Existem franquias que mereciam muito mais destaque, independentemente da forma de entretenimento para as quais foram lançadas. Com o passar dos anos, estas tornam-se obras de culto: adoradas por poucos devido ao pequeno alcance que obtiveram no seu auge, mas nunca esquecidas pelos fãs. E o que há de mais importante senão os ecos de louvor de quem as experienciou, recitados através dos tempos?
Project Zero, ou como é apelidado internacionalmente, Fatal Frame (nome que eu prefiro) está inserido nesse grupo de obras desde o primeiro jogo lançado para a PlayStation 2 e Xbox, há precisamente duas décadas. O título ficou conhecido na altura por ter sido vendido como uma história baseada em factos reais. Muitos jogadores obtiveram-no pela curiosidade, outros mantiveram-se afastados com medo do que pudessem encontrar. A verdade é só uma: amedrontados ou não, quem o jogou não conseguia negar a qualidade da experiência que tinham em mãos.
Project Zero conseguiu unir uma mecânica arcade e divertida, a um ambiente sombrio e aterrorizante, com uma consistência que ainda hoje me deixa de boca aberta. Todos os restantes jogos de terror tomavam um de dois partidos: ou mantinham uma jogabilidade propositadamente desajeitada para aumentar a tensão (Silent Hill); ou optavam pelo controlo orientado à ação que tornava o jogo acessível mas afastava o conceito assustador (Resident Evil). Isto alinhado com uma narrativa e atmosfera de deixar qualquer um com pele de galinha.
Estes fatores contribuíram para um reconhecimento da franquia a nível internacional, por mais que as vendas não fossem nada por aí além. Ao longo dos anos, a Koei Tecmo esforçou-se por lançar sequelas na esperança de que a série chegasse a novos públicos e fosse finalmente considerada, de um modo geral, como um marco do género nos videojogos.
Infelizmente, a Nintendo chegou-se à frente depois do terceiro título e apoderou-se da propriedade intelectual. Digo “infelizmente” porque após a aquisição, o quarto capítulo acabou por não sair do Japão e o quinto ficou preso na Wii U, consola que rapidamente caiu no esquecimento.
Felizmente (nem tudo é mau, senão não estaria aqui hoje a escrever esta análise), 2021 foi o ano de retorno da franquia. O título que havia ficado preso na Wii U está agora disponível para todas as plataformas no mercado atual. O port de Project Zero Maiden of Black Water, o quinto capítulo da série, é a forma da Koei Tecmo festejar o vigésimo aniversário da franquia, juntamente com os fãs antigos e recém-chegados. Com esta prenda, chega ainda a promessa de que se houver boas vendas e bom feedback, não ficaremos por aqui no que toca a Project Zero. Seja o sexto capítulo ou uma coleção dos outros jogos já lançados (especialmente o Mask of the Lunar Eclipse, por favor, Koei Tecmo, nunca te pedi nada) seriam extremamente bem-vindos.
Agora… Será que Maiden of the Black Water faz jus ao legado deixado pelos anteriores? E comparativamente à versão de 2014, há melhorias? Fiquem para ler o resto da análise para descobrirem.
Quero deixar um agradecimento à Koei Tecmo, em nome do ptAnime, pelo acesso antecipado ao jogo.
Depois de aproximadamente 12 LONGAS horas deambulando pelas florestas, cavernas e santuários do Mt. Hikami, deixo-vos, sem mais demoras, a minha análise sem spoilers.
Project Zero Maiden of Black Water – Análise Nintendo Switch
Project Zero Maiden of Black Water | |
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Plataformas | Playstation 4, PlayStation 5, Xbox One, Xbox Series S / X, Nintendo Wii U, Nintendo Switch, PC |
Publicadora | Koei Tecmo |
Desenvolvedora | Koei Tecmo |
Género | Survival Horror |
Data de Lançamento | 29 de julho de 2014 (Wii U) 27 de outubro de 2021 (Restantes versões) |
Project Zero Maiden of Black Water | Enredo e Personagens
Project Zero Maiden of Black Water contém os mesmos pontos chave narrativos que qualquer outro título da franquia: um conjunto de personagens visita um local ou região assombrados por uma maldição antiga e precisam de lutar pela sobrevivência enquanto desvendam os mistérios que permitem terminar com ela (ou apaziguá-la).
