As origens de um produto são, muitas vezes, tão ou mais interessantes que o próprio produto.
Isto aplica-se a qualquer coisa. Por exemplo, e talvez das mais conhecidas, é a história por detrás das famosas Estrelas Michelin, prémio atribuído aos melhores restaurantes, que nasceu de um guia turístico publicado pela primeira vez em 1900 por André Michelin, com o exclusivo propósito de aumentar as vendas de automóveis e, consequentemente, dos seus pneus. É uma história muito mais interessante que os pneus, que o turismo, e até que as próprias Estrelas (caso não conheças esta história, aconselho).
Embora o seu verdadeiro interesse seja mais do que discutível, suspeito que alguém cuja paixão seja por gastronomia e não marketing, se vá interessar mais pelas Estrelas (e pelos restaurantes premiados), do que pela história que lhes deu origem.
Eu sempre tive muito interesse pelas peças que formam o todo, uma paixão maioritariamente centrada no cinema, mas que a dada altura também resvalou para anime e manga. Por isso, títulos que oferecem um vislumbre para as entranhas destas indústrias, com tons de documentários quase biográficos, me são tão queridas (ex: Shirobako, Bakuman, Barakamon, Fune wo Amu, Eizouken, Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu, etc, etc)..
O que tem tudo isto a ver com a curiosa origem de Cowboy Bebop? Mais do que parece, precisamente porque a concepção de Cowboy Bebop é tão interessante quanto Cowboy Bebop em si.
A Curiosa Origem de Cowboy Bebop
Caso não estejas familiarizado, Cowboy Bebop foi produzido e animado pelo Sunrise, um dos estúdios mais importantes da indústria do anime, responsável por clássicos como Cyborg 009 e Mobile Police Patlabor, mas, sobretudo conhecido pelo seu grande ganha-pão: Mobile Suit Gundam. Ora, o Sunrise estabeleceu-se na indústria da animação japonesa como estúdio especialista na animação de Mechas, algo que poucos conseguiam fazer com qualidade, aproveitando esse facto para promover, através das suas séries, a venda de brinquedos e figuras de coleção.
Este modelo de negócio, bastante lucrativo por sinal, tanto nessa época como agora, fez com que o Sunrise andasse sempre de mãos dadas com a Bandai, produtora de brinquedos. Nas décadas de 80 e 90, Gundam já tinha conquistado os mercados e os corações de muitos fãs de anime, estabelecendo o Sunrise como um grande estúdio e a Bandai como uma grande produtora de brinquedos de anime.
A dada altura, a Bandai queria uma lufada de ar fresco, procurando introduzir brinquedos novos nas prateleiras dos retalhistas. De acordo com Masahiko Minami, na altura produtor no Sunrise, atualmente presidente do estúdio Bones, a Bandai fez-lhe a proposta de produzir um anime novo, completamente original, com uma narrativa de ficção-científica que tivesse naves espaciais.
“Nesse momento, peguei no meu telefone e perguntei ao Watanabe: ‘bem, quando é que estás a pensar regressar ao trabalho?’”, revela Minami.
Como seria de esperar de Shinichiro Watanabe, embora o financiamento para a produção de um anime original fosse muito bem-vindo, a promoção de brinquedos nunca estaria no centro da sua arte. Então, quando contactou Keiko Nobumoto, guionista da série (e, para mim, uma das melhores guionistas que a indústria de anime alguma vez teve), para lhe propor a escrita de Cowboy Bebop, omitiu-lhe deliberadamente o importante pormenor de se tratar da produção de uma série de ficção-científica para vender brinquedos.
“A única obrigação que a Bandai nos fez chegar foi a de criar uma série com naves espaciais, não havia diretivas relativas à narrativa, então eu queria [que a Keiko] se focasse apenas nas ideias. Por outras palavras, o nosso verdadeiro objetivo era o de criar histórias incríveis, da forma que quiséssemos, sem nos preocuparmos com o pedido da Bandai. Quando lhes entregamos o rascunho do projeto, perguntaram-nos: ‘e os nossos brinquedos?!’ e abandonaram o projeto. Felizmente, a Bandai Visual, o departamento de produção e distribuição da Bandai, resgatou a ideia e salvou o dia”, revela Watanabe.
Cowboy Bebop partiu de uma necessidade comercial: uma série que promovesse novos brinquedos. A ideia inicial estava longe de ser a profunda história sobre humanos imperfeitos a tentarem lidar com os seus passados que todos conhecemos, mas, depois de uma série de acasos, e principalmente porque Minami fez a chamada certa no momento certo, o mundo tem agora a oportunidade de ver um clássico instantâneo.
Depois destas adversidades, a produção ainda atravessou outros problemas, desde reticência por parte dos canais em transmitir uma série com temas adultos, em particular por causa do “sexo, drogas e violência”, bem como o facto de não saberem quantos episódios iriam conseguir produzir.
Porém, caro leitor, tudo isto é conversa para outro artigo. Até lá, recomendo-te estas duas leituras:
Fonte: Entrevista realizada a Masahiko Minami (ex-produtor do Sunrise, atual presidente do BONES), Shinichiro Watanabe (realizador) e Keiko Nobumoto (Guionista e Gestora da Narrativa) na Japan Expo 2018, a propósito do 20º Aniversário de Cowboy Bebop.
Transcrição e tradução em inglês: kViN, do Sakuga Blog
Sabias que que Cowboy Bebop tinha inicialmente outros títulos? 😱