Mitsutoshi Kubota é o atual presidente dos Studio Shaft que, por sua vez, se encontra a celebrar o 40º aniversário. No seu currículo irão encontrar títulos populares e diversos, desde Hidamari Sketch, Sayonara Zetsubou-Sensei, e a franquia Bakemonogatari, bem como o sucesso Puella Magi Madoka Magica.
Esta entrevista foi conduzida pelo redator Evan Jones (Anime News Network), por William Hong (ConFreaks and Geeks), por Hokan Lo (Nerd Reactor) e por Sahvin Panichpong (The Fandom Post).
Evan: Como ocorreu o seu envolvimento com a Shaft e as suas produções?
Mitsutoshi Kubota: Bem, eu comecei na Shaft em 1982. Isto já vai há coisa de 34 anos, e o meu primeiro trabalho nos estúdios foi em regime part-time, a fazer coloração e efeitos nas cels para animação. Depois, em 1995, tornei-me produtor gestor, e em 2004 cheguei a presidente. E desde 2000 que ocupo o cargo de produtor.
William: Desde que começou a trabalhar na indústria, que aspetos considera que foram sendo alterados?
Kubota: Quando comecei, a coloração de cada frame (cel) era realizada em celulóide. Só por volta do ano 2000 é que comecei a fazer coloração através de meios digitais. E, como tal, o desenho também era todo em papel, e isso atualmente é praticamente tudo feito no computador. Eu acho que a mudança será sempre uma constante, e a indústria ainda continua numa grande transição.
Hokan: Já que falamos nisso, qual é o estilo que prefere?
Kubota: Bem, eu comecei nos dias do analógico. Então tenho um carinho muito especial pelo método retro, mas, por outro lado, a produção digital permite uma maior liberdade de expressão aos criadores, portanto eu acho que os criadores atualmente têm muita sorte com as ferramentas que têm à sua disposição.
Sahvin: Olhando para o histórico da Shaft, vocês trabalharam com outros estúdios, incluindo a Gainax – tendo como exemplo a série Mahoromatic – portanto, como é trabalhar em colaboração com outro estúdio? Para si, quais são as vantagens e desvantagens deste tipo de produções?
Kubota: Acho que trabalhar em colaboração com outro estúdio traz um estimulo criativo muito grande para novas criações. Existe a probabilidade de uma boa química de equipa, o que por si só é positivo. Cada estúdio tem o seu tipo de talento e diferentes métodos, e tudo isso se pode cruzar. Quando se colabora a este nível normalmente nasce algo diferente.
Evan: O estilo do Akiyuki Simbo definiu muito do estilo atual da Shaft. Considera que o estilo dele é o estilo da casa? Pela sua perspectiva, qual é a relação dele com o estúdio?
Kubota: Bem, se eu começo a falar sobre isso, isto vai tornar-se numa grande história. O estilo dele já estava estabelecido mesmo antes de ele chegar ao estúdio, podem ver isso em títulos como Le Portrait de Petit Cossette e The SoulTaker, e eu sempre vi talento nele. Ele sempre teve o seu estilo próprio, com aquele ângulo e ritmo visual, incluídos, claro, em dramas profundos e ação. Nós trabalhamos com ele pela primeira vez numa série chamada Tsukuyomi -Moon Phase-. Nesta o Simbo trabalhou muito bem com os criadores que já eram da casa. Ele mostrou um grande respeito pelas personagens do universo narrativo e estabeleceu um estilo de trabalho que trouxe excelentes resultados com os criadores da casa. E então com Paniponi Dash! e Tsukuyomi tivemos um excelente começo com o Simbo.
Portanto, o estilo de trabalho que foi estabelecido entre ele e a Shaft é bastante consistente. Ele trabalhou em diferentes títulos, e todos eles foram abordados com diferentes ângulos, que começou com Moon Phase, e desde então ele trabalhou em Hidamari Sketch, Sayonara Zetsubou-Sensei, Bakemonogatari, Madoka Magica, etc. A linha comum entre todos estes trabalhos é que todos eles possuem a mesma equipa, que foram saltando de projeto em projeto de diferentes géneros. O nosso intuito com este processo foi de criar uma linguagem comum entre toda a equipa que pudesse ser utilizada em qualquer trabalho. Assim, a cada novo título só temos que nos preocupar em subir a barra da qualidade, em vez de ter que começar tudo pela base com uma nova equipa. Em vez de começarmos sempre do zero, podemos sempre tentar alcançar novos níveis de sucesso. E penso que este tipo de colaboração é a base da relação que existe entre a Shaft e o Simbo, que acabou por criar o estilo próprio do estúdio.
