Sensivelmente cinco anos após o término da série “Shirobako”, a obra regressa ao mundo do anime, desta vez por intermédio de “Shirobako Movie” (2020). Em formato longa-metragem, como o seu título sugere, esta produção é uma sequela do projecto original estreado em 2014. Uma chegada ao grande ecrã que, a meu ver, não engrandece a franquia. Um ponto de vista que irei partilhar nas linhas seguintes deste texto, que incidirá quase exclusivamente sobre esse tópico, quer por motivo de spoiler, quer por me parecer o “dilema” que merece toda a atenção. Antes disso, apenas uma breve sinopse, que poderá ser útil a alguns leitores no acompanhamento desta análise.
Sinopse
À semelhança da série composta por 24 episódios, Shirobako Movie centra-se novamente em Aoi Miyamori (desta vez, de forma ainda mais intensa) e na empresa Musashino Animation. Quatro anos depois (na cronologia da história) do desfecho da série inicial, o estúdio de anime vagueia pelas ruas da amargura. A partida de muitos colaboradores para outras paragens – muitos deles protagonistas da trama inicial – e a escassez de projectos, justificam esse estado, podendo uma situação ser consequência da outra.
Para complicar mais as coisas, no arranque do filme, acaba por ser cancelado o projecto que a Musashino Animation tinha em mãos. Sem grandes soluções, e para salvarem a honra e a reputação – quer do estúdio, quer de si mesmas – Miyamori e os poucos trabalhadores que restam fazem uma investida decisiva numa oportunidade de trabalho manhosa, a fim de evitar que o barco se afunde de vez. As datas para a conclusão do projecto são bastante apertadas, pelo que o trabalho entra desde início numa verdadeira luta contra o tempo.
Como tal, numa investida para equilibrar essa balança e, ao mesmo tempo, assegurar a qualidade do trabalho, Miyamori tenta resgatar os velhos companheiros de trabalho. Porém, será isso possível, tendo em conta a dispersão dos mesmos? Do menor ou maior sucesso desta tarefa parece depender a produção do anime que foi confiado ao estúdio e que, “além de chegar atrasado”, traz consigo graves problemas.
Antes do filme, é importante ver a série
O facto deste filme ser uma sequela da única série da franquia, automaticamente é um incentivo aos novos interessados na obra para, ainda antes de darem uma oportunidade a esta longa-metragem, espreitarem a série que arrancou no outono de 2014. A mim, isso deixa-me um pouco aliviado, pois estou convencido que quem se arriscar a ver o filme sem conhecer Shirobako, ou vai ficar desiludido, ou sem grande vontade para ver mais produções a ela associadas. Salvo seja, pelo interesse especial de saber mais sobre a indústria do anime.
Na altura da minha análise à série (que, embora seja suspeito dizê-lo, recomendo como complemento a esta leitura), salientei a dificuldade em integrar o espectador com a diversidade de personagens e tarefas que fazem parte de um estúdio de anime. Isto, num conjunto de 24 episódios. Agora, imagine-se o que é colocar este mesmo cenário num filme com cerca de duas horas.
De facto, à semelhança da própria história de Shirobako Movie, deste cenário resulta um verdadeiro contra-relógio nas cenas que compõem este filme, dada a necessidade de Aoi Miyamori, volta e e meia com algum auxílio, precisar de muitos minutos da longa-metragem para contactar e tentar reaver um elenco tão alargado. Isto obriga o filme (enquanto produção) a acelerar o ritmo, algo que, a meu ver, compromete seriamente a sua qualidade final.
Aliás, e uma vez que estou ainda a tentar colocar-me na perspectiva do novo adepto de Shirobako, mesmo quando as cenas aparentam alguma calma, o potencial fã sentir-se-á perdido, pois as personagens que está a ver (pela primeira ou segunda vez) no ecrã não lhe depertam qualquer emoção, sendo já complicado o suficiente fixar o que cada uma delas faz. O tempo dedicado a cada uma destas personagens, de forma injusta, é bastante escasso.
Por outro lado, talvez eu esteja a ser demasiado agressivo com esta produção. Afinal de contas, para quem não sabe nada sobre a indústria anime, nestas duas horas será capaz de aprender sempre alguma coisa e isso poderá ser o suficiente para ficar satisfeito. No entanto, alerto que estão a perder grande parte de uma experiência que podia ser magnífica e que está à distância de se encontrarem com a série inicial.
Longa-metragem? Uma má decisão!
É com este “enviesamento” da experiência que escrevo tudo isto. Quando se sabe da existência de algo melhor, torna-se complicado recomendar o mediano ou satisfatório. No papel de “velho espectador” da franquia, esta visualização foi um momento de entretenimento mediano-satisfatório para mim.
