Esta semana já puderam ler vários artigos de outros redactores do ptAnime, centrados nesta arrepiante altura do ano. Este em questão, é a minha tentativa de vos dar mais algo para ler – e quem sabe, ver – e de poder expressar o meu carinho pelo Halloween.
Qualquer motivo para relembrar esta música e este filme é de aproveitar. E que melhor motivo que, ser HALLOWEEN!
![This Is Halloween-The Nightmares Before Christmas [HD]](https://i.ytimg.com/vi/aGR8ftTcjmA/hqdefault.jpg)
A minha relação com o Dia das Bruxas em particular, e com filmes de terror no geral, começou super atribulada. Eu passei de achar o Scream e o Long Time Dead as coisas mais assustadoras de sempre na minha pré-adolescência, para agora não só celebrar quando um filme do género mexe comigo, como também exigir dele mais do que jump scares e clichés.
Ainda assim, apesar de o meu gosto por terror ter aumentado, aproveitando o Halloween para fazer uma sessão dupla (às vezes tripla), há uma fatia bem grande deste género que sempre mantive a relativa distância: os filmes de terror japoneses e coreanos (sobretudo).
Há qualquer coisa na forma como eles ensaiam sobre o horror que sempre me pareceu off, perturbadora. Tudo me parecia mais invasivo ao espaço pessoal, tanto física como mentalmente. Por esse motivo, fui sempre evitando “molhar os pés” neste imenso mar que são os filmes de terror “asiáticos”. Mas, não só o dever chama, como estava na altura de enfrentar o meu medo.
Decidi começar logo pelo, provavelmente, primeiro na minha caixa de pandora-de-filmes-para-nunca-assistir, Audition, filme de 1999 realizado pelo incontornável Takashi Miike.
Mesmo que apenas tropecem ocasionalmente no cinema japonês, o nome de Miike-sensei seguramente já se atravessou no vosso caminho. Comigo foi assim. Ouvi falar tanto dele ao longo dos anos que quase formulei um mito na minha mente sobre o irreverente mestre. Os seus must watch são muitos, mas excluindo a perturbadora sessão de Audition, apenas tinha visto a sua adaptação live-action de Blade of the Immortal (recomendo e podem assistir na NETFLIX).
Interlúdio:
Em novembro teremos a oportunidade de ver um filme de Takashi Miike nos cinemas nacionais: First Love (“Primeiro Amor”) de 2019:
‘First Love’ de Takashi Miike chega aos cinemas nacionais
Mas então porque o Audition e não outro?
Nada mais, nada menos, que uns meros 10 segundos do início do trailer do filme. Não me lembro exactamente como cheguei ao vídeo, mas provavelmente foi nalgum daqueles artigos tipo, “10 Filmes de Terror Japoneses de Molhar a Cama” ou “10 Filmes de Takashi Miike para Fritar a Pipoca”. Só sei que, desde a minha adolescência, barrei o filme da minha lista to watch com base nesses agourentos segundos.
E agora que assisti ao filme, como foi enfrentar o meu medo? Valeu a pena, ou mais valia estar quieto? Se ainda estás a ler, descobre já de seguida!
Audition (1999) de Takashi Miike – Pedro vs Medo
Depois de tanto preâmbulo, está na altura de falar do filme em concreto. Mas antes, e garanto que é rapidinho, quero deixar assente que este artigo vai fugir a SPOILERS como o diabo foge da cruz.
Para muita pena minha, saber a priori que o filme é de terror, retira ao soco que ele nos dá no estômago, alguma da sua força. Ok, não muita, mas ainda assim o suficiente para me fazer desejar ardentemente poder ter assistido completamente às cegas.
(AVISO: Não façam a ninguém a menos que a pessoa adore o género de terror.)
Portanto, não tenciono deixar aqui o trailer do filme – é para vosso bem – e vou tentar falar dos prós e contras de forma a que não vos antecipem cenas do filme ou interacções entre personagens.
Vão-me agradecer mais tarde!
Audition (1999) de Takashi Miike | Uma espécie de sinopse:
O que se passa então em Audition e porquê esse nome?
Resumidamente, um viúvo de meia idade, Shigeharu Aoyama, é aconselhado pelo seu filho adolescente a voltar a encontrar o amor e procurar uma nova esposa. Aoyama confidencia isto ao seu amigo Yasuhisa Yoshikawa, um produtor de filmes que, após ouvir a sua “check-list para uma futura esposa”, lhe diz que o método ideal para encontrar a pretendente é uma audição. Sob o propósito de fazer o casting para um novo filme, Aoyama tem em mão dezenas de currículos que deve pré-seleccionar para a tal audição. Por entre eles, claro, um desperta a sua atenção (oh boy) e na audição o seu desejo materializa-se na ponderada, educada e “não-sei-explicar-como-mas-algo-nesta-moça-não-bate-certo”, Asami Yamazaki.
