O presente texto é uma tradução de uma entrevista conduzida e escrita por Yu Aoki, crítico musical.
A última canção da banda japonesa Shinsei Kamattechan, “My War (Boku no Sensou)”, música-tema de abertura do anime Shingeki no Kyojin: The Final Season, está a fazer um grande sucesso em diversos sites de streaming de música por todo o mundo. Ficou entre as dez primeiras posições em 62 países no ranking de J-Pop da Apple Music, incluindo o primeiro lugar em 21 países.
Os fãs de anime ficaram impressionados com o novo trabalho, com uma boa parte a afirmar que “esta é definitivamente a melhor música deles”. O site especial da banda publicou uma entrevista em japonês, inglês e francês a revelar como a música – que tem um sentimento bastante inspirador – foi criada, além de fornecer um vislumbre único da sua criação.
Shinsei Kamattechan falam do Opening de Shingeki no Kyojin: The Final Season | Entrevista
Louca e apaixonantemente emocionante! Assim é o mais recente single da banda Shinsei Kamattechan, o incrível My War! Este é um tema incrivelmente poderoso com um intenso crescendo. Quantas mais vezes a escutamos, mais esta canção destila uma tensão que parece querer arrancar-nos o coração.
A canção My War prova como esta banda é capaz de criar o mais original e excecional mundo criativo com uma grande energia. Este é definitivamente o vosso melhor tema.
Noko (Vocalista e Guitarrista): Uau, muito obrigado pelo apreço. My War é a canção em que mais esmiuçámos as caraterísticas da nossa banda Shinsei Kamattechan: a violência, a sensibilidade, o pop e a beleza.
Mono (Teclista): Devo dizer que das nossas criações mais recentes, esta é a canção nº1. Sinto que é realmente uma criação espetacular! E quando vejo a série [Shingeki no Kyojin] na TV e escuto o tema todas as semanas, exclamo para mim mesmo “A nossa canção está no ar!” e sinto que não consigo parar de sorrir.
Misako (Percussão): Também é, definitivamente, a minha canção favorita! Como responsável pela percussão, decidi usar sons mais pesados para combinar com a orquestra.
Referimo-nos ao tema de abertura do anime televisivo Shingeki no Kyojin: The Final Season, que está a ser emitido desde o final do ano passado. Esta não é a primeira colaboração entre a produção de Shingeki no Kyojin e os Shinsei Kamattechan. A banda compôs o tema de encerramento da segunda temporada da série, Yuugure no Tori. Foi através dessa canção que os Shinsei Kamattechan deram a conhecer o seu mais autêntico estilo musical, classificado como shoegaze ou dream pop [vertente do rock alternativo em que a textura sónica e a atmosfera sonora têm tanta importância como a melodia]. Parece que há cada vez mais fãs fora do Japão a apreciar a musicalidade única deste grupo.
À banda foi pedido que criasse uma canção ambiciosa e com qualidade cinemática para transformar no tema de abertura da última temporada de SnK. Para alcançar esse objetivo, a música sinfónica foi adotada e acrescentada a grandiosidade de um grupo coral. Noko foi quem mais pressão exerceu para incluir um coro na canção, pois obteria um som muito mais poderoso e envolvente.
Noko: Sempre quis usar um coro. Como dispúnhamos de um grande orçamento (este era um projeto muito importante), pudemos fazer isso. Gravar o tema foi como compactar um grande maço de notas e talento, a sério!
O anime está repleto de momentos de tirar a respiração. Uma vez mais apercebo-me que Shingeki no Kyojin e o mundo dos Shinsei Kamattechan compartem muitos aspetos e esta é uma opinião partilhada também por Hajime Isayama, autor do manga original e admirador da banda, e Noko.
Noko: O mestre Isayama e a banda têm muito em comum, pelo que foi bastante fácil trabalhar juntos, tal como acontecera quando compusemos a canção Yuugure no Tori. Conseguimos criar um elo com as trevas que permeiam a última temporada de SnK. Foi como se trabalhássemos em união.
A profundidade de My War foi o resultado não só desse trabalho conjunto, mas também de uma forte química entre Noko e o tema musical em si.
Noko: Passei por muito enquanto trabalhava nesta canção. Estava… emocionalmente em baixo. Muito em baixo. Tenho a certeza que esse meu estado mental pode ter afetado a atmosfera e o espírito da canção, assim como teve efeito no título e nas letras. Tinha a cabeça em água e não me encontrava mental e emocionalmente estável, nem em 2020 nem mesmo mais tarde. O resultado foi ter passado o período de confinamento a pensar profundamente nas coisas; acredito que isso foi bom para mim, já que pude transmiti-lo para o meu trabalho.
As letras de My War começam em inglês e vão-se tornando gradualmente mais sombrias e escuras: a existência do Inimigo, a minha última guerra, os anjos, o diabo, a escuridão e a luz imersa na escuridão. Na segunda parte da canção, as letras estão em japonês: a saída da escola e o regresso a casa, os trabalhos de casa… Estas palavras descrevem o mundo próprio dos Shinsei Kamattechan.
Noko: Este é um truque para ajudar a mudar o ambiente… Nós abordámos desde sempre a temática escolar; tudo tem a ver com a infância e a escolaridade. Esta canção foi interpretada em inglês e trata, no fundo, do universo escolar e dos estudantes.