Sahvin: Há pouco falou sobre albergar diversos projetos, diferentes tipos de séries. A minha favorita, mas isto é só perspectiva pessoal, é a adaptação do visual novel ef: A Fairy Tale of the Two, que se transformou em ef: a tale of memories e A Tale of Melodies. Isto é uma série obviamente diferente de tudo o que os estúdios Shaft tinham feito até aquele momento, porque era mais ou menos um drama romântico, que entra em contraste com um reportório essencialmente preenchido por comédia. Qual foi a vossa abordagem a este tipo de série, principalmente porque tinham que ter em conta a fidelidade da adaptação dos visual novels?
Kubota: Uma vez que ef é baseado num videojogo, a narrativa varia imenso dependendo das escolhas realizadas pelo jogador, portanto a equipa teve imensas reuniões para percebermos qual seria a melhor rota narrativa a ser adaptada. Com certeza estará consciente da composição narrativa presente nesta adaptação, nós abordamos de forma muito sofisticada criando a melhor mistura entre as ordens cronológicas, as localizações e as personagens. Simbo, Ōnuma e o escritor Takayama, criaram uma composição narrativa muito complicada, portanto acabamos por ficar muito preocupados se os jogadores do original iriam aceitar. A série foi feita de modo a ter um drama geral para todas as personagens, e que todas elas tivessem a sua resolução. Fizemos a história de modo a que esta progredisse e cativasse os fãs a seguir a série. Tendo em conta este propósito, acho que conseguimos criar um resultado com bastante sucesso. Esta foi a nossa primeira tentativa em animar uma história baseada num videojogo, e trabalhamos diretamente com o escritor e compositor musical do jogo, sendo que eles fizeram parte da equipa de produção do anime. Portanto eu acho que conseguimos um resultado fiel e com sucesso, uma vez que trabalhamos diretamente e em colaboração com os criadores originais do jogo.
O que nós aprendemos com esta produção é que uma adaptação beneficia sempre se for criada em colaboração com os criadores originais, esta mesma experiência também se refletiu em Hidamari Sketch e em Pani Poni Dash!. Acho que criamos um estilo de produção que não só agrada aos fãs do trabalho original mas que também cria um desafio saudável para nós enquanto criadores. Penso que estabelecemos um estilo onde a série animada não é apenas uma re-invenção, mas sim algo autêntico e no mesmo espírito do material original. E foi isto que aprendemos com esta experiência, portanto acho que vamos considerar sempre que a melhor abordagem é trabalhar com os criadores originais se estamos a adaptar um material que já existe.
https://www.youtube.com/watch?v=9DXTk9gtOHY
William: Prefere adaptar algo já existente, ou criar histórias completamente originais?
Kubota: Trabalhar em material já existente é muito saudável para o talento criativo do estúdio, porque existe uma enorme diversidade de géneros e títulos para trabalhar, que acaba por ser algo que motiva o estúdio. Criar algo completamente original é algo que nós adoramos fazer, porém a preparação para algo deste calibre é muito mais complicada e leva muito mais tempo. Quando ocorre termos que decidir por uma ou outra, é muito mais rápido entregar algo baseado em material já existente, portanto é natural que vejam isso acontecer com mais frequência. Acaba por não ser uma questão de qual preferimos, a decisão é realizada com base no tempo que podemos gastar para fazer, porque a criação de algo original exige muito investimento na pré-produção bem como muitos mais testes. Por isso não podemos prometer lançar um original todos os anos, nem com grande frequência. Mas nós adoramos isso, e continuaremos a fazê-lo, tanto um formato como o outro.
Evan: De todos os projetos que produziu, por qual é que sente mais orgulho?
