A temporada de Verão de 2014 foi recheada de grandes obras. Uma das mais desejadas foi o remake de parte da primeira temporada de Kuroshitsuji ou Black Butler, de Yana Toboso.
Por trás da realização da aclamada série está o grande estúdio A-1 Pictures. Com um elenco de luxo e a promessa de seguir o manga à risca, a adaptação pretendia colmatar as falhas da prequela a partir do episódio 15, ponto a partir do qual diverge da manga.
Kuroshitsuji Book of Circus | A História
Ciel Phantomhive é um jovem aristocrata conhecido como o “cão de guarda” da Raínha de Inglaterra. A sua função é controlar o submundo de Londres e simultaneamente cumprir a sua vingança.
O grandioso circo “Arca de Noé” chega a Londres com a promessa de espetáculos inesquecíveis. O roteiro do famoso circo é perturbado por constantes desaparecimentos de crianças. Onde quer que este esteja, misteriosamente, inúmeras crianças desvanecem-se sem deixar rasto, durante a noite.
A pedido da rainha, Ciel fica responsável por descobrir a razão dos estranhos desaparecimentos, o que despoleta uma série de acontecimentos e situações no mundo obscuro do espetáculo.
Kuroshitsuji Book of Circus | Enredo
Embora não seja na sua totalidade, a obra surge como um remake da segunda parte da franquia. Estranho e complicado de perceber numa primeira instância, resumidamente os autores decidiram refazer a obra-prima de Kuroshitsuji, nos arc’s que compõem o manga original. O anime Kuroshitsuji de 2008, a partir do episódio 15 começa a fugir das diretrizes impostas pelo manga. Apesar de permanecer todo o ambiente negro, misterioso e arrepiante, desde logo denotamos as mais diversas falhas e incoerências. Assim sendo, uma nova saga foi imposta, uma produção inteiramente dedicada a um dos mais famosos arc’s do manga: Book of Circus.
Podemos ver Kuroshitsuji Book of Circus sem termos visto Kuroshitsuji?
Sim, podemos. A composição foi construída para que qualquer pessoa possa visualizar a obra sem que se sinta perdida por entre as personagens e enredo. Claro que haverá cenas, personagens, piadas e momentos que vos serão estranhos, um pequeno preço a pagar para quem não viu a primeira parte da obra.
Os primeiros episódios são uma verdadeira introdução da narrativa em geral. Os pequenos pontos são expostos, quer as personagens como a história em si são narrados através de imagens ricas em pormenores vitorianos. A majestosa mansão Phantomhive, os divertidos e problemáticos criados do Lord Ciel, compõem o que será uma das obras mais surpreendentes e obscuras da animação japonesa.
O desaparecimento de crianças é a premissa fulcral da série. Através dela, Ciel e Sebastian embarcam numa aventura pela extravagancia, loucura e insensatez do circo. Como principal suspeito, o circo é simultâneamente local de crime e de pesquisa dos nossos investigadores, que terão de fazer parte de uma verdadeira família de forma a investigar a mesma.
A empatia criada pelas personagens é progressiva, inicialmente pouco sabemos sobre os reais acontecimentos e o que os propicia. Toda a produção segue o ponto de vista de Ciel, descobrimos, conhecemos e criamos laços com as restantes personagens em simultâneo com o protagonista.
As peripécias e momentos divertidos contrastam com a incerteza e constante suspeita, num jogo psicológico que corrói desde logo a humanidade dos nossos corações. Afinal como podemos castigar alguém que tanto gostamos? Estarão os dois lados da moeda sobre o mesmo plano?
O horror intensifica-se à medida que avançamos na narrativa. O clímax é exponencialmente construído de forma sublime. Vemos claramente as melhorias em relação à prequela, onde tudo surgia vindo do nada sem algo assente a nos cativar e fomentar o terror. Aqui, o nosso horror, é potenciado quer visualmente como psicologicamente. Por consequência, eleva as nossas emoções a limites quase insuportáveis, com foco no medo, horror, repugnância, tristeza, e sobretudo, na pena.
A empatia é totalmente usada contra o nosso favor, o autor aproveita-se do sentimento que fomentou em nós para nos “destruir”, para nos fazer sentir um pouco como Ciel se sente, arruinado.
Não há espaço para redenção, para perdoar, para o carinho, o amor ou a empatia. Não há espaço para a humanidade no sentido utópico da palavra, num dos melhores retratos e crítica social da animação.
Kuroshitsuji Book of Circus | Ambiente
O ambiente e o enredo estão em constante sintonia, sendo claramente um dos pontos de maior relevo na franquia, como um todo.
Primeiramente temos o opening. Quem não sentiu arrepios de excitação e estupefação aquando a primeira visualização?
Atrevo-me a dizer que é dos melhores openings produzidos. Uma perfeita analogia ao que será retratado ao longo deste arc: um verdadeiro espectáculo de marionetas, manipuladas com primazia sobre um palco sanguinário onde não há culpados nem inocentes.
Em segundo lugar, temos o já conhecido cenário vitoriano. Inglaterra do século XIX, rica, boémia e aristocrata é perfeitamente retratada. O detalhe e perfeição evidenciados nos cenários, a ornamentação da indumentária, bem como toda a extravagância caraterística do século em questão, são descritos de forma notável.
Por último, temos o lado mais negro da história a ser evidenciado pelo ambiente em tons escuros, onde a penumbra é usada como cenário principal, onde o limite entre luz e escuridão é enaltecido. Os tons vermelhos, a constante iluminação a velas, os jogos de sombras e insinuações fantasiadas culminam numa onde de mistério e medo.
Os momentos shotacon e constantes insinuações sexuais, que a prequela tanto nos habituou, ressurgem de forma ainda mais inteligente e oportuna. Unindo, mais uma vez, o melhor do fan-service com situações de comédia, sadismo, crueldade e manipulação pura. O pior do ser humano a ser explorado pelas mais diversas formas.
A banda sonora e os Seyuu mantêm a qualidade exposta na prequela. Com um reportório de meter inveja, assistimos desde a verdadeiros recitais de música clássica, ao explorar cinematográfico de sons e melodias obscuras, que antecedem os apogeus narrativos. A famosa música do folclore Inglês “Tom the Piper’s Son” é uma das referências mais significativas da obra.
Kuroshitsuji Book of Circus | Juízo Final
A fama em volta da franquia não é em vão. Se gostamos da primeira adaptação de Kuroshitsuji, esta consegue de longe ser superior em todos os aspetos. Os pontos menos positivos da primeira obra, são corrigidos neste remake, quer na componente narrativa quer em toda e qualquer referência ao fanservice de yaoi, que é tão subentendida e atenuada que basicamente só a vê quem quer ver. A premissa principal continua a ser a podridão humana, através de uma crítica social sádica e perturbadora, Ciel demonstra ao demónio o verdadeiro mal na Terra.
Kuroshitsuji Book of Circus é uma obra fácil de se assistir?
Não, de todo. Não, de todo. Posso dizer que roça um pouco o gore e o horror em algumas cenas. Quer pela demografia como pela força psicológica da cena, Book of Circus é uma história demasiado pesada para ser assistida de ânimo leve. Se compensa? Em todos os aspetos! Independentemente de gostarem do género, deve constar nos vossos reportórios de visualizações.
Análises
Kuroshitsuji Book of Circus
Uma obra sublime e perturbadora, preenchida com um visual e banda sonora de luxo!
Os Pros
- Banda Sonora;
- Ambiente Vitoriano e circense.
Os Contras
- Side-Stories que deveriam ter sido mais exploradas;
- Necessidade de contexto da obra.