- Título: Blue Giant
- Adaptação: Manga
- Produtora: Nut
- Temporada: Inverno 2023
- Género / Demografia: Seinen, Música
Blue Giant – A urgência da música
Olá a todos! Bem vindos a mais uma análise! Desta vez, trago-vos um filme que apenas agora chegou até nós, apesar de ter saído em fevereiro deste ano no Japão (sim, eu sofri estes meses todos). Blue Giant é o filme que adapta o aclamado manga de Shinichi Ishizuka sensei ao qual eu já tinha deitado os olhos. Sendo uma ávida fã de música e da cor azul, este filme chamou-me logo à atenção assim que vi o trailer.
Se outros animes musicais, como os famosos Your lie in April e Bocchi the Rock, têm no pack um grande foco nas interações entre personagens e dramas de adolescentes, Blue Giant é um anime puramente musical, em que as suas personagens têm dinâmicas interessantes, mas o jazz é sempre o centro e a força motriz de tudo o que acontece. Considero que este tipo de história é perfeito para amantes de música que queiram uma experiência mais imersiva neste mundo intenso e eletrificante do jazz.
Este artigo não contém spoilers para o filme!
A febre do Jazz
A narrativa de Blue Giant não é particularmente original. Dai Miyamoto é o nosso típico protagonista que invade a casa do amigo que vive em Tokyo sem avisar dizendo que só fica lá um pouco a dormir no sofá e depois nunca mais desampara a loja. Contudo, isso é pretexto para Dai contagiar Tamada (o tal amigo vitimado) com a febre do jazz. Assim, a história deste filme não é original porque não é esse o seu objetivo. Blue Giant é, na sua essência, esta febre que Dai tem e que vai contagiando toda a gente, até mesmo o pianista prodígio Yukinori que ele conhece na casa de banho (esta parte é honestamente hilariante).
Daqui para a frente, a história é intensa e errante tal como a própria música, e tudo transpira a dedicação e o amor profundo que as personagens têm pelo jazz. Raramente este amor é expresso em palavras, já que a música fabulosa desta animação comunica diretamente ao coração da audiência que os ouve e a nós mesmos. Porém, isso não significa que Dai, Yukinori e Tamada não tenham os seus momentos slice of life próprios de uma dinâmica de banda, apesar de eu ter a sensação que eles são peças que, por acaso, se juntam mais do que um todo que ocasionalmente se separa.
Dores de pianista
Nas suas duas horas de duração, Blue Giant faz uma excelente representação da irreverência e dedicação extraordinária de Dai, a resiliência e coragem de Tamada, bem como do génio e das hesitações de Yukinori. Pessoalmente, a personagem que mais gostei foi exatamente o Yukinori devido às dificuldades que ele enfrenta nesta jornada pelo mundo da música. Enquanto que Dai é este génio do jazz que nunca falha em reinventar-se, o Yukinori bate com a cabeça nas paredes para encontrar a sua essência, tendo que se “revirar de dentro para fora”, expressão muitas vezes utilizada no filme e que eu acho bastante curiosa.
A minha interpretação desta expressão é que, sendo mais metodológico e clássico que o espontâneo e carismático Dai, o desenvolvimento de Yukinori passa por não se limitar a tocar música com competência técnica, mas sim trazer algo de dentro de si que dê um toque personalizado à peça, expressando-o de forma original sob as teclas do piano. E é assim, reinventando-se constantemente, que as nossas personagens vão conquistando os corações de quem os ouve e lugares cada vez mais prestigiados nos melhores clubes de jazz de Tokyo.
Música de arrepiar
Toda a gente sabe que um anime de música excelente tem que ter uma trilha sonora excelente. Pois bem, Blue Giant não se contentou com o excelente. Eu considero que esta banda sonora é absolutamente extraordinária. Apesar de já ter visto o filme há algum tempo, tenho as melodias bem vivas na minha memória. Tendo em conta que nesta história o jazz é a personagem principal, as peças que as nossas personagens tocam foram compostas pela formidável pianista Hiromi Uehara, que trouxe à vida as vibes caóticas, sonolentas e misteriosas que caracterizam o jazz.
Honestamente, acho que já vale a pena ver este filme apenas pela qualidade da sua música e da dedicação dos artistas envolvidos. Assim, sendo eu uma apreciadora ocasional deste estilo musical senti que, através deste filme, compreendi melhor a alma do jazz. Se muitas vezes associamos músicas mais emotivas a músicas com um ritmo mais lento, Blue Giant vem comprovar que existe muita emotividade nas notas rápidas do piano e no rugir do saxofone, quase como pequenas gotas incessantes que vão caindo num dia de chuva em que estamos confortavelmente instalados em casa. As micromelodias tornam-se uma, de vez em quando ganham viva própria, e o resultado é uma sonoridade tão imprevisível, surpreendente e desorganizada quanto as nossas próprias vivências.