De facto, a banda dedica-se a descrever a alma e o coração de um jovem desde que se estreou. Noko canta sobre a solidão e as feridas emocionais que devemos suportar enquanto membros da sociedade, principalmente nos tempos de escola. A sua voz é o resultado de um vaivém entre a sociedade e a intimidade do seu quarto (o seu universo interior).
Por outro lado, temos um dos clássicos da banda, a canção rock’n’roll wa nariyamanai, que denuncia a pior das realidades possíveis e transmite uma mensagem a uma pessoa especial (Tu). Há ainda outra canção, Front Memory, sobre o esforço que representa seguir em frente apesar da exaustão.
Os hinos deste grupo ressoam nas almas daqueles que se sentem marginalizados pela sociedade e que não se identificam com os valores da pessoa comum. A banda mistura todos esses elementos negativos e grita o seu desespero a fim de gerar algo positivo. Esta energia regeneradora é a essência dos Shinsei Kamattechan. Mas não importa se alguém é banal ou menos inteligente, todos têm o direito de viver e existir neste mundo… e não são só as pessoas que têm algo de louco; o mundo e a sociedade são uma loucura!
Estas atitudes por parte da banda tornaram-na numa espécie de heroína nos primeiros anos do milénio, quando a Internet se instalou definitivamente no quotidiano. Mais de uma década depois da sua estreia, o grupo sofreu algumas alterações: o baixista Nochibagin, que é um amigo de infância de Noko, abandonou a banda em Janeiro do ano passado para dar prioridade à sua vida pessoal.
Sinto que este acontecimento simbolizou o fim da adolescência dos Shinsei Kamattechan. Porém, os três membros afirmam que o espírito da banda não mudou assim tanto.
Mono: Nada mudou em particular. Creio que não podemos concluir se realmente melhorámos ou piorámos.
Mikako: Estamos todos bem (risos). Talvez porque cada um de nós trabalha ao seu ritmo.
Noko: Sem o Nochibagin não funcionamos como banda? Nada disso! Claro, sempre o estimei, já que ele é bom em muitas coisas diferentes.
Contudo, há outro aspeto que quero salientar. Nos últimos tempos, quando os escuto ao vivo (infelizmente, não é em concerto, mas por streams) e vejo o Noko a comunicar com os fãs através de TwitCasting e a tocar música dos Joy Division e B’z, dou por mim a pensar no que mudou ou não nestes últimos dez anos.
Recordo quando visitei há uns oito anos a casa de Noko, num complexo habitacional em Chiba New Town, e aí conduzi a primeira entrevista ao artista. A banda tinha acabado de lançar uma canção intitulada The summer holiday of 23 years old. Anos depois editariam um tema-sequela, The summer holiday of 26 years old.
No ano passado ouvi Noko falar frequentemente sobre o facto de já ter 35 anos no TwitCasting e no Live MC. No Japão, as pessoas sentem-se obrigadas a ter consciência da sua idade em várias situações do dia-a-dia. É algo que acontece muitas vezes na indústria da música pop e a música dos Shinsei Kamattechan também reflete isso.
Os temas deles já abordam temáticas como a solidão e a tristeza, em contraste com a energia inerente ao seu género musical de eleição. Adicionalmente, sinto alguma amargura ao escutar as palavras “trinta e cinco anos”.
Noko: Normalmente, todos sonhamos durante a adolescência, encaramos a realidade aos vinte e poucos anos e, a partir daí, começamos a solidificar a nossa experiência social e as relações humanas. Ao chegar aos trinta, estamos cansados, como se quiséssemos desistir… A energia física diminui e outros aspetos em nós pioram naturalmente. No entanto, não podemos pensar só nas coisas negativas… Será que já consigo organizar melhor o meu interior?
Organizar? Sinto que o caos em Noko se tornou mais profundo e os seus conflitos interiores aumentaram de dimensão. Hahahaha! Quando revelo os meus pensamentos, ele ri-se à gargalhada.
Noko: Como sempre, oculto diversas faces da minha personalidade com as quais entro em conflito. Posso não viver tanto quanto espero. Ao envelhecer pouco a pouco, vejo claramente que a “minha vida pode acabar num instante”. É por isso que tento levar tudo a sério. Esta é a questão sobre o que vou fazer com o resto da minha vida? Não creio ser o único a pensar desta maneira; é comum as pessoas com a minha idade terem de lidar com este conflito.
Então, é uma crise de meia-idade? De qualquer dos modos, a banda Shinsei Kamattechan continua a viver no limite. A tensão que pulsa em My War nasceu certamente num horizonte extenso com ligações aos seus modos de vida.
Noko: Acredito que a nossa banda, globalmente, é fantástica. Tudo depende de quão mais queremos ser reconhecidos. É uma honra saber que nos estamos a sair bem. Mas também penso, “bom, isso eu já sabia”!
My War – experimentem escutar esta canção uma e outra vez. Toquem-na em loop!
Podes ler aqui todas as entrevistas ptAnime, bem como todas as entrevistas traduzidas:
Fonte: Site Oficial da Banda – Press Kit
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