O elenco de Shirobako é tão vasto e a duração deste projecto tão curta que tantas personagens relevantes na Musashino Animation (algo que sei graças aos 24 episódios da série), mal têm tempo de intervir. Embora protagonista, Miyamori açambarca demasiado tempo, reforçando essa perda de um elenco igualmente bem concebido e que aqui ficou por mostrar.
Por esta altura, parece-me importante referir que Shirobako Movie também inclui algumas partes musicais que, honestamente, são bastante alegres e tornam o filme mais digerível. No entanto, é tempo precioso que é retirado às outras personagens e que, em especial aos olhos do velho fã, tem impacto na sua apreciação final (pela negativa) da longa-metragem.
Assim, arrisco dizer que os conhecidos de Shirobako prefeririam ter mais tempo de qualidade com as personagens com quem criaram uma boa ligação, do que “desperdiçar” essas oportunidades com musicais. Afinal de contas, quando nos decidimos a ver uma sequela, não é disso que vamos à procura? De nos reencontrarmos com aqueles seres fictícios que de alguma forma se acomodaram num recanto do nosso coração cultural?
O poder da nostalgia
Por outras palavras, esta saudade, devidamente alimentada entre 2015 e 2020, é o que faz correr o adepto na direcção que o leve ao reencontro com Shirobako. Uma nostalgia deveras difícil de controlar, quando se sabe que há algo de novo a acontecer nas vidas de Aoi Myamori, Ema Yasuhara, Shizuka Sakaki, Midori Imai, Misa Toudou, e de todos os outros.
Em suma, são estes estados de espírito entrelaçados que asseguram a qualidade satisfatória de Shirobako Movie. Eles são os seus alicerces. Porque, por muito curtos que sejam vários dos reencontros com as personagens desta obra, aqueles escassos segundos são suficientes para despertarem algum entusiasmo e alegria pelo seu regresso. Dois sentimentos claramente influenciados pelos acontecimentos do passado, isto é, pela visualização da série.
Outros aspectos
As diferenças, ao nível da produção, entre o filme e a série são muito ligeiras. Quer isto dizer que a P.A. Works manteve o grande nível no que à animação, arte e banda sonora diz respeito. Aspectos que merecem ser realçados, em especial quando são soberbos, como aqui acontece.
Posto isto, a única diferença que me parece assinalável, e que estará mais relacionada com decisões do staff, é a aposta em algum fanservice. Não por via da “vida real” dentro do filme, mas por intermédio dos projectos de animação associados à história e de algumas cenas nas partes musicais.
Ora, Shirobako, pela seriedade dos seus conteúdos, e até da sua personagem principal – que é muito discreta – nunca teve o fanservice como uma ideia principal ou um assunto digno de interesse ou preocupação. Contudo, nesta sequela, existem essas cenas – dentro da ficção da própria ficção – que sugerem essa intenção por parte dos seus responsáveis. Como não são cenas muito regulares, paira no ar a ideia que a escolha não foi muito consensual. Ou, em alternativa, havia mesmo essa intenção de fazer a separação das duas dimensões ficcionais. Seja com for, creio que esta mistura de estilos não combinou bem.
Juízo Final
Em resumo, esta aposta no formato filme parece-me a menos adequada de todas a uma história como a de Shirobako. Uma obra composta por um vasto elenco, repleta de cenas de produção de anime (seja de trabalho propriamente dito, ou reuniões de decisão sobre o avançar do projecto), onde apenas uma integração prévia e adequada entre o espectador e as várias personagens pode explorar todo o potencial que esta experiência oferece no seu ponto de partida. Infelizmente, isso é tudo o que não é possível fazer numa longa-metragem.
Por outro lado, se a história desta sequela fosse trabalhada num formato de episódios, creio que esta minha apreciação seria bastante diferente, e o filme resultaria num documentário (que, no fundo, também é disso que se trata) com muito mais qualidade sobre a indústria anime.
Assim sendo, aos velhos fãs, além da parte nostálgica, que por vezes se torna incontrolável, não creio que haja motivos para dedicarem tempo a esta produção. Ela nada acrescenta ao que viram antes. Aos curiosos e não conhecedores da franquia, mais uma vez, recomendo (vivamente!) a série.
Trailer – Shirobako Movie
The Review
Shirobako Movie
Depois do sucesso da série inicial de Shirobako, as expectativas eram grandes para este projecto. Infelizmente, o filme nada acrescenta ou engrandece a franquia. Salvo pela onde de nostalgia e pela qualidade técnica, pode mesmo ser dispensado da atenção do espectador.
PROS
- Arte
- Música
- Animação
CONS
- Várias personagens relevantes do elenco têm um tempo de atenção muito reduzido
- O formato escolhido para esta sequela (longa-metragem) condicionou significativamente a qualidade geral da produção
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