Disclaimer:
Sou uma pessoa com problemas em lidar com a irritação e acabo por entrar em longos rants sobre os mais variados temas que se calhar não interessam nem ao menino Jesus. Pois bem, em vez de deixar que isso me consuma, vou partilhar com vocês as a minhas “úlceras e aneurismas à espera de acontecer”. Isto são coisas que me incomodam a mim, não quer dizer que eu esteja certo e que as histórias tenham que seguir o meu rumo, muito provavelmente eu é que estou mal e não devia ver ou ler ou etc.
Já agora, SPOILER ALERT para a obra em foco no artigo em questão, e para outras mediante aviso prévio.
Fairy Tail representa o pináculo de potencial desperdiçado no mundo manga/anime.
Nunca li Rave Master nem Edens Zero, por isso não posso dar uma apreciação ponderada de Hiro Mashima enquanto contador de histórias. Contudo, posso dizer que em larga medida, Fairy Tail seria prova chave para a acusação se Mashima-sensei estivesse a ser julgado por crimes contra personagens.
Não me considero perito na obra, nem tenciono ser, mas a verdade é que lhe dei, ao longo de vários anos, numerosas oportunidades que somadas, resultam em mais de 175 episódios vistos. Os primeiros episódios cativaram-me pela novidade e conceito inicial, depois foi a comédia e banda sonora e, por fim, o que me manteve nas primeiras tentativas foram 3 personagens: Mystogan (coitado, mas já lá vamos), Gildarts (ou Shanks “Ctrl-C, Ctrl-V”, mas ainda assim cool) e, claro, Erza Scarlet.
E é maioritariamente nela que assenta o fundamento deste artigo. Alias, não fosse eu ter descoberto certas coisas do manga, posteriores ao meu abandono, afirmaria categoricamente que a Erza é a “personagem mais certa na obra mais errada” que eu já vi. Mas, como disse acima, o Mashima-sensei foi mau com os seus filhos e nem a luz da esperança de cabelo rubro escapou à sua “ira”.
Caso este seja o vosso primeiro “Um Pedro No Sapato” e/ou tenham saltado o disclaimer no topo do artigo (não vos censuro), o exercício que aqui vou realizar é o de descarregar as minhas frustrações para com Fairy Tail, cuja adoração de tantos me perplexa, através daquilo que os nativos da língua inglesa criativamente denominam de backhanded compliment.
Fairy Tail e o Episódio “Perfeito” – Um Pedro No Sapato:
O episódio em foco nesta edição do Um Pedro No Sapato é o episódio #167 – 100 vs 1, que integra o Grand Magic Games arc.
Porque o artigo trata de algo extremamente específico, estou a assumir que vocês, caros leitores, estão a par da narrativa de Fairy Tail em geral, e deste arc em específico. Ainda assim, vou situar a acção quanto mais não seja para vos recordar desta “espécie de knorr de galinha” de arc que encapsula tudo aquilo que Fairy Tail representa:
- Um hype inicial por causa de uma boa premissa;
- Novas e intrigantes personagens que em última instância são diluídas depois de servirem o propósito do elenco principal;
- Cenas épicas;
- Cenas decepcionantes;
- Natsu a ser Natsu…
- Outra vez Jellal;
- Confronto final anti-climático – Natsu wins, lol;
- Potencial evento que poderia de facto mudar algo na narrativa, mas é bait and switch;
- E Lucy… (ainda mais a dobrar neste caso!!)
Grand Magic Games – Como chegámos aqui?
Então, minha boa gente, recordam-se do Tenrou Island arc? As nossas personagens-chave foram tentar tornar-se S-Class (só para diluir a qualidade do que é um Mage S-Class…), mas na ilha onde estavam a realizar as provas, estavam igualmente os mauzões de Grimoire Heart.
Depois do imenso plot armor alojado no cu dos membros do guild e em especial no rabão do Natsu, os mauzões são derrotados e tudo parece estar bem… Eis que entra em cena o puto emo e o seu, honestamente, muito cool dragão e mandam a ilha com o diabo. Do nada, puff… lá se foi o elenco principal de Fairy Tail.
Sem grandes surpresas, é óbvio que o Mashima-sensei não iria dar o off às personagens principais todas de uma só vez, mas que foi um fecho de arc interessante e surpreendente lá isso foi. Mais surpreendido fiquei com o regresso da narrativa 7 anos após o incidente em Tenrou Island. O guild caiu na lama, reputação no esgoto e temos o regresso triunfante dos desaparecidos tal e qual como estavam aquando do ataque do Acnologia. O tal e qual é relevante… ou seria relevante se fosse outra obra.
A cidade de Magnolia está diferente, Fairy Tail está longe de estar no topo e, após dois arcs muito mid – o do regresso e o Key of the Starry Sky (Santa Atena que estás no Olimpo livrai-nos de arcs com a Lucy no comando…) – surge a hipótese de redenção do outrora famoso guild, agora com as suas peças fulcrais de volta e também elas desejosas de recordar a todos quem são e o que representam, na forma dos Grand Magic Games, um tournament arc entre guilds que mais parece os Jogos Sem Fronteiras.