Kubota: Bem, essa é uma pergunta bem difícil, e na minha perspectiva eu estou igualmente orgulhoso de todo e qualquer projeto do qual fui responsável. Dito isto, no que diz respeito a ligação emocional, eu tenho – e o estúdio também – grande ligação pelas nossas criações originais, por causa de todo o tempo e empenho que colocamos nesses projetos. E também porque esta ligação emocional também se reflete nos fãs, sentimos que eles se ligam muito a eles e isso preenche-nos de um enorme sentimento de satisfação. Ou certas coisas como a série Monogatari, nós desejamos que nunca terminasse, porque é daquelas que a enorme paixão é igualmente partilhada pela equipa e pelos fãs. Mas isso não quer dizer que não tenhamos apreço por títulos mais pequenos, porque a nossa equipa tem sempre um grau de paixão por aquilo que produz. Portanto, se analisarem tudo o que já fizemos, vão verificar que tudo possui um nível equivalente de paixão na sua produção.
Hokan: Com o aumento da quantidade de produções de anime a serem lançadas todos os anos, como é que consegue manter uma quantidade de produções constante sob a Shaft? Ou seja, com que antecedência vocês iniciam o processo de produção, tipo: “para a próxima temporada vamos começar já a planear para este título”?
Kubota: É bem verdade que nos últimos anos houve um aumento significativo de títulos produzidos. Atualmente podem esperar 40 a 50 séries numa só temporada. Mas nos estúdios Shaft não alteramos nada. Eu acho que a força do nosso estúdio está mesmo em manter a equipa e a forma como temos trabalhado. Nós não aumentamos a produção só para acompanhar as temporadas, preferimos colocar toda a nossa força e paixão em cada episódio de cada série. Então, na nossa perspectiva, não embarcamos em nenhuma alteração no nosso estilo de produção, simplesmente colocamos todo o nosso esforço no título que temos à nossa frente. É isso que temos feito, e é isso que esperamos manter.
William: Tem por hábito ver filmes ou séries de animação internacionais? Se sim, quais é que gostou mais?
Kubota: Peço desculpa, mas eu tenho uma enorme dificuldade em acompanhar os lançamentos, mas isto não acontece só com os títulos internacionais, mas também com os títulos japoneses, isto para dizer que não tenho sido muito meticuloso com isso. Mas dos poucos que consegui ver, alguns deles pertencem à Disney, e embora alguns já tenham uma boa idade, o último que assisti deve ter sido o Frozen.
O estilo de produção internacional é certamente diferente do estilo de produção japonesa. Uma das grandes diferenças, diria eu, é a audiência para a qual é produzido. Outra coisa é a tecnologia, as produções de animação internacionais têm tecnologia muito avançada, e os estúdios japoneses têm dificuldade em acompanhar esse avanço, como por exemplo o recurso a computação gráfica. Claro que, o que nós temos na indústria de animação japonesa é que os títulos são especificamente criados para a audiência que gosta de anime. Portanto, essa é a nossa força, e é nessa habilidade que vamos continuar a investir. Vir aqui ao Akiba Fest e ter a oportunidade de ver o nosso trabalho a ser exibido, deu-me a possibilidade de ver a forma como a audiência ocidental reage ao nosso trabalho. E pude verificar que esta audiência aprecia as mesmas coisas que a audiência japonesa. Eles apreciaram exatamente a mesma narrativa, e isso mostrou-me que existe várias oportunidades de espalhar a animação japonesa além-mares.
Sahvin: Para terminar, a imagem de marca dos estúdios Shaft é o head tilt que as personagens fazem. Na sua opinião, quais são as personagens que o fazem melhor?
Kubota: (risos) É uma imagem de marca de todas as personagens da Shaft, portanto é difícil até formar um Top 5, mas acho que o Kyubey é certamente uma das minhas favoritas.
Agradecimentos especiais a Evan Jones (Anime News Network), a William Hong (ConFreaks and Geeks), a Hokan Lo (Nerd Reactor) e a Sahvin Panichpong (The Fandom Post) por terem realizado a entrevista, e ao Akibafest por ter possibilitado a mesma.
Fonte: Anime News Network
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