O elefante na sala
Decidi deixar o comentário da animação para último porque tenho elogios mas também críticas a fazer. Tendo sido realizado pelo estúdio NUT, mais conhecido pelos animes Deca Dence e Youjo Senki, a animação do filme tem uma qualidade um pouco acima da média no que toca a sequências mais paradas de diálogo de personagens, mas apresenta um pico de qualidade extraordinário em certos momentos musicais, principalmente na atuação final das nossas personagens.
Tendo sido dirigido pelo aclamado diretor Yuzuru Tachikawa, conhecido por dirigir Mob Psycho 100 entre outras obras, este anime apresenta momentos de pura “insanidade” visual que desconstrói a animação para existir uma maior correspondência entre a representação da realidade e as emoções convocadas pela música. O abstracionismo que a música convoca acaba por abrir as portas a uma animação que também se reinventa de forma muito original e mágica.
No entanto, importa referir que nem tudo neste filme é perfeito. Apesar de entender que, se os animadores desenhassem sempre o Dai a tocar saxofone em 2D davam em malucos (pois a complexidade dos detalhes do saxofone são um autêntico pesadelo para animadores), acho que podia-se ter feito um maior investimento na qualidade da animação das performances, que acabam por ser o centro e vida deste anime. Com isto não quero dizer que a animação está horrível, apenas esperava mais para um anime tão focado na música e da maneira como ela é produzida.
Animes como Your Lie in April e até o mais recente anime da Netflix, Pluto, dão uso da expressividade característica da animação 2D para intensificar o humanismo do tocar do instrumento, enquanto que Blue Giant aposta na alternância da animação 2D com a animação 3D, que acaba por ser a predominante.
O problema da animação 3D é que irá sempre ser menos expressiva do que a animação 2D se não for extremamente bem executada. E neste caso, a animação 3D “quebra” um pouco a expressividade da animação 2D. Apesar de não ser algo muito incomodativo, não consigo deixar de pensar como seria este filme se todas as sequências tivessem o mesmo nível de naturalidade e fluidez.
Blue Giant – A urgência da música
Conclusão
Blue Giant é um filme que recomendo a todos os amantes de música em geral, mas que é obrigatório para os fãs de jazz. Eliminando histórias paralelas potencialmente distrativas, esta obra foca-se puramente na jornada de 3 jovens artistas pelo exigente e impiedoso mundo da música, onde reina o arbitrário e a sorte. Contudo, a sorte sempre deu muito trabalho, e o génio de Dai advém de uma paixão insaciável e de horas de treino a fio junto ao rio à noite, até mesmo debaixo da neve e do frio.
Explorando os temas da originalidade, do empenho e da persistência necessária para enfrentar um género musical tão intenso e volátil quanto as próprias emoções humanas. Blue Giant é um anime que respira jazz em todos os segundos, criando uma experiência realista e envolvente do que é viver ao vivo esta música eletrificante e ao mesmo tempo comovente. Apesar de nunca ter ido a um clube de jazz, senti que viajei realmente por aqueles bares de luzes quentes e ambiente soturno que apenas vibra quando o saxofone toca e enche a sala.
Com uma animação 2D visualmente criativa e uma animação 3D que fica um pouco aquém da restante animação, Blue Giant é, acima de tudo, 2 horas plenas de trilhas sonoras fenomenais, personagens simples mas interessantes e de muito, mas mesmo muito jazz que não deixará ninguém colado ao sofá. A energia que Dai, Tamada e Yukinori transmitem é deveras contagiante. A intensidade deste amor por esta arte é tão bem comunicada que dá para sentir nos nossos próprios corações.
Análises
Blue Giant Filme
Blue Giant é um anime puramente musical, em que as suas personagens têm interações dinâmicas e interessantes, mas o jazz é sempre o centro e a força motriz de tudo o que acontece. Será que o anime esteve à altura da excelência do manga que o originou?
Os Pros
- Banda Sonora Fenomenal
- Segmentos de animação 2D extremamente criativos
- Muito focado na música e momentos musicais
- Personagens simples mas distintas
Os Contras
- Animação 3D com menor qualidade
- Ritmo da narrativa é acelerado