os fãs de Ladybug e Gato Noir. O filme vai mais longe e torna essa série para bebés numa versão para bebés americanos. Nada contra os nossos tresloucados amigos do Oeste, mas Saint Seiya é um produto nitidamente Japonês com grandes influências de mitologia Europeia.
Quando penso em Cavaleiros do Zodíaco penso em combates épicos entre Cavaleiros dedicados aos seus ideais, penso em constelações, penso em Estátuas e Templos antigos. Não penso em Naves Espaciais a disparar mísseis contra carros. Não penso em clubes de MMA
underground. Não penso em ninjas ciborgues. Resumindo, Saint Seiya é uma propriedade cheia de imaginação, conceitos fascinantes e
uma identidade única.
O filme Knights of the Zodiac não tem nenhuma ideia original e tenta desesperadamente ser igual a todos os outros filmes de ação que vieram antes dele, e isso é nítido no seu clímax quando (SPOILER ALERT) Athena perde o controlo e emana uma onda de poder destrutivo à sua volta. Seiya, que prometeu matá-la caso ela perdesse o controlo e começasse a destruir o Mundo, aproxima-se dela pouco a pouco, resistindo ao seu enorme poder, e vai perdendo a sua roupa e armadura enquanto tenta convencê-la a parar. Se esta descrição vos parece familiar é porque é um remake quase plano por plano do final do último grande blockbuster de Famke Janssen, X-Men 3. Se Janssen viu Knights of the Zodiac, terá certamente pensado “espera lá, eu já fiz aquilo”.
Era óbvio que o filme ia ser mau? Sim. Era nítido que quem estava a adaptar o filme não gostava do material original. Então porque é que estou a bater no ceguinho com este testamento? Porque enquanto Hollywood está sempre a tentar adaptar, sequelar ou rebootar aquilo que já foi bem feito, na minha opinião Saint Seiya é algo que de facto merece atenção e carinho para receber uma adaptação que corrija os erros do original.
Sendo grande fã do anime, reconheço as suas falhas. É óbvio que a narrativa não foi bem pensada a longo prazo. O anime não parecia saber bem o que fazer com Seika, a irmã de Seiya; Jabu, o Cavaleiro de Unicórnio, começou por parecer importante mas passados poucos episódios tornou-se irrelevante; depois do sucesso da saga do Santuário, a série tornou-se altamente repetitiva.
Saint Seiya nunca foi feito na perfeição e uma boa saga de filmes com orçamentos Hollywoodescos podia ajudar. Mas infelizmente, não foi o caso. A única coisa que poderia ter salvo este filme teria sido uma cena pós créditos em que o Son Goku de Dragon Ball Evolution apareceria para convidar Seiya para um combate.
Na verdade, ambos os filmes encaixariam perfeitamente num novo universo cinematográfico de adaptações risíveis.
Análises
Cavaleiros do Zodíaco Live-Action - Análise
Os Pros
- Cenas de Luta criativas e bem filmadas
- A cameo musical da canção "Pegasus Fantasy"
Os Contras
- Personagens mal construídas
- Banda sonora genérica
- Ausência de cor
- Sem qualquer ideia nova, só clichés