Grand Magic Games – Who are the Players?
Bom, seja torneio de guilds ou Jogos Sem Fronteiras, são precisos intervenientes para além dos “nossos queridos” não é? Se bem que Fairy Tail formou duas equipas para o torneio… Com jeitinho ainda competiam uma contra a outra.
Não vou referir todos os guilds, quero apenas sublinhar alguns que me chamaram a atenção, mesmo que depois tenham sido esborrachados (e claro que foram):
Sabertooth:
Em termos narrativos, era o guild nº1 em Fiore que, claro, tem dois Dragon Slayers muito fodões, Sting e Rogue, dos quais a única coisa decente é a presença do único Exceed genuinamente fofo e que não me incomoda: Frosch! Têm ainda uma mage muito mazona e tal cheia de misticismo e malícia chamada Minerva e um brutamontes que dizem ser God Slayer de relâmpagos, o Orga, o ogre (este cognome fui eu que acrescentei, não liguem!).
São supostamente os grandes rivais e alvos a abater neste arc e, sem grandes surpresas, enquanto não é determinante para o enredo, humilham e limpam o chão com Fairy Tail, mas depois o Natsu sentiu o rabão a queimar e decidiu que afinal conseguia derrotar os dois fodões de Sabertooth… sozinho. Conteúdo de primeira! Até senti pena da forma como o Gajeel é simplesmente descartado da batalha.
Mermaid Heel:
Guild interessante com duas personagens curiosas que, tal como Fairy Tail no seu todo, não passou de potencial desperdiçado. Por um lado temos a Millianna, que é um sinal da passagem do tempo e alguém que partilha passado com a Erza. Mas com quem Mashima-sensei cometeu um crime foi com a Kagura. Personagem muito interessante, com design muito fixe e todo o conceito da espada que ela não desembainha é super aliciante. Isto até descobrirmos que a pessoa que a fará usar a katana na sua plenitude se trata, nada mais nada menos, do que Jellal (Mystogan)… F***!
Desperdício de mais personagens interessantes nessa batata de cabelo azul! #QueroOMystogan
Lamia Scale:
Estes já eram nossos conhecidos, mas foi muito cool ver o Lyon de volta e, acima de tudo, ver o Jura que agora é um dos Ten Wizard Saints!
Raven Tail:
O Dark Guild do arc. Nada digno de nota.
Nem merece imagem.
100 vs 1:
Chegámos finalmente ao sumo do artigo, o episódio 100 vs 1. É o terceiro dia dos Grand Magic Games e o desafio apresentado pelo “Eládio Abóbora” é o Pandemonium: um castelo invertido bem cool, repleto de monstros de diferentes ranks. A ideia do desafio envolvia uma boa análise de conta e risco, na qual cada participante teria de “apostar” que conseguiria derrotar X monstros e de Y rank e, além de ter que de facto completar a tarefa, teria que ter em conta as possíveis escolhas dos outros participantes. Ou seja: um podia dizer eu derroto os 4 de Rank-A, mas se perdesse e o seguinte dissesse 4 de Rank-B e 1 de Rank-A e conseguisse, ficaria imediatamente na frente.
Podia nem sequer ter explicado nada, mas o conceito pareceu-me mesmo curioso. O que ninguém estava à espera foi que a Erza decidisse que esta era altura de provar um ponto e de mostrar “quem é que manda nesta m**** toda”! Tiram à sorte a ordem de escolha e ela sendo a primeira a escolher, chega-se à frente e diz:
Exerço o direito de desafiar os 100!
Migos e migas é caso para dizer: aqui vamos nós! Porque nós sabemos que a Erza é capaz, mas todas as novas personagens não fazem ideia e essa antecipação é essencial para que este episódio tenha impacto. E se tem!
Neste episódio eu só consigo elogiar todos os envolvidos na produção, desde os seiyuu aos realizadores, porque a justaposição da reacção das personagens fora do castelo – de descrédito, incredulidade a embasbacados e maravilhados – com o combate épico da Erza dentro do Pandemonium é uma delícia. Na base está algo usado em muitos anime da demografia, mas nem sempre bem executado: vitória absoluta e incontestável.
Geralmente, este tipo de combate é usado para sublinhar algo importante sobre as personagens/situação: montra para expor o poder avassalador de um novo vilão, montra para mostrar a inequívoca evolução do herói ou, como neste episódio, montra para reafirmar a identidade dos heróis ao mesmo tempo que se serve do nosso conhecimento prévio para nos fazer soltar um, “Wow, o que ela passou para chegar aqui. Aqui estás tu… Titania!”.
O sentimento é mais importante que o desafio, e para nos manter sempre com as emoções em cima, o staff de Fairy Tail sempre teve um poderoso aliado, o qual pôde, nesta situação, ser usado sem qualquer tipo de limitação: a banda sonora!
A banda sonora de Fairy Tail é sem dúvida um dos seus pontos mais fortes, mas nunca a senti tanto como neste episódio. A sinergia com a luta é brutal, sobretudo quando em simbiose com a mudança de armaduras e armas que são a imagem de marca da Erza.
