Apesar de o cristianismo representar uma minoria religiosa (1% da população) e de ainda haver o costume de calcular as datas a partir do dia em que o imperador vigente subiu ao poder (no 1º de Maio de 2019 começou a era Reiwa), a passagem de ano é celebrada no Japão, como em Portugal, no dia 1 de Janeiro. Tal deve-se à oficialização do calendário gregoriano em 1873, cinco anos após a revolução Meiji e a grande abertura do Japão ao mundo exterior, em detrimento do calendário tradicional nipónico Tenpō, menos prático e mais impreciso.
Ano Novo no Japão – Tradições e Curiosidades
O Novo Ano Japonês, ou Shōgatsu, é talvez a mais importante das festividades no país e envolve inúmeras tradições e superstições.
Os preparativos prologam-se por várias semanas e a celebração em si pode durar entre três a sete dias, abarcando os últimos dias de Dezembro e os primeiros três ou quatro de Janeiro. As férias escolares de inverno coincidem com este período festivo em que também os estabelecimentos comerciais podem optar por encerrar, de preferência nos primeiros três dias de Janeiro. O primeiro dia do ano, ao ser um feriado nacional, também dita o encerramento de bancos e outros serviços públicos.
Na passagem de 2020 para 2021, os festejos irão sofrer alterações devido à situação de pandemia. Os cidadãos não-japoneses serão os mais afetados, estando proibidos de entrar no país entre 28 de Dezembro e o final do mês de Janeiro. Haverá mais pessoas com máscaras e em menor número, maior distanciamento social, além de recipientes com álcool-gel espalhados um pouco por todo o lado.
Limpar, Comer e Visitar Templos
Bonenkai
Ao longo do mês de Dezembro, há quem organize festas e jantaradas (Bonenkai) com colegas ou amigos, onde todos são incentivados a esquecer os problemas do ano velho. No entanto, para a generalidade dos japoneses, os últimos dias dum ano e os primeiros do que se segue servem não só para refletir sobre o período que chega ao fim e aquilo que se pretende alcançar no futuro próximo, mas também para reunir a família. O virar da última página do calendário apresenta-se aos japoneses como uma oportunidade para começar de novo ou iniciar uma nova etapa da vida; daí a importância desta celebração e dos costumes a ela associados.
Ōsoji
Nas casas japonesas, a reta final do ano destina-se a rituais como o Ōsoji, o equivalente japonês das limpezas de primavera: é declarada guerra ao pó e a toda a sujidade que se possam ter acumulado ao longo dos meses, verificam-se gavetas e prateleiras, arruma-se o que estiver fora do sítio, as janelas são limpas e polidas e as roupas, lavadas; deste modo o lar é purificado e permite uma entrada mais auspiciosa no novo ano.
kadomatsu
Na entrada instala-se um ou dois kadomatsu, um arranjo decorativo cuja função é a de dar as boas-vindas aos espíritos de antepassados, feito com canas de bambu apontadas na direção do céu e galhos de pinheiro, ambas plantas consideradas símbolo de longevidade e perseverança.
Kagami Mochi
Outra decoração comum é o kagami mochi (“mochi espelho”), uma torre constituída por dois mochi simples com uma tangerina no topo. O formato redondo e achatado dos bolinhos de arroz recorda o espelho de bronze que, na mitologia nipónica, é um dos três tesouros sagrados, pelo que ter dois destes mochi juntos duplica a sorte que alguém vai ter no ano seguinte; o citrino no cume desta pirâmide recebe o nome de daidai e supostamente traz prosperidade aos descendentes da família. Dependendo da divisão da casa em que é colocado, o kagami mochi pode atrair uma determinada divindade.
Geralmente estes bolinhos são consumidos no dia 11 de Janeiro, durante o kagami biraki (“o ressurgimento do espelho”). Neste ritual que também pode envolver a abertura de um barril de sake, os kagami mochi, imbuídos do poder dos deuses, são espalmados com martelos e acrescentados ou a um caldo misō ou de feijão azuki para criar a sopa ozōni, ou à sopa doce oshiruko, igualmente de feijão azuki.