Portanto… neste jogo, a história segue um conjunto de três personagens: Yuri Kozukata, Miu Hinasaki, e Ren Hojo, cada uma com as suas motivações e segredos, que de alguma forma se conectam aos estranhos mitos e lendas do Mt. Hikami, outrora uma instância espiritual abordada por imensos turistas religiosos, agora um local infame pelos desaparecimentos e suicídios daqueles que se aventuram a entrar nas suas florestas densas.
É natural falar-se do monte com cautela para prevenir que mais vítimas sofram nas suas entranhas. Há uma superstição que menciona o belíssimo pôr do sol naquela zona, que não se deve chegar perto durante essa hora do dia, pois este hipnotiza e conduz as almas daqueles que se atrevem a fazê-lo, conformando-as de que estão prontas para morrer e que ali será o seu destino final. E assim que esse destino se concretiza, as águas irão reter as suas almas, que ficarão à mercê dos espíritos das Shrine Maiden’s. Como podem ver, essa superstição condiz com o título do jogo. Não é coincidência.
Iniciamos a história ao controlar Miu Hinasaki, claramente algures nas profundezas do monte, sendo perseguida por espíritos. A esta altura ainda não nos podemos defender. Miu não possui a famosa arma capaz de exorcizar estes seres sobrenaturais – a Câmara Obscura.
Assim que esta introdução termina, passamos a controlar Yuri, a verdadeira protagonista do jogo. E aqui já possuímos uma Câmara Obscura. Yuri Kozukata trabalha numa loja de antiguidades, juntamente com a sua mentora Hisoka Kurosawa. Como segundo emprego, Hisoka procura por pessoas desaparecidas, fazendo toda a investigação e trabalho de campo. Sendo aquela região tão ligada ao mundo paranormal, claro que esta teria na sua posse o mítico objeto. Alguns dos seus trabalhos envolviam o oculto e a câmara era uma mais valia, tanto para a sua segurança, como para descobrir pistas que estivessem presas “no outro mundo”.
A Câmara Obscura é uma câmara fotográfica com a capacidade de captar e exorcizar espíritos. Este engenho foi desenvolvido pelo Dr. Kunihiko Asou e podem descobrir novos detalhes sobre a sua criação neste jogo, através de notas que podem apanhar. Poucas câmaras foram desenvolvidas, e as que existem não passam de protótipos, cada uma com características diferentes, todas elas capazes de assegurar o afastamento dos malévolos fantasmas.
E é assim que iniciamos a caça aos espectros. Yuri irá ajudar Hisoka a explorar uma mansão do Mt. Hikami, a fim de concretizarem um pedido efetuado pela terceira personagem jogável, Ren Hojo.
Ren é um escritor que conhece Yuri e Hisoka já há muito tempo. Ele viaja para a região após conhecer um costume local que envolve a captação e preservação de fotografias de corpos recém findados, com o intuito de manter uma última memória do morto. O objetivo de Ren é explorar este tema no seu novo livro.
O destino destas 3 personagens entrelaça-se com os segredos da região e outras entidades, do presente e do passado, que também tem a sua influência nos acontecimentos macabros da história.
Seguindo uma estrutura narrativa não-linear, em total contraste com a abordagem linear de exploração dos cenários (que irei mencionar mais à frente), jogamos com as 3 personagens ao longo de 16 capítulos (interlúdio e prólogo incluídos).
16… longos… capítulos. Todos os acontecimentos apresentados ao jogador, todos os detalhes extra que é possível encontrar pelos cenários, as notas que enriquecem a narrativa, tudo isso é positivo de uma forma geral. Mas o ritmo a que são apresentados é horrível. Dei por mim a desejar que terminassem mais cedo. Como consequência, parava de jogar e fazia longas pausas para voltar a pegar no jogo por ser tão cansativo.
A estrutura das missões não é bem concebida. Sem me adiantar muito mais em relação à narrativa, o jogador vai salvar as mesmas personagens imensas vezes, passando pelos mesmos caminhos, fazendo as mesmas coisas. A cada nova missão há novos detalhes que são colocados em cima da mesa para serem absorvidos, informações válidas acerca do passado e presente daquela região, mas fora isso, pouco muda. E é chato que assim seja.
Algo que posso referir de positivo é uma mudança super bem-vinda em dois capítulos do jogo: o oitavo e décimo terceiro. Adorei a abordagem e objetivo da missão nesses dois. Tenho pena que não tenham tomado a iniciativa de enriquecer o jogo com mais momentos assim.
Há ainda um episódio especial. Após o fecho da campanha principal, um capítulo extra surge onde podem controlar Ayane da série de videojogos Dead or Alive.