O óbvio acontece: vão saindo, vão falando, vão-se conhecendo e, aos poucos, pequenos acontecimentos vão torcendo o quadro que Aoyama preconizava ser a pintura do caminho da felicidade ao lado da pessoa certa, após a perda da sua esposa sete anos antes.
E mais que isto não posso dizer…
Audition (1999) de Takashi Miike | O bom, o mau e o “salvem-me”:
Só para complicar as coisas, vou começar por um ponto que eu considero bom, mas dependendo do vosso gosto, pode ser mau: o ritmo do filme (pacing).
Audition é o exemplo perfeito de um slow burn que a certa altura explode numa gloriosa e perturbadora recta final. Considero que a exposição deliberadamente “tranquila” da narrativa durante grande parte do filme, é essencial por vários motivos:
- Atrair-nos para uma falsa sensação de segurança (é aqui que a parte ver “às cegas” é mais relevante);
- Criar uma clara cisão entre o que a “história” do filme parece ser sobre e no que culmina;
- Dar-nos as ferramentas para ficarmos a compreender melhor as personagens principais e bebermos com tranquilidade as suas palavras.
Outros pontos positivos incluem:
-
- A excelente realização por Miike-sensei, bem adaptada aos momentos do filme e que soube extrair o melhor dos actores. De sublinhar, a decisão de reduzir o número de cortes e optar por filmagem mais afastada na primeira “etapa” do filme, permitindo que cada cena respire e que os actores tenham maiores períodos de liberdade interpretativa. Mas isto sem descurar importantes close-ups e sem recorrer ao comum shot/reverse shot;
- (Tendo em conta o ponto acima) O interessante e intrigante trabalho de cinematografia que só por si já dá motivos para rever o filme e tentar perceber o significado das decisões de filmagem tomadas;
-
- Efeitos sonoros e visuais “na mouche”!
E, deixando o melhor para o fim…
-
- Fantásticas interpretações, com o claro destaque para Eihi Shiina enquanto Asami Yamazaki. Simplesmente hipnotizante a prestação de Shiina-chan, sobretudo justapondo as duas fases do filme. Uma autêntica revelação! O que ela faz em câmara é outro motivo para voltar a ver o filme, e extrair mais da sua performance.
-
- De sublinhar ainda as interpretações dos veteranos Ryo Ishibashi como Shigeharu Aoyama, e Jun Kunimura como o seu amigo Yasuhisa Yoshikawa. Quem sabe, sabe. Curiosamente, os dois contracenaram recentemente na subapreciada série da NETFLIX, The Naked Director (série que recomendo vivamente).
E já que falamos de rever o filme, chegou a vez do ponto “salvem-me”: o filme pede, por vários motivos, que o voltem a ver. O que é “mau”, porque vão ter mais uma noite mal dormida com o cérebro a estalar, e bom porque o filme tem sucesso no que se propõe e é um belo exemplo do seu género.
Seja para, tentar antever eventos, decifrar algo nos diálogos tradicionais e corporais das personagens ou, e é um grande ou, ver com mais clareza os momentos que, na primeira visualização, vos farão virar a cara (ou escondê-la entre os dedos… apanhado), repetir a experiência com Audition é fortemente recomendado (quanto mais não seja por mim).
Sim, cada pessoa tem os seus pontos sensíveis, sobretudo no que concerne ao que nos causa repulsa, medo, pânico, etc. Mesmo tendo isto em conta, fica outro AVISO – sobretudo nos seus momentos altos, este filme não é de todo para pesos-leves do género, seja por tópicos sensíveis, gore ou carga psicológica. Pelo menos esta é a minha avaliação, tendo em conta o meu bias e o que me afecta.
Audition (1999) de Takashi Miike | Conclusão: Medo, enfrentar ou não?
A resposta é um enfático sim. Atenção, o filme deixou-me mais perturbado do que pensava e eu já tinha uma vaga noção do que aí vinha. A noite não foi a mais bem passada dos últimos tempos não. xD
O filme encapsula tudo aquilo que falei sobre o terror asiático na introdução. É invasivo, físico e psicologicamente, e brinca com a nossa mente sem recorrer a nada do sobrenatural. Tudo está ali, é cru, e isso faz com que o pesadelo a que se vê ganhar forma ao longo do filme, escorra para fora da sessão, para os nossos pensamentos.
A certa altura, e vocês saberão qual, pode parecer confuso, mas a vertigem e desorientação parece-me claramente deliberada para fazer com que nos sintamos igualmente no limiar do sonho e da realidade.
Volto a repetir, valeu a pena? Sim! Tornarei a vê-lo? Seguramente. Mas tentarei atrair mais presas para esta aterradora e inescapável teia do horror japonês que é Audition!