Recentemente, o Netflix lançou uma adaptação em filme live action de Bleach. Eu não vi e, dado que ainda não encontrei literalmente ninguém a falar dele, vou assumir que vocês também não. Porque é que ninguém o viu? Porque a maior parte destas adaptações têm variado de medíocres a lixo. Num lado, temos as versões americanas, feitas por realizadores que não querem saber do original e tentam transformá-lo em algo completamente diferente que siga a visão que eles querem impor (veja-se o Death Note) ou algo totalmente exigido por estúdio sem qualquer paixão (veja-se o Ghost in the Shell e o Dragonball Evolution).
No outro lado, no Japão, temos filmes sem orçamento nenhum, feitos por realizadores medíocres, cuja filosofia de trabalho parece ser “E se a gente copiasse o original mas sem energia ou criatividade?”.
Existem Adaptações de Anime que prestem?
Portanto, a pergunta é: Existe alguma adaptação de anime que preste? Que seja bem feita e que tenha o espírito do original? Surpreendentemente, a resposta não só é “Sim” como existe mais do que um exemplo! É verdade, existem dois exemplos de adaptações de anime que prestam. Uma da América e a outra do Japão. Por isso, vamos falar delas.
Começando na América, temos a adaptação cinemática do Speed Racer! Realizado pelas Irmãs Wachowski (na altura, os Irmãos Wachowski), este filme foi lançado em 2008 e teve uma avaliação… menos que positiva, digamos assim. No entanto, eu não estou aqui para avaliar a sua qualidade enquanto filme para as audiências em geral, mas sim como uma adaptação de anime. Na minha opinião, eu não acho que exista melhor adaptação de anime para cinema que Speed Racer e isso deve-se a três critérios (que também se aplicam ao filme japonês de que vou falar) que são essenciais para adaptações de anime: sinceridade, fidelidade e estilo visual.
Speed Racer é um filme que é emocionalmente sincero ao ponto de chegar ao melodrama. Todas as personagens no filme declaram diretamente o que estão a sentir com discursos a pingar de compaixão ou monólogos maléficos. Essencialmente, é uma anime da Mari Okada. Não deve ser surpresa para ninguém que uma das principais características de muitas animes é a honestidade emocional envolvida, que anos de cinismo Hollywood-esco e aquele vosso amigo que diz que desenhos animados são “gay” vos têm treinado para achar “ridículo”. Enquanto outras adaptações afastam-se disto a favor de “realismo”, Speed Racer joga-se à força toda e isso conecta-se ao meu próximo critério: fidelidade.
Um exemplo infame de Hollywood arruinar anime é o Dragonball Evolution. Mas porquê? Entre muitas coisas, um dos principais problemas é que parece ter vergonha do original. O filme não é “Uma adaptação em filme do Dragon Ball” mas sim “Uma adaptação em filme do Dragon Ball que tem que obedecer a estas exigências do estúdio para se aproximar de um blockbuster americano”. Por outro lado, o Speed Racer é “Uma adaptação em filme do Speed Racer”, sem mais confusões ou adições desnecessárias. É uma adaptação que mantém desavergonhadamente o estilo e a emoção do original, garoto e chimpanzé incluídos, e por isso não nos parece comprometido com “métricas” ou “demografias”.
Por fim, a última e mais importante categoria que faz de Speed Racer a melhor adaptação para cinema de anime é o seu estilo visual. Anime tem uma linguagem visual muito específica derivada de dois fatores: o estilo visual do cinema japonês e necessidades monetárias. O primeiro fator é obvio, nem que seja só por uma questão geográfica, mas o segundo é talvez mais curioso. Não sei se já deram conta, mas há muitas animes onde os planos são montados (ou desenhados) de forma a não mostrarem a boca das personagens. Porquê? Porque sempre que a boca mexe, os animadores têm que desenhar mais frames de animação. Para compensar esta falta de movimento, os realizadores e animadores tentam sempre fazer com que as coisas tenham um look estilizado de forma a não aborrecer os espectadores. Estas táticas visuais existem num espectro enorme de planos: desde grandes planos que só mostram os olhos das personagens; às famosas “speedlines” para os animadores não terem que desenhar o cenário; até ao uso de grande contraste entre luz e sombra para não terem que desenhar personagens com muito detalhe.
Podia fazer um artigo inteiro só sobre “Truques de realização em anime que vocês mal notam” mas estão a ver a ideia. A linguagem visual de anime é muito diferente da linguagem visual do cinema americano, mas as Wachowskis esmeraram-se para acertar no feel visual de anime. Apesar de não seguirem exatamente todos os “truques” que eu mencionei, as Wachowskis fizeram um mundo de cores e criatividade visual que nós, provavelmente, não voltaremos a ver em Hollywood. Têm planos que se derretem uns para dentro dos outros, movimentos de câmara impossíveis que voam de um lado para o outro, um background com o mesmo foco que o foreground e até arranjaram forma de incluir speedlines. Este é um filme com um estilo visual que derrete mentes inferiores, senhoras e senhores, e não o quereria de outra maneira.
Portanto, se este é a adaptação americana perfeita de anime, qual é a adaptação japonesa perfeita? Duas palavras: Cutie. Honey.
Realizado pelo Hideaki “Eu realizei o Evangelion por isso posso fazer o que me der na veneta” Anno, Cutie Honey obedece aos mesmos critérios que eu estabeleci para o Speed Racer: É emocionalmente sincero, é fiel ao original e tem a linguagem visual de anime (foi realizado por um realizador de anime, afinal). No entanto, este tem uma barreira extra a ultrapassar: o orçamento. O Speed Racer custou 120 milhões de dólares, enquanto este filme deve ter custado, no máximo, cerca de 2 milhões. Como é que fazemos ação estilo anime com um orçamento baixo? Bem, lembram-se como eu disse que muito do estilo visual de anime se faz à base de falta de dinheiro? Basicamente aplica-se essa filosofia aqui. Ok, os efeitos parecem literalmente feitos no Photoshop mas tem tudo um estilo tão exagerado e barato que até entra bem. Já vi algumas queixas de que o filme se parece demasiado com uma série Sentai (ou Power Rangers, dependendo do país) mas eu diria que a cinematografia dá aquele empurrãozinho extra para que o filme tenha um ar um pouco mais caro. A palavra chave aqui é “pouco”.
E… acho que é tudo. Duvido que alguém venha ler isto, dado que a minha experiência anterior me diz que se não tiver Waifus a chamarem pelo Onii-Chan vocês não querem saber.