São também estes os mochi que todos os anos obrigam a hospitalizações e podem causar morte por asfixia se comidos demasiado depressa e indevidamente mastigados. Anualmente há campanhas de sensibilização por parte das autoridades sanitárias japonesas que pedem aos cidadãos que cortem os mochi em pedaços pequenos e os mastiguem bem antes de os engolir.
Toshikoshi soba
No último dia de Dezembro, as famílias japonesas comem tradicionalmente um prato quente que simboliza a longevidade e o desprendimento dos problemas e tristezas, o toshikoshi soba ou “massas da passagem de ano”, em que os fios de soba são servidos num caldo dashi (à base de alga kombu e flocos de peixe bonito fermentado). A noite é muitas vezes passada em frente à televisão a ver a programação especial de final de ano, sempre com muitas atuações musicais pelo meio.
Joya no Kane
Perto da meia-noite, pode-se optar por abrir a janela, ir para o jardim ou procurar um miradouro com vista para um templo budista. Até à chegada do novo ano decorre a cerimónia Joya no Kane, na qual se tocam os pesados bonshō (sinos budistas em bronze) de vários templos de todo o Japão. Cada uma das 108 badaladas representa um desejo mundano do qual a mente humana é libertada a fim de se purificar.
O 1º de Janeiro destina-se ao descanso geral e a atividades menos complexas. Tudo está limpo e organizado, todos estão prontos para novas vivências!
Horas depois dos espetáculos de pirotecnia, há quem insista em assistir ao primeiro nascer-do-sol de Janeiro, aquele que ditará o tom do novo ano. Recebem-se os tradicionais nengajo a desejar um “Feliz Ano Novo!” (Akemashite omedetōu gozaimasu!); apesar dos avanços tecnológicos, os japoneses continuam a enviar a familiares, amigos e colegas de trabalho estes bonitos postais com mensagens de esperança entre gravuras e estampados.
Osechi ryori
Também se degustam osechi ryori preparados em casa no dia anterior ou encomendados. Trata-se de refeições compostas por diversos elementos, cada qual com o seu significado, dispostos nos vários compartimentos de bentō lacados ou de caixinhas. É uma tradição que remonta à era Heian (794-1185)! Entre os imensos componentes dum osechi ryouri podem encontrar-se:
- o datemaki (rolinho de omelete doce com pasta de peixe) cortado em fatias finas, que com o seu aspeto de pergaminho enrolado representa o desejo de progredir academicamente e a nível cultural,
- os feijões pretos (kuromame) que afastam os maus espíritos e aumentam a vitalidade,
- fatias de kamaboko (bolinhos em semicírculo de pasta de peixe) que simbolizam o nascer-do-sol e a pureza,
- rodelas de renkon (raiz de lótus) que simbolizam a capacidade de ver o futuro,
- camarões para assegurar uma longa vida,
- ou kazunoko (ovas fermentadas de arenque) para atrair a fertilidade.
Hatsumode
Nos primeiros três dias de Janeiro é realizado um outro ritual muito importante: o hatsumode, ou seja, a primeira visita do ano a um templo ou santuário para orar e ter a sorte lida num omikuji, que se apresenta sob a forma de pequeno papel e por vezes se faz acompanhar de um pequeno amuleto que se pode levar para casa.
Não só de simbolismo e superstições vive a celebração da chegada do novo ano no Japão. Um dos hábitos mais materialistas, além da ida aos saldos, é a aquisição de fukubukuro, os “sacos da sorte” com brindes e pechinchas que muitas lojas disponibilizam, inclusive cadeias de fast-food. Dada a sua popularidade, é normal formarem-se grandes filas em frente aos locais de compras mais conhecidos.
Conheciam estas tradições japonesas de fim de ano? Já viram alguma recriada num anime ou manga?
Fontes:
- Time Out
- Wikipédia 1; 2; 3
- Japan
- Matcha
- Live Japan
- Savvy Tokyo
- Hisgo
- Kokoro JP
- Japão Cultura e Turismo
- Kokoro
- Sora News
- @Projecto Cultural e Pedagógico Portugal e Japão
Imagens:
Autoria: Maria J Oliveira