Project Zero Maiden of Black Water | Jogabilidade
Irónico como este jogo gira em torno do uso de uma câmara mas um dos piores detalhes do mesmo é a câmara de jogo. Não é bem a mesma coisa, eu sei, mas não deixa de ser engraçado… obviamente, pelos piores motivos.
Project Zero Maiden of Black Water funciona grande parte do tempo na terceira pessoa durante a exploração de cenários. Exceto raras exceções onde as áreas são um pouco mais amplas, os locais são bastante estreitos, limitando a navegação do jogador. Ora, esta decisão causa um ambiente claustrofóbico, aumentando a imersão no jogo. Por outro lado, é frustrante conseguir controlar a personagem nestas condições. Para impedir que a câmara fuja dos eixos delimitadores do cenário, a mesma tem um sistema de colisão que esbarra nas várias paredes e objetos sempre que a movemos nessa direção. Esta limitação mais o facto da câmara apontar sempre para as costas da personagem, faz com que sempre que é necessário mudar a orientação em 180º, fosse por estar a ser perseguido por inimigos, fosse por engano na direção no caminho labiríntico, acabava sempre por fazer a personagem dar voltas sobre si mesma, vezes sem conta.
Especialmente em combate sofri imenso ao tentar posicionar-me de frente para os fantasmas. Com isso e com o facto de que existe um botão de esquiva que funciona mal, exatamente pelos mesmos motivos que a câmara. Espaços pequenos impedem que o jogador consiga desviar-se com sucesso dos perigos. Assim sendo, a opção é grande parte das vezes inútil.
Mas ignorando esses pontos negativos, passava à hora de sacar da câmara e começar a fotografar. E aí as coisas tornavam-se mais divertidas. Utilizar a câmara coloca-nos numa perspetiva em primeira pessoa, onde passamos a ter acesso ao que nos rodeia através das lentes. Os encontros com os fantasmas são frenéticos e o ponto alto da jogabilidade. Há que ser estratega e utilizar os recursos especiais da Câmera Obscura.
Numa vertente mais arcade, o combate consiste em apontar e disparar. Mas há mais complexidade no sistema. Cada fantasma tem um ponto específico que deve estar em cada foto para podermos causar-lhes dano. A cada foto tirada, novos alvos vão surgindo no espetro. Se os enquadrarmos a todos numa única foto, mais dano fazemos. Simples. Mas há mais detalhes a ter em conta. Algo que torna o combate de qualquer Project Zero interessante é a obrigatoriedade de enfrentarmos os inimigos cara a cara. Quanto mais perto estivermos, mais dano fazemos. O medo de chegar perto dos mortos flutuantes tem que ficar de parte para que o jogador consiga uma maior eficácia em exorcizá-los. Aquando de um ataque de um fantasma, temos uma breve janela temporal para iniciarmos o famoso Fatal Frame, a possibilidade de descarregar uma sucessiva rajada de fotos que inflige dano extra e afasta os fantasmas oferecendo assim uma margem para reajustar a posição da personagem e a delinear uma nova estratégia para o próximo confronto.
As melhores estratégias passam não só por sacar as melhores fotos possíveis dos fantasmas, mas fazê-lo com o recurso aos filmes e upgrades que a câmara tem à disposição. Os vários tipos de filmes podem ser encontrados ou adquiridos via o sistema de pontuação, assim como outros objetos essenciais para manter as personagens saudáveis para enfrentar os perigos do Mt. Hikami. Já os upgrades, também desbloqueados pelos pontos adquiridos pelas várias ações no jogo, permitem melhorar as capacidades da Câmara Obscura e as suas lentes, com outras capacidades únicas. Todas estas opções permitem várias combinações que tornam o combate dinâmico em qualquer dificuldade escolhida, mas serão essenciais caso pretendam passar o jogo uma segunda vez no modo “Nightmare“.
Quero aproveitar para destacar em especial as lutas contra os Boss’s. Sabemos perfeitamente quando estamos a encarar um inimigo mais poderoso. Seja pela forma como se move pelo cenário, seja pela forma como nos ataca, seja bela barra de energia mais extensa. Estas lutas são bastante desafiantes e é uma grande satisfação poder ver estes fantasmas desaparecer diante dos nossos olhos, presos nas fotos da nossa câmara.
Após exorcizarmos um fantasma, temos a opção de nos aproximarmos do espectro antes deste se desvanecer, e executarmos o chamado “Fatal Glance“. Esta habilidade, se usada em determinados fantasmas, permite visualizar os últimos instantes antes da sua morte, com uma cutscene dedicada ao evento.