O segmento termina um momento de puro êxtase e catarse que inexplicavelmente me deixa sempre com a lágrima no canto do olho. Estranho tendo em conta que tenho zero de ligação com a narrativa e personagens, talvez excluindo a Erza, mas a verdade é que a banda sonora faz um autêntico trabalho hercúleo para me levar a tal estado. Ah, e claro, não vou descorar que o set up da sequência é tão bem arquitetado, ainda que beneficiando de conhecimento prévio da narrativa.
Mas o episódio não termina aqui…
Fairy Ball Z?
Toda a fantástica sequência acima descrita dura meio episódio, o que até joga a seu favor já que não dá espaço para quebras no ritmo nem tenta extrair do momento mais do que o necessário. O que fizeram então com o resto do episódio? Bom, visto que de um evento onde devia sair uma classificação de todos os participantes, saiu apenas a inequívoca vitória da Erza, a representar Fairy Tail A, faltava determinar a restante ordem para atribuição dos pontos.
Para tal, Fairy Tail foi pedir emprestada uma ideia a Dragon Ball Z. Lembram-se quando antes do torneio de artes marciais os organizadores se servem de uma máquina para medir a força do soco para fazerem uma primeira triagem dos participantes?
Lembram-se agora certo? Pronto, em Fairy Tail fizeram algo semelhante, mas com um MPF (Magic Power Finder). Mesmo princípio, mas magia em vez de porrada. De todos os que tentaram bater recordes, vou apenas sublinhar dois.
Por um lado, temos o Jura. Sendo um dos Ten Wizard Saints, a curiosidade para saber que tipo de feitiço ia executar e o resultado que iria obter, estava em alta. Não desapontou de todo e conseguiu uns fantásticos 8544 pontos.
Por outro lado, temos a wildcard Cana Alberona. Nunca desgostei da Cana, mas sempre achei que tinha sido muito parvo tentar dar-lhe relevância ao ser revelado que ela era filha do Gildarts. Nepotismo para relevância narrativa é imagem de marca em Fairy Tail, mas faz-me sempre exasperar. Ainda assim, estava verdadeiramente curioso para saber o que ela iria fazer para ganhar. Não contava com o facto da Mavis Vermillion lhe ter “emprestado” o Fairy Glitter, uma das três Grandes Magias do guild. O que se assiste é a uma Cana a surpreender todos e a estourar com o MPF, com a banda sonora a bombar de fundo.
Sim, Fairy Tail wins lol e a dobrar, mas neste caso admito que funciona. Seja pela nostalgia de algo realmente divertido e hype como os torneios de artes marciais de Dragon Ball eram, seja porque gosto de ver personagens a serem subestimadas para depois calarem toda a gente com uma grande demonstração de poder, a verdade é que a segunda parte do episódio é a nota perfeita para o encerrar.
Infelizmente, este episódio é a excepção que confirma a regra…
Fairy Tail é uma desilusão…
É penoso para mim, tendo em conta todo o potencial basal da obra, pensar que precisei de ver 166 episódios para sentir verdadeiras emoções a assistir a Fairy Tail. Estou a exagerar? Claro que estou! Se não tivessem existido pequenos doces pelo caminho, não tinha aguentado tanto tempo. A diferença dessas esmolas do Mashima-sensei e este episódio, é que no vácuo, 100 vs 1 funciona como uma encapsulação de “o que poderia ter sido toda esta obra”. Relativamente aos pequenos momentos que me mantiveram pelo caminho, só fica o amargo de boca de como todos eles levaram sempre a algo insípido, mole ou simplesmente mau:
- Mystogan, o S-Class Mage misterioso cheio de ceptros e bastões (coool) é na verdade o Jellal…
- A Mirajane, o Elfaman e o Natsu mudaram com a morte da Lisanna, tendo sobretudo os seus irmãos ficado com grandes traumas emocionais que estavam a tentar superar aos poucos… psych, afinal a Lisanna está viva. A que de facto faleceu foi uma Lisanna de um outro mundo paralelo (já agora, fuck Edolas!)
- Sabertooth é um guild lixado com dois Dragon Slayers que podem mesmo rivalizar com os de Fairy Tail? Não, o Natsu manda o Gajeel passear e derrota o Sting e o Rogue sozinho só para dar aquele flex de protagonista…
- O Zeref parece cool… Zeref é irmão do Natsu
- Uhhh este arc termina com consequências sérias? Nop, existe uma Ultear que se sacrifica para “puxar a cassete atrás”.
- …
Podia continuar, mas estes são os que me recordo sem me esforçar muito e decididamente não vou rever o anime para os listar a todos. Sinto, ainda assim, que conseguem entender aonde quero chegar. Fairy Tail não passa de um monte de ideias brilhantes pensadas no duche, que se desfizeram em papa assim que o mestre as tentou apontar, levando a uma massa cinzenta, desconexa e desprovida de qualquer impacto.
No meio de tudo isto, resta-me o episódio 167 para me recordar de que afinal, só 99% do tempo que despendi a ver o anime foi desperdiçado.
Tristemente, é mesmo a exceção que confirma a regra.