Terminada a minha visão sobre o combate e voltando ao tema da exploração dos cenários, existem alguns detalhes que gostaria de tocar ao de leve.
Existem vários objetos que podem ser recolhidos durante o jogo, sejam notas ou recursos de sobrevivência. Sempre que vamos pegar num destes objetos, devemos manter premido um botão enquanto a personagem estende a mão para os alcançar. Durante este período há a possibilidade de surgir uma mão fantasmagórica que agarra o braço do protagonista, drenando a sua saúde até que o jogador se tente soltar. Há uma forma de impedir que isto aconteça: se soltarmos o botão que faz com que a personagem recolha o objeto no momento em que virmos a mão a surgir, é possível escapar a este perigo, sendo preciso estar dentro do timing para tal. Este evento é aleatório mas pode haver maior probabilidade de acontecer se a personagem estiver molhada.
Sendo a água um dos pilares das mecânicas e narrativa do jogo, existe um indicador que nos mostra o quão encharcados os nossos protagonistas estão. Quanto mais molhados, mais sujeitos a encontros sobrenaturais eles estão. Assim sendo, é boa ideia mantê-los secos. Existe um item chamado “Purifying Embers” que pode ser usado para esse efeito. Há uma diferença visual nas roupas das personagens, dependendo se estão ou não molhadas.
Project Zero Maiden of Black Water | Estética e Som
Neste departamento, Project Zero Maiden of Black Water merece ser enaltecido. Por mais que o jogo seja originalmente de 2014, numa altura em que a Nintendo estava a começar a explorar gráficos em alta definição, e isso se note claramente nas texturas e modelos do jogo, há uma certa beleza que é inegável.
Apesar da constante tensão, os ambientes do jogo deixam no ar uma sensação de harmonia que levam os jogadores a perderem-se por momentos a apreciar o que os rodeia. Sejam as florestas e colinas do Mt. Hikami banhadas pela chuva quase constante, ou os casebres, mansões e santuários que invocam uma sensação claustrofóbica mas aconchegante., todos estes cenários prendem-nos àquele mundo, tal como uma fotografia prende um momento no tempo.
Este sentimento é algo partilhado pelas personagens ao longo da história. Elas ficam presas à beleza do monte.
Mas a imersão não fica apenas pelo departamento gráfico. Os sons que acompanham esta aventura macabra são arrepiantes. Mesmo nos momentos em que nada está a acontecer, somos brindados com sons estridentes que nos deixam sempre em estado de alerta, à espera do próximo encontro com um espectro.
Um ponto negativo e um aviso: mantenham-se longe das vozes inglesas. Joguem a versão original em japonês. A sério. A localização é má.
Project Zero Maiden of Black Water | Opinião Final
Passei o meu fim de semana de Halloween de visita ao Mt. Hikami, a tentar desvendar os seus segredos. Eu e a minha Nintendo Switch. E queria muito recomendar a toda a gente que fizesse o mesmo. Mas não sei se consigo.
Sou fã da franquia, queria muito que a Koei Tecmo pudesse voltar com novos jogos no futuro. Infelizmente Project Zero Maiden of Black Water deixou-me um pouco dececionado.
Atenção: não deixa de ser uma boa experiência, daí a nota alta. Os cenários e lore do Mt. Hikami são fabulosos, assim como a música assustadora que nos persegue mais fervorosamente do que qualquer fantasma.
Quanto ao resto, o jogo tem falhas que me deixaram frustrado. Alguns capítulos arrastaram-se demasiado, deixando-me a implorar que chegassem ao fim. O ritmo das missões é horrível. O vai e vem constante entre os cenários do jogo cansa. Os controlos em combate acabam por ser o pior inimigo a enfrentar. Já para não falar que este jogo já tem 7 anos. É um port que, para além do ajuste do gameplay da câmara para funcionar apenas com um ecrã, continua igual ao original.
Ainda assim, é “aconselhável” (não recomendado) para quem tem curiosidade pela franquia.
The Review
Project Zero Maiden of Black Water
O título da Wii U chegou agora a todas as plataformas modernas, 7 anos depois, exatamente igual ao que era antes: um jogo com potencial que peca por problemas técnicos, ritmo inconstante e uma história mediana.
PROS
- Lore dos rituais e da maldição do Mt. Hikami
- Ambientação visual e sonora fantásticas
- Várias utilizações da Câmera Obscura
- Lutas com os Boss's
CONS
- Quedas de frames em determinados momentos
- Câmara de jogo
- Opção de esquivar em combate raramente funciona
- Ritmo inconstante dos capítulos
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